PMSP/SMC
São Paulo, junho de 2013
Ano 8 N.33 

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  • ENSAIO TEMÁTICO
  • Esplanada Hotel
    a política de fomento para
    os “grandes hotéis” paulistanos da década de 1920




    | Fomento | O Centenário | Enfim, o Esplanada | Fontes |



    Introdução

      ... foi pena que se fechasse o Esplanada, com sua fachada "século 19", ali atrás do Teatro Municipal, e com vista para o parque Anhangabaú.
      Para São Paulo, era um nobre e velho hotel, pois tinha cerca de 40 anos. Comprado, ao que corre, por um estabelecimento bancário, foram vendidos os tapetes persas e "aubussons", os quadros de pintores acadêmicos aceitáveis, os ricos lustres de cristal, os serviços de talheres, louças e cristais de mesa, baixelas de cozinha. Disseram que o Banco não se muda para lá, porque o Município quer desapropriá-lo para instalar a Câmara Municipal. Não se sabe. Deve servir.
      O saguão amplo, os cinco grandes salões do primeiro andar, onde houve tantos banquetes, tantas reuniões em que se ouviram discursos enfadonhos, tantas festas brilhantes; os largos "halls' de cada andar, os corredores amplos, os quartos confortáveis, talvez tudo isso possa ser empregado, na adaptação de prédio a um Banco ou à Câmara Municipal. Mas foi pena que se fechasse o Hotel Esplanada.
      (AMERICANO, 1963, v.2, p.39-40)
    Pouco mais de cinco anos após o encerramento das atividades, o memorialista Jorge Americano (1891-1969), advogado e político, comenta em breve ensaio o fim de importante marco urbano paulistano e ponto de aglutinação social de uma sociedade que ainda tinha como horizonte de circulação e trabalho a área central de São Paulo.

    O edifício do Esplanada Hotel, à Praça Ramos de Azevedo nº 254, tendo à sua frente o Teatro Municipal, inaugurado um pouco antes em 1911, e a Esplanada do Municipal, área jardinada junto ao Parque do Anhangabaú, integrava então grande conjunto arquitetônico da cidade, marco visual de longa duração, em surpreendente contraste com uma cidade, há menos de um século, de aspecto simples, sem intervenções espaciais de grande monta que pudessem rivalizar com as torres de igrejas centenárias.

    Esplanada Hotel, 1929 - localização-SARA

    Esplanada Hotel - planta de situação.

    O hotel, indicado aqui pelo ponto vermelho, integra o grande conjunto formado pelo Viaduto do Chá, Teatro Municipal e a Esplanada, a curta distância das principais praças com os Largos do Correio, de São Bento, Paiçandu etc.

    Mapa Topográfico do Município de São Paulo, 1930. Escala 1:5.000

    Acervo AHSP

    Anos antes, outra personalidade da área cultural — Guilherme de Almeida (1890-1969) — registrava em sua coluna no jornal O Estado de S. Paulo, em junho de 1960, a surpresa de velho conhecido, que ao retornar à cidade após alguns anos fora, descobre surpreso: “Como? Acabaram com o Esplanada?… Vocês estão doidos!”
      Há uma meia dúzia de anos que está fechado o belo prédio da Praça Ramos de Azevedo. Não sei que destino o espera. O que sei é que se trata de uma obra dos famosos arquitetos franceses Viret & Marmorat, que deram também ao Rio o Copacabana Palace. Seus projetos foram premiados em Paris. Representam o que de mais perfeito se tem construído “para” hotéis e em arquitetura neoclássica (Luiz XVI modernizado). A primeira condição de um verdadeiro hotel é "receber". E o que tinha o Esplanada como "recepção", sem ser grandioso, era exato: o grande saguão de entrada, portarias, escadarias, para o andar nobre com sua suíte de salões ao longo da larga galeria etc…. Quanto à localização: central, em área ampla, justamente a cavaleiro da nossa mais bonita perspectiva urbana – o Anhangabaú, "sala de visitas de São Paulo", como já se disse. Arquitetonicamente, harmoniza-se com o classicismo do Teatro Municipal, do Edifício da Light, do prédio Glória. (ALMEIDA, 1960, p.7)
    Essa edição do Informativo AHSP aborda a construção do Esplanada Hotel e as condições que levaram à concretização do empreendimento, tendo como focos tanto a ação da municipalidade, a partir do início do século XX, através de leis de fomento destinadas à edificação de um grande hotel como documentação sobre o edifício que integra hoje o acervo do AHSP.

    Será possível apontar aspectos como a longa gestação do projeto, a ação da municipalidade e esclarecer pontos nebulosos como a autoria do projeto e a participação de grandes capitalistas na gestão da companhia responsável pelo empreendimento.

    Esse breve ensaio integra a série de edições temáticas sobre hotéis, mencionada na abertura, a qual prevê ainda número dedicado ao Hotel Terminus, outro empreendimento da década de 1920, beneficiado também pelas ações de fomento da municipalidade.

    Primeiro momento das políticas de fomento

    O jornal Correio Paulistano, em 10 de fevereiro de 1893, traz artigo sobre questões sanitárias na cidade que, de forma oblíqua, revelam as condições precárias que parte dos serviços de hospedagem paulistana apresentavam:
      A fim de que no próximo verão não se tenha "de lutar com a terrível epidemia de febre amarela", o dr. Cunha Vasconcellos, médico responsável pelo serviço sanitarista em 1892, propõe o emprego de medidas severas, enérgicas e mesmo violentas contra o estado de imundície e insalubridade em que se acham diversas pensões, açougues, mercearias e botequins da cidade. Julga indispensável cassar a licença concedida a diversos proprietários "das casas que com o pomposo título de hotel", são verdadeiros focos de infecção, "pocilgas, onde em estreitos aposentos sujos e imundos pernoitam 10 a 12 indivíduos, espaço [em] que mal poderia pernoitar uma só pessoa" (...) (apud SIQUEIRA, 2013)
    Se a historiografia sobre hotelaria paulistana permite articular com algum esforço os principais agentes e marcos de inflexão desse percurso, ainda há muito a registrar e analisar sobre dinâmicas em diferentes aspectos como desenvolvimento da oferta, caracterizar demandas e identificar o cotidiano desses serviços a partir de óticas diferenciadas.

    A esse respeito, antes mesmo de iniciar a abordagem proposta, é oportuno comentar uma obra que revela, pela análise de fonte documental original, fragmentos do cotidiano operacional de expressivo segmento hoteleiro da capital no início do século XX.

    Lucília Siqueira publica na Revista de História (FFLCH-USP), edição 168, do primeiro semestre de 2013, o artigo: Os hotéis nas proximidades das estações ferroviárias da cidade de São Paulo (1900-1917). A partir da análise de processos sobre crimes cometidos nesses estabelecimentos, de naturezas diversas — do furto ao estupro —, através dos depoimentos de funcionários, gerentes e hóspedes, delineiam-se práticas e costumes. Certamente, aspecto mais surpreendente é permitir caracterizar uma tipologia de clientes entre hóspedes de curta permanência, inquilinos etc. (-> veja mais)

    A seu modo, a pesquisa resgata aspectos da “dinâmica explosiva” de circulação de “povos” na cidade de São Paulo, num momento que a população permanente, na virada do século, registra um aumento de 400% em apenas dez anos. Na primeira década do século XX, ela apenas duplicaria. O recorte apresentado por Siqueira delineia um perfil de uma população em movimento, em parte usuária da rede de hospedagem local.

    Política de fomento

    À chegada do novo século, no panorama efervescente de expansão da cidade de São Paulo — por excelência um local de intercâmbio de pessoas, culturas e investimentos —, novas necessidades, ou melhor, novos parâmetros para serviços de toda espécie têm lugar. Em paralelo, ampliando essas exigências, mudanças tecnológicas como a energia elétrica e todas as aplicações dela decorrentes impunham investimentos de infraestrutura não só de geração e distribuição de energia, mas de serviços de transporte público, por exemplo.

    Nesse quadro impressionante de novas demandas, associadas a necessidades de substituir, ou ao menos adaptar, uma estrutura urbana arcaica posta em situação improvisada frente ao crescimento explosivo da última década do século XIX, o setor de hospedagem está entre os segmentos em crescimento. A obra de Siqueira, antes mencionada, permite o leitor compreender em parte essa situação de modo contundente.

    Um dos segmentos desse setor, em flagrante deficit, em especial pelo simples fato que até então era pouco solicitado, é o da hotelaria de alto padrão. Não aquele destinado ao grande turismo de luxo que os centros urbanos europeus e norte-americanos já conheciam há muito, nem mesmo aqueles que os primeiros destinos turísticos ofereciam em balneários do Mediterrâneo, mas especificamente a hotelaria de alto padrão voltada para a recepção de empresários e negociantes internacionais, personalidades do mundo artístico e, digamos, o “grand monde” local.

    O poder público, através da Câmara Municipal, realizará esforços ao longo das duas primeiras décadas procurando sanar essa falha. Em 1908, na sessão do dia 21 de março, a Câmara aprova a lei n. 1.079, publicada em primeiro de abril, que “isenta de imposto o primeiro grande hotel que for montado, de acordo com a presente lei”.

    A administração do prefeito Antonio da Silva Prado traz esse marco da ação da legislatura dando início às leis de fomento ao setor através de instrumento de estímulo muito simples — isenção de impostos municipais pelo prazo de cinco anos. A proposta do vereador Silva Telles, discutida na sessão daquele dia recebeu pareceres positivos, e breves, das comissões da casa legislativa. Em especial, os relatos das comissões de Justiça e Obras comentam que o hotel preencheria uma lacuna “tão sensível quanto prejudicial”, como reforça o texto da segunda comissão.

    O texto legal é curto, definindo em quatro artigos os parâmetros da iniciativa esperada. Ele isenta dos impostos de indústrias e profissões, por cinco anos, ao primeiro grande hotel que ocupe “edifício para esse fim construído”.
      O edifício será construído em local de franco acesso e em área que permita o estacionamento de carros e automóveis, sem embaraço para o trânsito público”, apresentando “aspecto imponente e apropriado, com a fachada aceita e aprovada pela Prefeitura, devendo, pelo menos, ter cem bons cômodos para hóspedes.
      O hotel deverá ser dotado de todos os melhoramentos introduzidos nos grandes hotéis das capitais europeias, como sejam: elevador mecânico, salões para leitura e correspondência, para recepção, serviço de correio e telégrafo, etc.
      (lei n. 1.079, 1.4.1908).

    O instrumento proposto não teve resposta aparente por parte do empresariado no anos seguintes. Outros textos legais votados no período mostram ações pontuais em aspectos diversos do sistema de hotelaria.

    Ponto relevante é a lei n. 1.340, de 27 de julho de 1910, que dispõe sobre agenciadores de hotéis. Extensa, com 16 artigos, o texto procura regular a ação desses agentes nas estações de estradas de ferro, polo nevrálgico do sistema de circulação de viajantes. O foco está em garantir o vínculo entre agenciadores e proprietários de hotéis, estabelecer sua identificação e exigir “bons antecedentes”. A intervenção busca assegurar que todos os elos — proprietários, gerentes e agenciadores — não tenham sido condenados por crime contra propriedade ou processados mais de uma vez por crimes dessa natureza. Ou indo além, coibir ocorrências como prejuízo dos visitantes em casas de câmbio indicadas pelos agenciadores.

    Curioso é o fato que a lei em questão é seguida dias depois, em 5 de agosto, por ato do prefeito, confiando provisoriamente à Polícia do Estado a fiscalização e inspeção dos agenciadores de hotéis, até que “a Câmara o possa fazer pelos seus agentes”.

    Nova legislação de estímulo é introduzida em 1910 pela lei n. 1.353. O texto, publicado em 13 de setembro, é muito similar ao anterior, embora um pouco mais detalhado. Antes de tudo, o prazo de isenção é alterado de cinco para quinze anos, evidente reação frente à ineficácia aparente da lei anterior.

    Há diferenças entre os textos legais como o trecho que define com mais clareza que a regalia será concedida “ao particular, empresa ou companhia que construir e fizer funcionar (nosso grifo), nesta cidade, o primeiro grande hotel, isenção de emolumentos para construção e dos impostos de indústria e profissões e de viação, pelo prazo de quinze anos, a contar da data de seu funcionamento”. Ressalva-se contudo que a isenção cabe apenas aos devidos “pela indústria própria do hotel, e não pelas indústrias ali exploradas”.

    O texto deixa de lado, no tocante à descrição dos parâmetros para definir “um grande hotel”, o detalhamento dos melhoramentos, e chega mesmo a eliminar referências sobre “os preceitos de rigoroso asseio e higiene” e a exigência de que o serviço deva “satisfazer às condições de perfeito conforto para os hóspedes”, como indica a lei n. 1.079, de dois anos antes.

    A seu modo caracteriza o empreendimento: “O edifício deverá ter aspecto apropriado, com fachada aceita e aprovada pela Prefeitura, devendo ter nunca menos de cem cômodos para hóspedes, assim como todas as dependências, melhoramentos introduzidos nos grandes hotéis das capitais europeias.”

    Não há, nesse momento, como identificar se tiveram lugar ofertas que procurassem atender os parâmetros apresentados. Em verdade, estes são imprecisos para a efetiva implantação sem estar a isenção oferecida sujeita a severo debate.

    A documentação custodiada pelo Arquivo Histórico de São Paulo inclui, contudo, um processo que parece procurar obter as regalias estabelecidas pela lei n. 1.340, de 1910.

    A empresa “Cia dos Grandes Hotéis de São Paulo” dá entrada em 22 de fevereiro de 1912, quase 18 meses depois da edição da lei em questão, ao projeto para um grande hotel, conforme processo n. 43.803/1912. A frente está um empresário do ramo, estabelecido há duas décadas em São Paulo: A. Daniel Souquières.

    O francês Antoine Daniel Souquières ([1861-1914]) — usualmente referido como Souquières A. Daniel — responde desde a virada do século pelo Grand Hôtel de la Rotisserie Sportman, à Rua São Bento. Como indica Eudes Campos, na edição temática do Informativo AHSP, em 2009, o empresário transferirá seu hotel em 1911 para o edifício da Casa Barão de Iguape, no mesmo logradouro, entre as Ruas Direita e Quitanda, oferecendo 110 quartos. É, porém, mais conhecido, o conjunto que poucos anos depois, em 1918, o hotel ocuparia, um palacete construído no início daquela década para residência do Conde Prates, na cabeceira do Viaduto do Chá, junto à Rua Líbero Badaró.

    O projeto apresentado em 1912 não é uma adaptação. Como exige a lei seria um edifício especialmente construído para hotel. A proposta é apresentada em três pranchas — fachada, térreo e andar tipo para os quartos. Imponente, como a legislação requer, o projeto, que não indica a localização da obra, seria construído junto à ladeira íngreme. Não há também menção de autoria do projeto arquitetônico.

    A prancha com a fachada indica vagamente “Hôtel a São Paulo Brésil façade Sur L'Esplanade” (Hotel em São Paulo Brasil fachada sobre a Esplanada)”. É plausível associar o projeto à Esplanada do Municipal, embora o terreno em sua extensão, a inclinação etc não pareçam corresponder exatamente ao local.

    A fachada, se considerarmos o declive, parece indicar que o edifício abre-se totalmente para a Esplanada, estendendo-se o lote até à Rua Formosa. Assim o hotel não ficaria parcialmente encoberto pelo Teatro Municipal. Marca a entrada, localizada no eixo da Rua Xavier de Toledo, grande cúpula.

    ISSN: 1981-0954



    Mapa e acessos
    Horários de funcionamento
    Links



    *Roteiro para leitura
    Hotel-proposta-Souquieres-fachada

    Pranchas apresentadas por Souquières em 1912 para hotel.
    Na ordem, fachada para Esplanada, piso térreo e andar tipo para dormitórios.

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    Hotel-proposta-Souquieres-terreo

    Hotel-proposta-Souquieres-andar-tipo

    Acervo AHSP
    A planta do térreo indica que o acesso ao hotel é composto por pórtico, que comunica ao “grand hall”. À esquerda deste, localiza-se uma pequena recepção. À direita, um grande restaurante, que seria sucedido por outras dependências, tendo à extrema direita, um hall que articularia o salão de conversação, pequeno fumoir, escritórios e, enfim, o grande salão de festas.

    A ocupação do piso térreo é, contudo, uma modificação da proposta inicial. Fragmentos de papéis colados sobre a prancha permitem observar que as posições do restaurante e do salão foram trocadas. A solução final visa garantir um área maior para o salão de festas, mas aparentemente o hall de entrada do hotel teve reduzida sua área de espera, que estabelecia um encadeamento espacial mais interessante ao público, criando uma interação de ambientes complexa.

    Nos andares inferiores estariam localizados bar, grill room, cozinhas e outras dependências, como indica nota na prancha relativa ao térreo.

    A prancha para os andares tipos reservados aos quartos revela dois aspectos importantes. O acesso vertical ocorre através de elevadores e grande escadaria que seguem a prumada da recepção, articulado com espaçoso hall de distribuição a cada andar. Mas, à direita do edifício, parte dos quartos organizam-se ao redor de pátio interno que se abre sobre o espaço que no térreo introduz o salão de festas. Quase certo a solução espacial, embora não indicada, incluiria uma cobertura, talvez abóboda em ferro e vidro, posicionada sobre o térreo ou ao alto, criando grande átrio. As pranchas nada indicam sobre esse aspecto.

    O conjunto apresentado permite supor ser esse um primeiro estudo, embora com algum detalhamento, para apresentação do projeto, que não deve ter tido continuidade.

    Souquières: os fomentos estadual e federal

    A leitura do processo n. 43.803/1912, que apresenta o projeto, irá desvendar, contudo, um longo percurso que o empresário hoteleiro iniciara há anos, revelando surpreendentemente ações do governo estadual com os mesmos objetivos da municipalidade.

    O projeto enviado pela Companhia dos Grandes Hotéis de São Paulo, representada pelo presidente Souquières A. Daniel, atende à cláusula IV de contrato assinado entre este e a prefeitura em 25 de agosto de 1911 para a construção de “grande hotel moderno”, com termo lavrado em 14 de outubro do mesmo ano.

    Parecer no verso da folha 1 pelo engenheiro José de Sá Rocha (? - 1940), datado de 12 de março de 1912, deixa evidente o caráter protocolar do projeto: “Para uma construção da importância desta parecem-me insuficiente as plantas apresentadas”. Sem cortes transversais, longitudinais, detalhes. Sá Rocha pede pranchas com essas especificações, além da planta de situação.

    Aspecto importante é a inclusão em anexo da cópia do contrato assinado entre Prefeitura e Souquières, em 25 de agosto de 1911, na gestão do Coronel Raymundo Duprat. O contrato atende ao despacho do prefeito, feito em 23 de agosto, pelo requerimento número 8.

    O texto abrange nove cláusulas que repetem a seu modo a lei n. 1.353, de setembro de 1910. A cláusula IV estabelece quatro meses para entrega do projeto, aqui cumprida com atraso, prazo corrigido para seis meses na página 2 do contrato transcrito. A cláusula seguinte estipula por sua vez um prazo de seis meses para início das obras após aprovação do projeto pela prefeitura.

    Souquières tem ainda como obrigação adicional, veja cláusula VIII, o depósito de 2 contos de réis, expressivo valor considerando o montante do projeto como veremos adiante.

    O mais importante, aqui, é a apresentação do empresário como concessionário de favores estipulados pelos governos da União e do Estado. A trajetória tem início há poucos anos.

    Data de 1909, durante a presidência do estado por Manoel Joaquim de Albuquerque Lins, a lei estadual n. 1.193-A, de 23 de dezembro, que concede “auxílio para que sejam instalados e funcionem até três hotéis modernos, sendo dois na capital e um no município de Santos”.

    Embora não restrita à capital, fica evidente que interessa ao governo estadual a implantação de “hotéis modernos, iguais aos melhores estabelecimentos desse gênero existentes no estrangeiro (nosso grifo), sendo dois na Capital do Estado e um no município de Santos, à beira-mar, em ponto que for escolhido pelo Governo”, como indica o primeiro artigo do texto legal.

    Sobre os parâmetros que definam esse equipamento, estabelece o artigo 2: “No plano e construção dos edifícios serão observados, não só as regras de arquitetura moderna, como os preceitos da higiene e todas as medidas tendentes a aumentar a comodidade e segurança das pessoas que os frequentarem”. Trata-se de uma aparente concepção funcionalista, embora tão imprecisa quanto a legislação de fomento municipal mencionada.

    As isenções propostas, pelo prazo de quinze anos, o que talvez revele que a lei municipal de 1910 fosse praticamente um gesto de sinergia, inclui os seguintes itens, relacionados no artigo 3:
    1. Isenção do imposto de transmissão de propriedade devido pela aquisição de terrenos ou prédios que se façam precisos e se destinem à construção dos edifícios em que deverão funcionar;
    2. Isenção do imposto sobre o capital que for julgado suficiente, a juízo do Governo;
    3. Isenção do imposto predial da Capital;
    4. Dispensa do pagamento das taxas de água e esgotos até o máximo de consumo de água, julgado suficiente pelo Governo, onde este serviço pertencer ao Estado.
    Chama a atenção que o texto legisle sobre o imposto predial devido ao município.

    Poucos meses bastam para que surjam interessados. Ao hotel em Santos, através do decreto n. 1.931, de 2 de setembro de 1910, o governo estadual concede favores a Julio Conceição para construção que será edificada à Praia do José Menino.

    Meses antes, porém, cabe a Souquières, conforme o decreto n. 1.869, de 10 de maio, a concessão para “construção, instalação e funcionamento de um grande hotel moderno nesta capital”. Assinado pelo vice-presidente do estado, Coronel Fernando Prestes de Albuquerque, aprova as cláusulas do contrato, conformes à lei n. 1.193-A/1909.

    A proposta de Souquières atendeu à concorrência pública definida por edital da Diretoria de Obras Públicas, da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em 5 de fevereiro de 1910.

    O anexo ao decreto traz onze cláusulas detalhadas — que valem a leitura atenta —, termo assinado em 10 de maio por Antonio de Pádua Salles, responsável pela Secretaria indicada.

    O primeiro item, relativo à localização do empreendimento, revela a indefinição de sua situação, aspecto surpreendentemente persistente no breve percurso da empreitada.

    Souquières, a partir da data de assinatura do contrato, teria 8 meses para organizar a empresa, com capitais levantados no Brasil ou no exterior, ou mesmo somente no estrangeiro. O item 3 estabelece os demais prazos: 8 meses para apresentação do projeto, contados a partir da organização da empresa, sucedido por 2 meses para aprovação do projeto pelo governo, e, finalmente um prazo de 3 anos, com possível prorrogação para construção e instalação do empreendimento.

    Revela-se, no item 4, um dos pontos de interesse do governo no projeto, ao definir abatimentos de preços em banquetes oficiais (50 a 150 talheres) no valor de 10% e em hospedagem, no valor de 8%. Além disso, a cessão do salão de honra seria feita sem custos, mediante aviso prévio de 8 dias. O uso simbólico imediato do espaço do hotel fica assim registrado em contrato.

    O acordo prevê ainda dois itens relevantes: o direito de fiscalização das obras por engenheiro da Diretoria de Obras Públicas e a intercessão (eventual, não obrigatória) junto à União para isenção de impostos de importação relativos a materiais para construção e implantação do hotel.

    O empresário, além das isenções, consegue uma regalia extra, definida no item 10, que lhe dá preferência para contratar em 12 meses a construção, instalação e funcionamento de hotel à beira-mar em Santos, atendendo a lei n. 1.193-A. Como vimos antes, em setembro de 1910, menos de quatro meses depois, essa concessão será destinada a Julio Conceição.

    O apoio do governo estadual iria mais longe. A lei n. 1.245, de 30 de dezembro de 1910, que estabelece receita e despesa para o exercício seguinte, inclui, afora as despesas e investimentos regulares, longo apenso relativo a desembolsos os mais variados.

    Entre eles, no artigo 57 consta autorização a Julio Conceição, além dos favores relativos ao decreto n. 1.869/1910, estabelecendo garantia de juros de 5 por cento anuais por seis anos:
      só se tornando efetiva, porém, na terça parte do capital realmente empregado na construção e instalação, na cidade de Santos, sobre a praia do José Menino, e na ilha do Urubuqueçaba, de um grande hotel, modelado no tipo dos melhores do gênero, do estrangeiro, bem como dos edifícios anexos e especiais para casino, teatro, pavilhões e 'fields', destinados a jogos atléticos e mais divertimentos, chalets e pavilhões habitáveis, como anexos do hotel, e somente depois de se verificar que as obras estão concluídas.
    Cabe ao empreendimento de Souquières favores assemelhados, referenciados no artigo 47, com menor percentual porém, considerando-se provavelmente um risco reduzido do investimento.
      Além dos favores deferidos pela lei n. 1.193-A, de 23 de dezembro de 1909, fica o governo autorizado a conceder a Souquières A. Daniel, contratante da construção, instalação e funcionamento de um Grande Hotel, nesta capital, de acordo com as cláusulas aprovadas pelo decreto n. 1.869, de 10 de maio de 1910, a garantia de juros, a razão 4% (quatro por cento) anuais, durante o prazo de quatro anos, sobre o capital de 5.000:000$000 (cinco mil contos de réis), tornando-se efetiva, à medida que for sendo empregado o capital.
    Soquières irá requerer, em paralelo, novo apoio, agora ao governo federal. Em 7 de novembro de 1910, o Ministro da Fazenda concede ao empresário os favores da lei federal n. 2.210, de 28 de dezembro de 1909 (conforme notifica o DOSP, de 3 de janeiro de 1911, p.25).

    A norma legal, relativa à receita para o exercício da União no ano de 1910, estabelece, no artigo 22, isenções de direitos aduaneiros relativos a “material e objetos destinados à instalação de hotéis”. Isenção originalmente destinada a empreendimentos no Distrito Federal, tem nesse artigo sua aplicabilidade estendida a outros estados da federação em iniciativas que gozem de iguais favores estaduais e municipais.

    O encadeamento de apoios oficiais que Souquières vai obtendo parece resultar de sua boa desenvoltura empresarial. Basta ainda conseguir o fomento municipal, conforme a lei de fomento municipal de setembro de 1910. Há muito a percorrer ainda.

    Os prazos

    O prazo estabelecido em maio de 1910, relativo ao suporte do governo do estado de São Paulo ao empreendimento, de oito meses para apresentação do projeto contados após a organização da empresa responsável pela iniciativa parece ter ficado em aberto.

    Em maio de 1911, é feito aditamento ao contrato, alterando-se a cláusula 9 sobre a garantia de juros para adequação à lei n. 1.245/1910, já mencionada. Publicada menção ao estudo, no Diário Oficial do Estado, de 12.8.1911 (DOSP, p.3107), o aditamento é objeto do decreto n. 2.092, expedido no dia 18 daquele mês (DOSP, 20.8.1911, p.3189-3190).

    O texto legal apresenta 11 cláusulas. Interessa em especial a cláusula VII que indica o prazo de construção de quatro anos, mas estabelece o período de seis meses para organização da empresa a partir da emissão do decreto. Por fim, a cláusula X aborda a garantia de juros, definindo que o valor será restituído em 20 anos a partir da data de entrada em operação do empreendimento, sendo feita da seguinte forma:
      Nos primeiros 5 anos, 5:000$000 anualmente, em Janeiro de cada ano.
      Nos 5 anos seguintes, 10:000$000, também em Janeiro, e nos 10 anos restantes 12:500$000, nas mesmas condições.
    O trâmite legal exigirá o despacho do termo da Secretaria de Agricultura para a do Interior para aprovação pelo encarregado desta pasta, conforme registra o Diário Oficial do Estado, no dia 24 (p.3240). Finalmente em 28 de agosto de 1911, Souquières e o Estado assinam o aditamento a contrato inicial celebrado em 12 de maio do ano anterior. (DOSP, 30.08.1911, p.3340-3341).

    Porém, nova modificação do contrato será objeto menos de dois meses depois, conforme decreto n. 2.120, de 13 de outubro de 1911, que objetivamente modifica a cláusula X do termo de aditamento, relativa à garantia de juros. À primeira vista, há alteração mínima apenas estabelecendo que a última parcela corresponderá ao resíduo do total a ser devolvido:
      nos primeiros 5 anos, 5:000$000 (cinco contos de réis), anualmente, e em Janeiro de cada ano; nos 5 anos seguintes, 10:000$000 (dez contos de réis), também em Janeiro de cada ano; nos 9 anos seguintes, 12:500$000 (doze contos e quinhentos mil réis), nas mesmas condições; e no último ano o restante da importância da garantia de juros paga pelo Estado.
    Dias depois, é possível constatar que Souquières tem a empresa concessionária em funcionamento, pois o decreto n. 2.132, de 24 de outubro, autoriza a transferência do contrato celebrado à Companhia dos Grandes Hotéis de São Paulo (DOSP, 26.10.1911, p.4071, republicado com correções relativas aos decretos associados em 27.10.1911, p.4087). Pouco tempo depois, o decreto n. 2.181, de 16 de dezembro de 1911, transferirá igualmente o contrato de Julio Conceição, relativo ao empreendimento hoteleiro em Santos, à Companhia Parque Balneário.

    Em fevereiro de 1912, como vimos no início, a Companhia dos Grandes Hotéis de São Paulo apresenta à prefeitura da capital o projeto do empreendimento, sobre o qual o parecer da fiscalização exigirá detalhamentos das pranchas para efetiva análise.

    Em março, o Secretário de Negócios de Agricultura, Comércio e Obras Públicas aprova no dia 27, conforme publicado no DOSP (29.3.1912, p.1341), o emprego de 1.200:000$000 pela Companhia dos Grandes Hotéis de São Paulo, devendo ser paga a garantia de juros sobre esse capital em janeiro de 1913.

    Despacho da Diretoria das Obras Públicas, unidade estadual, em julho do mesmo ano, relativo a plantas e orçamento do empreendimento pede novos detalhes (DOSP, 30.7.1912, p.3068). Teria Souquières apresentado o mesmo conjunto de pranchas entregue à Prefeitura em fevereiro?

    O governo federal irá exercer, por sua vez, o direito de fiscalização das obras do “Grande Hotel Moderno de S. Paulo”, através de nomeação pelo Ministério da Fazenda, do engenheiro José Gonçalves Barbosa em 8 de outubro de 1912 (DOU, 11.10.1912, p.17 e 34-Seção 1). Sobre esse andamento, será notificado o delegado fiscal do Tesouro Nacional em São Paulo (DOSP, 25.10.1912, p.4137).

    O engenheiro Barbosa será dispensado em abril de 1913, sendo designado duas semanas depois, o dr. Martins Diniz Carneiro para a mesma função (DOU, 10.4.1913, p.4-Seção 1; DOU, 25.4.1913, p.18 e 48 – Seção 1).

    Repentinamente, não parece haver mais andamentos. Caso Souquières tenha falecido efetivamente em 1914, que destino terá levado a Companhia dos Grandes Hotéis? A perda de seu presidente e, muito provavelmente, de boas condições de financiamento, considerando-se o panorama financeiro instável a partir do início da I Guerra Mundial, devem ter paralisado o empreendimento.


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    Para citação adote:

    MENDES, Ricardo. Hotel Esplanada: a política de fomento
    para os Grandes Hotéis paulistanos da década de 1920.
    INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO, 8 (33): jun.2013
    <http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>

     
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