MERCADOS PÚBLICOS DA SÃO PAULO OITOCENTISTA
Em 1806, a Câmara Municipal de São Paulo, no intuito de melhorar o abastecimento da população da cidade e aumentar as rendas municipais, mandou construir um rústico mercado, formado de um correr de 13 quartos geminados, erguidos no início da estrada que seguia para a Penha, à esquerda de quem descia a Ladeira do Carmo (Avenida Rangel Pestana). As mercadorias aí vendidas consistiam em panos de toucinho, banhas, farinhas de milho e de mandioca, feijão, canjica, açúcar, etc., e nos fundos dos quartinhos havia chiqueiros, onde os arrematadores podiam recolher porcos e capados. Todos esses víveres constituíam, afinal, a base do modesto passadio paulistano da época, sendo considerado o prato de feijões cozidos com toucinho uma iguaria tipicamente regional.
As Casinhas da baixada do Buracão do Carmo, como eram chamadas, não eram, no entanto, as únicas construções usadas como mercado municipal; existiam seis outras, mais antigas, localizadas na Rua da Casinhas (Rua do Tesouro), vistas e descritas em 1819 pelo botânico francês August de Saint-Hilaire. Construídas inicialmente em 1773, e reconstruídas em 1797, apresentavam um aspecto repulsivo aos estrangeiros, com o toucinho, os cereais, a carne, tudo jogado e misturado pelo chão, sem limpeza e nem nenhuma ordem.
Ladeira do Carmo. À esquerda, ao fundo,
observa-se o correr das Casinhas.
Foto de Militão Augusto de Azevedo, c.1862.
Acervo: DIM/DPH/SMC
O paulistano Francisco de Assis Vieira Bueno, recordando os dias de meninice passados nos anos de 1820, citava o fato de não existir mercado algum na cidade de seu tempo. Só as carregações de toicinho e de carne de porco é que iam sempre para as Casinhas. No caso, sem dúvida, as Casinhas da futura Rua do Tesouro. Os caipiras que traziam dos arredores – e até de Atibaia, Nazaré Paulista e Jaguari (Bragança Paulista) –, os mantimentos para serem comercializados na cidade, quedavam nessa rua, à noite, a cantar ingênuas modinhas, fazendo-se acompanhar do som plangente das violas e atraindo a atenção das pobres prostitutas locais.
Após a Independência, com a promulgação da Lei do Regimento das Câmaras Municipais, em 1828, passou a ser encargo dessas corporações a construção de mercados públicos, entre outros melhoramentos urbanos. Viu-se então a Câmara paulistana obrigada a providenciar a construção de um mercado adequado, sendo escolhido como local da nova edificação o Buracão do Carmo, terreno erodido por causa de um cano de despejo proveniente do Convento de Santa Teresa. O cano evacuava águas servidas na Rua do Carmo (Roberto Simonsen), nas proximidades da ladeira desse nome (Avenida Rangel Pestana), num nível acima das Casinhas de 1806, que por isso tinham a estabilidade de suas estruturas constantemente ameaçada.
Durante o período das Regências, as coisas não corriam muito bem para a cidade de São Paulo. Minguados eram os recursos municipais e mesquinha a mentalidade que preponderava entre os estratos dirigentes de então. Em 1836, a Câmara encomendou um risco de mercado provavelmente a algum mestre-de-obras. O desenho no entanto logo se extraviou, e a partir daí todas as etapas de construção foram resolvidas por escrito entre os vereadores, o prefeito (cargo de confiança da presidência da Província que durante certo tempo existiu na Câmara paulistana) e os trabalhadores da obra. Concluído em 1838, o barracão mostrou-se totalmente inadequado ao fim a que se destinava. Não restou à edilidade senão arrendá-lo para outras finalidades, ficando assim a cidade sem o seu desejado mercado municipal. Vinte anos depois a imagem dessa edificação seria captada pela objetiva de Militão Augusto de Azevedo, e embora tivesse sofrido alterações após o arrendamento a particulares, a aparência na foto confirmava ser o barracão uma pequena e tosca construção de taipa, de planta bastante singela.
Pormenor da vista da Rua do Carmo.
Foto de Militão Augusto de Azevedo, c.1862.
À esquerda, na esquina da Ladeira do Carmo, vê-se o antigo
Barracão do Carmo, construído entre 1836 e 1838
para ser o primeiro mercado paulistano.
Acervo: DIM/DPH/SMC
A necessidade de um mercado municipal só retornaria às discussões em vereança muitos anos mais tarde, em 1859, quando já se cogitava construir a ferrovia que iria interligar o porto de Santos a Jundiaí. Ao dar seu parecer sobre a proposta de Francisco de Siqueira Queirós para a construção do mercado municipal, a Comissão Permanente da Câmara garantia:
A praça do Mercado é uma obra de summa urgencia para esta Capital, e presentemente mais da que nunca, porquanto, tendendo a engrandecer-se sua população pelo facto da construcção da estrada de ferro, torna-se indispensavel um centro para a compra e venda de comestiveis, impedindo-se assim que o monopolio tire partido das primeiras necessidades do povo [...]
Interrompidos logo no início os trabalhos de construção da praça do mercado, novo programa e edital foram apresentados em 1861. De autoria do vereador José Porfírio de Lima, arquiteto-medidor formado em Niterói, foi então executado um ”prospecto”, que serviria de base para o contrato a ser assinado com o empreiteiro de obras.
O projeto desenvolvido por Porfírio, contudo, não foi aceito pelo governo provincial, por ter sido considerado seu orçamento muito acima do que permitiam os recursos financeiros municipais. Desse modo, o mercado só se concretizaria algum tempo depois, num terreno situado na várzea do Tamanduateí, que passara por recente processo de urbanização, com a retificação do rio e a abertura da Rua 25 de Março. Desenvolvida nova proposta em 1865, por um engenheiro inglês naturalizado chamado Newton Bennaton, a execução do novo equipamento municipal não deixou de apresentar problemas, causados em grande parte por conta da pouca importância que então se dava à confecção de planos detalhados. Bennaton forneceu um simples risco, incompleto, várias vezes modificado pelo empreiteiro Dr. José Maria de Andrade, que agia, porém, com o consentimento e a orientação do engenheiro Bennaton. Um dos vereadores, entretanto, discordou daquilo que entendeu ser uma ingerência indevida do autor na realização da obra municipal. Depois de vários percalços, a construção foi concluída em 1867 e uma comissão formada pelo engenheiro Carlos Rath, pelo autor do projeto, Newton Bennaton, e pelo engenheiro Vilalva, vistoriou-a com o objetivo de elaborar um relatório final. Os engenheiros aproveitaram a ocasião para dar uma lição à Câmara, defendendo uma idéia que naquela altura deve ter soado exótica aos ouvidos dos vereadores: a necessidade de ter toda e qualquer construção um acompanhamento técnico competente realizado por engenheiro:
Bem poucos empreiteiros no mundo são engenheiros, e n’estas occasiões de diffículdades se elle não tem um profissional para o guiar e obrigal-o a proceder como deve, não obstante ter elle a melhor boa vontade possivel, muitas veses obra demaneira [sic] que reveste não só em seu proprio prejuiso como tambem em prejuiso da obra ou construcção que esta realizando.
E concluíram:
Eis a rasão porque em toda a parte calcula-se nos orçamentos pelo menos cinco por cento de administração ou direcção technica. Nem todos os empreiteiros possuem a mesma boa vontade de cumprir o que tratão e nem o caracter nobre do arrematante da Praça do Mercado, e é por isso ou por falta da necessaria direcção que muitas obras no Brasil ou sahem mal feitas ou não se acabão, julgando o Governo e as repartições e corporacões publicas inutil essa despesa de cinco por cento. Nunca houve maior engano, e o tempo mostrará que á muitas das obras no Brasil, o mesmo que tantas veses tem acontecido hade [sic] continuar a acontecer até haver aqui pessoas habilitadas para esse fim, em quem o Governo e as corporacões possão depositar inteira confiança.
Ao que tudo indica, a aparência do Mercado Municipal não agradou à população paulistana; apesar de o empresário e o engenheiro autor do projeto terem-se esforçado por conferir um ar de modernidade à construção, edificando-a, sem duvida, com tijolos produzidos em máquinas a vapor da Olaria do Bom Retiro, que pertencia ao empresário Andrade, e ornando-a com elementos arquitetônicos postos em moda pelo Neoclassicismo que nos vinha da Corte.
Consistia numa longa ala formada de quartos, provida de arcada com 35 aberturas em arco pleno. Externamente, pilastras subdividiam a fachada, enquanto o telhado ficava originalmente oculto atrás de uma platibanda sem enfeites. O amplo pátio fronteiro, de forma quadrangular, era circundado por muros providos de gradis de ferro, chumbados em grossos pilares de seção quadrada.
A manutenção da praça do mercado foi, contudo, considerada muito custosa pela edilidade: havia freqüentes estragos provocados nos gradis pelas mulas dos caipiras, que teimavam em amarrá-las nos varões de ferro, e constante era a substituição de calhas, rufos e condutores de cobre, peças então de valor considerável. A solução encontrada pela Câmara para diminuir os gastos foi mandar eliminar as platibandas em 1874 e substituir os gradis metálicos por muros maciços de tijolos.
Na década de 1870, com a Capital crescendo em função da ativação econômica motivada pelo funcionamento da estrada de ferro inglesa, cogitou a Câmara Municipal de São Paulo mandar construir um mercado de verduras. Isso nos faz supor que o consumo de vegetais ia em aumento naqueles anos, pois até então a mesa dos paulistanos era guarnecida com um número muito reduzido de hortaliças, sendo preferida entre elas a couve, acompanhamento clássico do prato de feijões cozidos com toucinho.
Em 1873 a planta básica do novo mercado foi traçada, supomos, pelo engenheiro então a serviço da Câmara, o alemão Carlos Rath. Contaria o novo edifício com dois pisos e arcadas no térreo. Como a municipalidade continuava não dispondo de recursos suficientes, o presidente da Câmara recorreu a um amigo seu, o presidente da Província João Teodoro. Este se predispôs a ajudá-lo; mas sendo a construção de exclusivo interesse municipal, João Teodoro recorreu a um estratagema francamente indefensável: no final de janeiro de 1874, comunicou estar disposto a reunir num mesmo edifício o mercado de verduras municipal e algumas repartições provinciais. A edilidade paulistana aceitou prontamente a oferta estapafúrdia e, de acordo com a proposta feita, comprometeu-se a conceder de forma gratuita os terrenos municipais onde se ergueria grande parte do novo edifício. Com a resposta, remeteram-se as bases e a planta pelas quais havia assumido a Câmara a almejada construção, a fim de que por elas se fizesse o contrato a ser assinado pelas partes interessadas.
A nova edificação seria erguida na Rua das Casinhas, ocupando os terrenos do antigo mercado colonial. Ao governo da Província caberia mandar reorganizar a planta do segundo pavimento do projeto municipal para adaptá-lo às instalações da Escola Normal e do Tesouro Provincial.
É possível que dessas adaptações haja sido encarregado Antônio Bernardo Quartim, empreiteiro de obras públicas amigo e correligionário político de João Teodoro. Em um artigo de jornal intitulado
O capitão Quartim ou o popular A.B.Q., em scena os dois advogados que haviam defendido a causa de D. Rita Bourroul contra a Província, dado o fato de a obra do mercado ter arruinado a casa dessa senhora, puseram de lado a compostura e sisudez profissional e ridicularizaram o empreiteiro, nomeando-o “supremo architecto das obras publicas da capital” e responsabilizando-o pela concepção do grande edifício provincial em construção, do qual segundo eles não havia planta alguma:
É voz publica que o capitão delineou e executa o edifício em questão [edifício da escola normal, praça de verdura, ou o quer que é].
Já se sabe - planta mental - mesmo porque isto de planta em risco:
Não se admitte em jardim
Que administra Quartim.
Os dois autores desse texto provocativo respondiam ao capitão, que pelos jornais se dizia ofendido com as insinuações a respeito da má qualidade de suas obras. Nos versinhos aludiam eles também às construções que Quartim empreendia no Jardim da Luz, do qual era administrador.
Apenas iniciada a construção do edifício do mercado de verduras e Escola Normal, começaram a chover críticas e ironias na Assembléia. Os deputados da oposição revezavam-se nos sarcasmos. Chegaram a apelidar o edificio do mercado de
Barracão:
o edificio conhecido com a designação de Mercado Novo, em via de construcção á esquina da antiga rua do Rosario, tem sido muito censurado. Realmente não é elegante, sem dúvida, é obra bronca pelo que apparece exteriormente. Tem sido apreciado na altura e projectada disposição interna.
Quanto á altura, o sr. Presidente [da Assembléia] póde dizer como a quadrinha popular:
“Quem casa na praça fez
A muito se aventurou;
Uns dizem que ficou baixa,
Outros que de alta passou.” (Riso.)
Pelas discussões ocorridas em torno do projeto de lei n.87, que os deputados oposicionistas apresentaram na sessão legislativa de 1875, temos conhecimento de que, na realidade, estavam eles tomados de inveja, tencionando apossar-se do grande edifício para transformá-lo na sede da Assembléia Provincial. Acabamos descobrindo também o porquê de a construção estar destituída de todo o valor arquitetônico aos olhos dos contemporâneos: ela simplesmente não possuía platibanda!
O projeto de lei acima mencionado não foi aprovado porém. Em relatório apresentado à Assembléia Provincial no dia 27 de junho de 1875, o novo presidente da Província, Dr. Sebastião José Pereira, comunicou ter suspendido as obras do edifício. Faltava dinheiro e era necessário alterar-lhe o plano, pois não era sensato abrigar sob o mesmo teto repartições públicas e mercado.
Na sessão extraordinária da Assembléia iniciada em junho de 1875 foi apresentado outro projeto autorizando o governo a modificar e concluir o edifício em questão. Um substitutivo que acabou transformado em lei (lei n.8 de 6 de julho de 1875) autorizou finalmente o governo provincial a mandar fazer os trabalhos mais urgentes, necessários à conclusão das obras começadas, podendo-se modificar os planos existentes, rescindir os contratos em vigor, etc.
No relatório com que foi aberta a sessão legislativa de 1876 da Assembléia Provincial, Sebastião Pereira expôs a situação em que se encontravam as obras do mercado. Embora aparentando acreditar na probidade do empreiteiro Quartim, Pereira houve por bem conseguir da Assembléia autorização para reformar-lhe o contrato, assegurando desse modo os interesses do Governo. Além disso, indicou o engenheiro Trigo de Loureiro para fiscalizar o andamento das obras depois de – e aí está o mais importante – mandar reorganizar a planta do edifício. A nosso ver, a intervenção de Trigo de Loureiro não ficou limitada à parte interna da construção. É muito provável que tenha sido esse profissional o responsável por conferir ao “barracão” ou "palácio das verduras”, como era pejorativamente chamado pelos deputados, a dignidade arquitetônica de que até então estava desprovido aos olhos dos contemporâneos.
Examinando cuidadosamente os dois únicos documentos iconográficos subsistentes do Palácio do Tesouro Provincial que fixaram sua aparência entre 1877 (uma foto do Largo do Mercadinho datada aproximadamente desse ano e um desenho de Jules Martin presente na planta da cidade dessa mesma data) e 1891, quando foi de novo totalmente reformado no seu aspecto externo, observamos que a organização das fachadas mostradas neles não poderia ter existido antes da intervenção de Trigo de Loureiro. Se foi ele o introdutor no edifício das desejadas platibandas, anteriormente inexistentes, só pode ter sido ele também quem criou o corpo avançado central coroado com frontão na fachada da Rua das Casinhas, doravante conhecida como Rua de Palácio, hoje Rua do Tesouro. As arcadas do térreo, por inúteis, foram tapadas e as janelas do pavimento superior ganharam arcos de sarapanel – um tipo de verga que gozou de algum favor a partir do segundo lustro dos anos de 1870; ainda no primeiro andar, pilastras coríntias, a sustentar o entablamento, reforçavam visualmente os ângulos do edifício e subdividiam ritmicamente os panos lisos das paredes. O resultado contudo não era muito convincente, havendo certa desproporção entre a altura do edifício e suas aberturas superiores situadas nas fachadas laterais, anos mais tarde também transformadas em janelas rasgadas.
Vista do Largo do Mercadinho, hoje Praça Padre Manoel da Nóbrega, em foto
provavelmente datada de 1877, de autor desconhecido.
Ao fundo, à direita, na esquina da Rua da Imperatriz (Quinze de Novembro) com a Rua das Casinhas, depois do Palácio, nota-se a fachada lateral do Palácio do Tesouro Provincial (1874-1877), em fase de finalização. A arcada térrea do projetado mercado de verduras já fora entaipada e as platibandas, erguidas. Os vãos singelos do primeiro andar seriam mais tarde transformados em janelas de sacada, pois assim aparecem em foto de Militão datada de 1887.
Acervo: DIM/DPH/SMC
Apesar desses senões, o
palácio, depois de remodelado, passou a impressionar muito favoravelmente os paulistanos, e a realização nele do baile de inauguração da ferrovia de São Paulo ao Rio de Janeiro em julho de 1877 é uma eloqüente prova disso.
Com a decisão tomada por Sebastião Pereira para resolver o problema de um edifício de propriedade provincial que reunia sob o mesmo teto atividades totalmente incompatíveis – mercado de verduras e repartições públicas que exigiam um ambiente silencioso para seu funcionamento –, ficou a cidade de São Paulo novamente desprovida de seu desejado mercado. A solução para essa carência só viria anos mais tarde, com a construção do mercadinho de “ferro” da Rua São João.
Mercado de verduras (1888 - 1890), sito na Rua de São João.
Foto de Guilherme Gaensly; início do século XX.
Fonte: TOLEDO, Benedito L. de. Anhangabahú. São Paulo: Fiesp, 1989.
O ferro fundido – tido como o material construtivo típico da Primeira Revolução Industrial – e o aço, material incomparavelmente mais resistente e de fabricação industrial bem mais recente, quase não foram usados na cidade de São Paulo durante o período do Império. O ferro fundido limitou-se a ser empregado em umas poucas pontes sobre rios paulistanos, em um ou em outro avarandado complementando edifícios de recente construção, e em alguns elementos construtivos de chalés e quiosques do Jardim da Luz. Na verdade, não se via na cidade nenhuma obra arquitetônica de porte significativo que fosse inteiramente executada com peças metálicas, salvo o mercado de verduras da Rua de São João, que sob esse aspecto constituiu grande exceção à regra, embora só tenha sido inaugurado nos primeiros dias da República (junho de 1890).
Contratado pela Câmara em 1888, o escritório Aurélio, Vilanova e Cia., representante do sistema Danly, optou, sem dúvida por uma questão de exigüidade do prazo de entrega da obra acabada, por encomendar um mercado pré-fabricado, de acordo com o mencionado sistema, à fabrica belga
Forges d’Aiseau, conforme deduziu o professor e arquiteto Geraldo Gomes da Silva em sua pesquisa sobre a arquitetura do ferro no Brasil (
Arquitetura de ferro no Brasil. São Paulo: Nobel, 1986). O edifício era inteiramente feito de chapas prensadas de aço, combinadas com perfis de seções pequenas. Com o propósito de amenizar a
ofensiva rudeza funcionalista das construções metálicas, o sistema Danly moldava as chapas estruturais com a aparência de silhares renascentistas (pedras de cantaria) talhados em forma de diamantes. Afinal, a estética arquitetural oitocentista sempre recorria a referências historicistas, na tentativa de tornar suportável à sensibilidade da época, romântica, nostálgica e evasiva, as mais ousadas realizações da civilização capitalista moderna, como é o caso das estruturas utilitárias erguidas segundo avançadas técnicas industriais.
Outro memorialista paulistano, chamado Jorge Americano, conheceu o mercadinho da São João nos últimos anos do século XIX (
São Paulo naquele tempo, 1895-1915. São Paulo: Saraiva, 1957.) e assim o descreveu:
[...] era quadrado, 50 metros por 50, uma entrada central em cada face.
Havia frutas, cereais, legumes, verduras, lingüiças, frangos, tôda a pequena produção das chácaras dos arredores da cidade, e um setor de peixe, vindo de Santos. Nada de artigos que não fossem comestíveis, a não ser as cestinhas e peneiras tecidas com taquara e os potes e moringas de barro. Nos comestíveis, bacalhau sêco, mas não produtos enlatados.
Pormenor de vista panorâmica - óleo de autoria de Benedito Calixto - representando uma inundação da Várzea do Carmo.
No detalhe, aspecto do Mercado Municipal em fins do século XIX.
Acervo do Museu Paulista da Universidade de São Paulo.
LAGO, Pedro Corrêa do. Iconografia paulistana no século XIX.
São Paulo: Metalivros, 1998.
Como vimos acima, os velhos quartos da Rua das Casinhas foram derrubados em 1874 para dar lugar ao Palácio do Tesouro Provincial. Quanto às Casinhas da Ladeira do Carmo e ao Barracão do Carmo, acabaram vendidos pela municipalidade em 1882. O mercado da Rua 25 de Março, por sua vez, conhecido também como Mercado dos Caipiras, foi substituído por uma versão mais moderna a partir de 1907 (esta última preterida pelo atual Mercado Municipal da Rua da Cantareira no início da década de 1930). Finalmente, o mercadinho da São João desapareceu durante as transformações urbanas locais ocorridas em 1915, ao ser construída a Praça Verdi, atual Praça do Correio.
Eudes Campos
Bibliografia
- ACTAS DA CAMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. São Paulo: Archivo Municipal de S.Paulo; Departamento de Cultura, 1914-1951.72v. (período consultado: 1874-1886, v.60-72)
- ACTAS das sessões da Camara Municipal (Conselho de Intendencia) de São Paulo, 1890. São Paulo: Espindola & Comp., 1905.
- [ACTAS das sessões da Camara Municipal de São Paulo, 1889. São Paulo: ?,19--]
- BUENO, Francisco de A. Vieira. A cidade de São Paulo, recordações evocadas de memória. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 1976.
- CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. 1997. 814 f. Tese (Doutorado em Arquitetura) – FAUUSP, São Paulo. 4v.
- SANT’ANNA, Nuto. São Paulo Histórico. São Paulo: Departamento de Cultura, 1937. 6v. v.1.
- SILVA, Geraldo G. Arquitetura de ferro no Brasil. São Paulo: Nobel, 1986.
- TAUNAY, Affonso E. História da cidade de São Paulo no século XVIII (1765-1801). São Paulo: Divisão de Arquivo Histórico, 1949. v.2, partes 1 e 2.