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PMSP/SMC/DPH
São Paulo, maio/junho 2007
Ano 2 N.12  

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  • LOGRADOUROS

  • Origens do bairro de Santa Cecília


    Durante o século XVIII, na região conhecida como do Anhangabaú de Cima, dois importantes caminhos se bifurcavam. À esquerda, partia o caminho de Sorocaba (Rua da Consolação), que ia ter na região sul do País; à direita, o caminho de Jundiaí e Goiás. Este se iniciava no Piques, subia a ladeira da Memória, entrava na Rua da Palha, atual Sete de Abril, seguia pela Rua do Arouche de hoje e pelo largo desse nome, virava na Rua Sebastião Pereira e, em seguida, orientava-se pelo leito da futura Rua das Palmeiras até sair na Água Branca. Não se sabe quando foi aberto esse caminho, mas tudo indica que já existisse no princípio do Setecentos, como uma alternativa ao de Nossa Senhora do Ó (antigo caminho de Piratininga), que vinha sendo ameaçado de fechamento por sucessivos proprietários da Chácara do Bom Retiro, o que finalmente acabou acontecendo em 1809.

    Pouco antes, em 1807 ou 1808, o marechal Arouche arruou, a mando da Câmara, suas terras caídas em comisso no Morro do Chá. Delineou então ruas retas mas sem se cortarem ortogonalmente, que puseram em comunicação o caminho de Sorocaba (Rua da Consolação), o caminho de Jundiaí (Ruas Sete de Abril e Arouche), o caminho do Ó (Ruas do Seminário e General Couto de Magalhães) e o caminho da Luz (Avenida Tiradentes), que ia em direção ao norte.

    O arruamento da chamada Cidade Nova atraiu muitos interessados na época em que as datas estavam sendo distribuídas, porém, aos poucos, o entusiasmo arrefeceu. Manteve-se durante muito tempo como um mero arrabalde chacareiro, com o ar um tanto descuidado, embora desde meados do Oitocentos fosse considerado, conjuntamente com o bairro da Luz, a região mais apropriada para a expansão do uso residencial urbano. A dificuldade de ocupação dessa região vinha do fato de só ser acessível para quem vinha da cidade por dois pontos distantes um do outro, providos de ladeiras muito íngremes: a Rua de São João, que desde 1808 terminava na via depois conhecida com o nome de Vitória, e o Piques, onde se localizava a Ladeira da Memória. Entre esses pontos estava então estabelecida a Chácara do futuro Barão de Itapetininga, só arruada e loteada na segunda metade do século XIX.

    Durante o ciclo econômico do açúcar (1765-1850), o caminho de Jundiaí tornou-se muito movimentado, com inúmeras tropas chegando do interior pelo Piques, as quais, depois de atravessar a cidade, se dirigiam ao porto de Santos, pela saída da Glória e Lavapés. O movimento continuou alto durante o inicio do ciclo econômico seguinte, o do café, quando a partir de 1863 os muares passaram a ser conduzidos preferentemente em direção ao litoral pela estrada do Vergueiro (rua desse nome). Procurando desviar esse trânsito intenso das ruas centrais da cidade, a Câmara, tardiamente, resolveu abrir a Rua Riachuelo entre 1867 e1868, na mesma época da inauguração da ferrovia inglesa, que desde então se encarregaria de transportar com mais segurança e eficiência o café do Oeste paulista para o embarque em Santos.

    A importância do caminho de Jundiaí e Campinas, ou de Nossa Senhora do Ó como também era conhecido, é ainda confirmada pelas Atas da Câmara. Em 1857, a edilidade decidia revestir as saídas do Piques, até então pavimentadas com as tradicionais pedras ferruginosas, com uma modalidade de macadame, na esperança de que esse tipo de revestimento suportasse melhor o trânsito de animais e carros de bois.

    Em 1860, moradores do Arouche solicitaram autorização para erguer uma capela num largo existente no caminho de Campinas (Rua das Palmeiras). Erguido nas proximidades do “tanque do Teobaldo”, o templo seria dedicado a São José e Santa Cecília e foi essa invocação que mais tarde deu nome ao futuro bairro.

    A ocupação urbana, porém, demoraria ainda algumas décadas para se enraizar. De fato, os olhos dos especuladores só se voltaram para aquela região de chácaras, situada na parte baixa da encosta do espigão central, depois da construção, nas imediações, do hospital da Santa Casa de Misericórdia (1881-1884) e, em cota mais alta, da faustosa vila suburbana (1882-1885) de D. Veridiana da Silva Prado (1825-1910). A proprietária havia-se mudado para a nova residência pouco antes de ser visitada, em 1884, pela Princesa Isabel (1846-1921). E esta, em seu diário, se mostrou encantada com a elegância da "casa à francesa" ainda por terminar. Reformada nas décadas de 20 e 60 do século passado, a antiga Vila Maria existe até hoje e é sede do Clube São Paulo. Ao visitá-la, podemos avaliar quanto essa casa deve ter impressionado a provinciana cidadezinha de São Paulo na época de sua inauguração.

    A presença da casa de D. Veridiana certamente foi um atrativo a mais para o vizinho Boulevard Burchard, loteado em 1895. O novo empreendimento imobiliário, de estrito uso residencial, que depois se tornaria o bairro de Higienópolis, tinha localização privilegiada e por isso atraiu moradores muito ricos influenciados pelo recente sanitarismo. A epidemia de febre amarela em Campinas (1889) e a ocorrência de focos da doença em Santa Ifigênia em 1893 faria com que muitos fazendeiros abastados vindos do interior, e que habitavam perto da Estação da Luz, em razão das facilidades de transporte que interligavam o interior e o litoral, se decidissem mudar para locais afastados, altos e arborizados, agora tidos como mais saudáveis.

    O loteamento da antiga chácara do Marechal Rendon em 1893 (origem do bairro de Vila Buarque) e a venda da segunda etapa do Boulevard Burchard, a partir de 1897, convenceriam os donos das chácaras vizinhas que era oportuno dar inicio à comercialização de suas propriedades. Moradora na Chácara das Palmeiras desde 1874, onde, a exemplo de D. Veridiana, construíra uma vasta mansão (1890-1892), D. Maria Angélica de Barros (1845-1929) resolveu desmembrar as terras que possuía, abrindo algumas ruas nos últimos anos do século XIX: Rua Conselheiro Brotero e Avenida Circular (Atual Angélica). No começo da centúria seguinte, seria a vez das chácaras do Dr. Jaguaribe e de D. Veridiana.

    Consultando as plantas da cidade datadas das primeiras décadas do novecentos é possível, mais ou menos, acompanhar a marcha da abertura das ruas locais. Enquanto o loteamento do bairro de Higienópolis foi planejado de maneira a oferecer as melhores condições de implantação às construções, a parte referente à Santa Cecília parece ter seguido os puros ditames da exploração fundiária. Na parte de Santa Cecília mais próxima do bairro de Higienópolis, os lotes eram em sua maioria amplos, equivalentes aos abertos nas terras do Boulevard Burchard, com o objetivo de seduzir o mesmo tipo de morador de elite. A parte do bairro, no entanto, cujo perímetro é formado pela Avenida Angélica e Ruas das Palmeiras, Sebastião Pereira e Jaguaribe, mais próxima da Vila Buarque, já tinha outra configuração, com lotes bastante estreitos, que só admitiam construções geminadas, como as do bairro contíguo.

    Interessante notar que quando D. Maria Angélica mandou retalhar a Chácara das Palmeiras, teve o cuidado de homenagear membros da importante família a que pertencia, os Barros, ou seus correligionários políticos, à medida que nomeava as vias então abertas, como, por exemplo, a Rua Conselheiro Brotero, que traz à lembrança o nome do José Maria de Avelar Brotero (1798-1873), ilustre professor da Academia de Direito, pai de Frederico Dabney de Avelar Brotero (1840-1900), este por sua vez sogro do filho de Maria Angélica, Francisco, naquela altura já falecido. Ela também celebrou o sobrenome de seu marido morto, Francisco Aguiar de Barros, abrindo a Alameda Barros, e uma de suas tias-avós, atribuindo o nome de Baronesa de Itu (Leonarda de Aguiar) a uma outra via. Com relação à Rua Dr. Gabriel dos Santos (1816-1858), perpetua a lembrança de um aliado político de um seu parente famoso, o Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, na época da Revolução de 1842. E a Rua Brasílio Machado refere-se a Brasílio Augusto Machado de Oliveira (1848-1919), outro membro do Partido Liberal do tempo do Império.

    O arruamento da área relativa às Ruas Brasílio Machado, Rosa e Silva, Dr. Gabriel dos Santos, etc. remonta às décadas de 1910 e 1920. Os lotes oferecidos nessa parte do bairro permitiram a construção de confortáveis sobrados residenciais destinados à classe média alta. Na Rua Dr. Gabriel dos Santos, por exemplo, reúnem-se até hoje vários exemplares desse tipo, projetados em diferentes estilos arquitetônicos da moda e hoje tombados por órgão competente de nível municipal (Conpresp).

    A transição da paisagem urbana entre o bairro de Higienópolis e o bairro de Santa Cecília se fazia então de modo sutil: dos luxuosos palacetes de fins do dezenove passava-se aos amplos sobrados de classe média dos anos de 1920. A parte ocupada pela Dr. Gabriel dos Santos se conservaria estritamente residencial até os anos 50, quando se iniciou o processo de verticalização da região e a conseqüente mudança de uso.


    Maurílio José Ribeiro
    Seção Técnica de Logradouros

    Eudes Campos
    Seção Técnica de Estudos e Pesquisas



    Documentação arquivística
    • SÃO PAULO (Cidade). AHMWL. Banco de dados da Seção de Denominação de Logradouros. (fichas referentes às ruas do bairro de Santa Cecília).


    Bibliografia
    • ARROYO, Leonardo. Igrejas de São Paulo. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1954.

    • [BRAGANÇA, D Isabel Leopoldina de Orleans e]. Diário da Princesa Isabel. In: MOURA, Carlos e. Marcondes de (org.). Vida cotidiana em São Paulo no século XIX. São Paulo: Ateliê Editorial; Fundação Editora. da Unesp; IMESP; Secretaria de Estado da Cultura, 1998.

    • CAMPOS, Eudes. Nos caminhos da Luz, antigos palacetes da elite paulistana. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material. São Paulo, USP, n.13, 11-57, jan./jun. 2005.

    • ______. São Paulo: desenvolvimento urbano e arquitetura sob o Império. In: PORTA, Paula (org.) A história da cidade de São Paulo. São Paulo: Paz e Terra, 2004.3v. v.2.

    • ______. A vila de São Paulo do Campo e seus caminhos. Revista do Arquivo Histórico. São Paulo, DPH, v.204, p.11- 34, 2006.

    • JORGE, Clóvis de Athayde. Santa Cecília – contrastes e confrontos. São Paulo: DPH, 2006. Coleção História dos Bairros de São Paulo.

    • HOMEM, Maria Cecília Naclério. Higienópolis: grandeza e decadência de um bairro paulistano. São Paulo: DPH, 1980.

    • MACEDO, Sílvio Soares. Higienópolis e arredores. São Paulo, Edusp, Pini, 1987.


    Para citação adote:

    CAMPOS, Eudes, RIBEIRO Maurílio José. Origens do bairro de Santa Cecília. INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL, 2 (12): maio/junho 2007 <http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>

    Serviços: A Seção Técnica de Logradouros é responsável pela pesquisa e orientação aos interessados sobre nomes de logradouros paulistanos. A documentação está disponível para consulta através do atendimento ao público.
    Conheça também o site Dicionário de ruas (parceria AHMWL e Plamarc), onde através de um banco de dados é possível realizar pesquisas sobre denominações de logradouros paulistanos.

     
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