ENSAIO TEMÁTICO
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Esplanada Hotel
a política de fomento para
os “grandes hotéis” paulistanos da década de 1920
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Enfim o Esplanada Hotel
No dia 27 de fevereiro de 1923, as primeiras páginas de jornais como O Estado de S. Paulo e Correio
Paulistano trazem em anúncio o destaque: abertura definitiva no dia 5. Nos dias precedentes, 3 e 4, o hotel
promove jantares dançantes, em instalações ainda incompletas, como informa o mesmo anúncio.
No dia seguinte, anúncio no Correio Paulistano, à primeira página, traz detalhes: inauguração dos salões,
sábado, dia 3, com grande jantar de gala, contando com duas orquestras. No domingo, grande jantar dançante.
Em 10 de março, novo anúncio, à primeira página de O Estado de S. Paulo, informa sobre inauguração do “grande
salão de festas no mesmo dia. À tarde, a partir das 16h30, o Esplanada oferece chá dançante a 5$000 por pessoa,
com o “jazz-band sul-americano” Romeu Silva, contratado no Rio. No dia seguinte, jantar dançante por 20$000.
Uma semana depois, o hotel, no entanto, cancela por motivo de força maior os jantares dançantes programados para os
dias 17 e 18 de março (OESP, 17.3.1923, p.2).
O Esplanada Hotel, recém-inaugurado, em matéria paga
no livro São Paulo e seus homens no centenário (1922).
Acervo AHSP
Lentamente, o Esplanada passa a reunir parte da vida social das classes abastadas paulistanas.
Como outros hotéis há tempo faziam, o Esplanada agrega também outros gêneros de eventos. Um exemplo é o anúncio
Às excelentíssimas senhoras, em agosto do mesmo ano (OESP, 17.8.1923, p.1). Nele, Elisa Giaccone Macceloni,
da casa de moda Giaccone Macceloni & Cia, de Lucca e Florença, informa a inauguração na segunda, dia 20, de
exposição
que é constituída de tudo o que de mais fino foi visto até hoje em elegância, bom gosto e perfeição.
Tailleurs, toilettes pour soirées, manteaux, pellaria, lingeries, finissimos bordados a mão, etc
MAIS DE MIL DIFERENTES MODELOS (em letras garrafais, fechando o anúncio)
A partir do ano seguinte é longa a série de damas francesas com ofertas similares. Madeleine Doré, ainda em 1923,
em anúncio com texto em francês (OESP, 11.11.1923, p.2), informa que ficará na capital por apenas dois dias,
quando “liquidera sa superber collection à prix reduit” nos apartamentos 301-03.
O hall de entrada, 1923.
Observe o pé direito duplo que dá maior impacto visual ao conjunto.
A Exposição de 1922 (1923)
Acervo AHSP
Em setembro de 1923, surgem notas sobre os primeiros saraus promovidos, entre outros, pelo City Bank Club,
Clair Club etc. Algumas vezes essas referências surgem em notas já mesclando informações sobre concertos no
Teatro Municipal — proximidade privilegiada.
Nota em Indicador social, na edição de 30 de novembro de 1923, do jornal O Estado de S. Paulo, à página 2,
parece inaugurar no Esplanada antiga prática local, com a abertura da exposição do pintor francês Luiz Tinayre.
Em tempo, a mesma fonte indica um total de quatro mostras de pintura na cidade, além de uma exposição de prataria
portuguesa.
O salão de jantar, 1923.
A Exposição de 1922 (1923)
Acervo AHSP
O “grand monde” se diverte. Celebridades de todo tipo ali se reunem. Registro na coluna Notícias teatrais,
publicada em O Estado de S. Paulo, de 21 de junho de 1924, à página 2, informa: “EMPRESA JOSÉ LOUREIRO —
Acha-se nesta capital, hospedado no Esplanada Hotel, o conhecido empresário teatral sr. José Loureiro, que em
São Paulo goza de muita simpatia”.
Os empresários da Companhia dos Grandes Hotéis têm assim parte da resposta esperada para o empreendimento.
Revelando um planejamento de marca complexo, eles fazem o registro da expressão Esplanada Hotel na
Junta Comercial da capital, em 1 de março sob o número 6.198 (DOU, 25.4.1923, p.72 – seção 1), para uso em artigos
de hotel, comestíveis, vinhos e bebidas.
Em 28 de fevereiro do ano seguinte, o balanço relativo a 1923, traz a avaliação do período (DOSP, 28.2.1924, p.1844):
Contudo, o resultado apresentado pelo nosso Balanço não se vos afigurará talvez satisfatório, mas devemos pensar
que tivemos apenas 10 meses de funcionamento; corresponde, a bem dizer, ao período de organização; partimos
com uma sobrecarga de despesas preliminares elevada; tivemos grandes despesas de propaganda: e os preços de nossas
tabelas não puderam ainda sequer aproximar-se das dos Hotéis de igual ou mesmo menor conforto e importância do Rio
de Janeiro, para só falar do Brasil, onde os Hotéis são os mais baratos do mundo, em virtude da conveniência e
necessidade de tornar bem conhecido de todos os viajantes o nosso estabelecimento.
Desenvolvimento: breve comentário
No contexto paulistano, os grandes hotéis Terminus e Esplanada manterão por longo período posição de destaque.
Com instalações modernas, eles convivem contudo com antigos estabelecimentos, disputando, quase certo,
uma faixa de clientela de maior poder aquisitivo.
Uma avaliação primeira, sem maior valor para uma análise consistente, pode ser feita através de guias turísticos,
por exemplo. A edição do Guia Bernstorff, editado em 1937, em seu oitavo ano, traz informações turísticas
e de transportes sobre as cidades do Rio e São Paulo. Entre os hotéis da capital paulista, o guia relaciona 25
estabelecimentos (GUIA, 1937, p.106).
A tabela de preços permite identificar entres os maiores estabelecimentos: o Esplanada, com 250 quartos, e o
Terminus, com 300. Mas empreendimentos anteriores, ainda que raros, chegam a ter capacidade total assemelhada como
o Hotel D'Oeste com 211 quartos. Sem banheiros privativos, porém. Esse aspecto é um dos vários referenciais que
se pode utilizar para análise, além do número de acomodações e demais instalações, certamente.
No item “quartos com banho” é curioso observar que o Esplanada com 250 quartos inclua nesse total 30 acomodações
sem banheiro. O Terminus, em especial, chega, do total de 300, a oferecer 100 quartos sem banheiros privativos.
Um apartamento do Esplanada, 1923.
Provavelmente, sala de um dos apartamentos
duplos na parte frontal do edifício.
A Exposição de 1922 (1923)
Acervo AHSP
Muito resta a desvendar sobre o quadro hoteleiro na década de 1930. Em especial, ao lembrar que em 1939, na primeira
gestão do prefeito Francisco Prestes Maia (1896-1965), é estabelecido o decreto lei n. 3, em 5 de outubro, que
concede favores fiscais para construção e instalação de grandes hotéis na capital.
O texto legal indica expressamente a inexistência de hotéis “verdadeiramente de luxo”, bem como registra que não
vigora mais qualquer concessão, por caducidade das anteriores (1920, 1927). O artigo 2 define parâmetros,
além do grande luxo, como um mínimo de 150 apartamentos (com banho ?) ou 300 quartos, além de “grandes salões
para reuniões, festas e banquetes”. Define ainda como patamar de inversão de capital — na construção e no terreno
— valor superior a 20 mil contos de réis. Espera-se assim “ser hotel, pelos seu serviço e
instalações, comparável aos grandes hotéis modernos das capitais adiantadas”.
Exigirá, como vimos antes, a cessão periódica, gratuita, dos salões para festas oficiais ou patrocinadas pelos
poderes públicos, bem como abatimento nos preços para hóspedes oficiais. Exclui das isenções as construções
existentes que possam ser “aproveitadas ou anexadas” às novas edificações, bem como estabelece teto para benefício
de 30 mil contos de réis, cabendo ao valor excedente “a responsabilidade tributária integral”.
Haveria alguma conexão entre o decreto lei, de outubro de 1939, com a proposta apresentada mais de um ano antes,
em maio de 1938 para edificação de anexo ao Esplanada? Talvez ambos os acontecimentos indiquem apenas que havia
demanda a ser atendida.
A proposta do anexo é referenciada na historiografia de forma enviesada. Ela surge por trás dos estudos sobre
arquitetura moderna, na análise do projeto do edifício CBI Esplanada que será apresentado em 1946 pelo Escritório
Técnico Lucjan Korngold, Arquitetura e Engenharia.
Aqui interessam apenas dois aspectos. O primeiro, na proposição do anexo com 28 andares, ocupando a parte
remanescente do lote junto à Rua Formosa. A torre, com projeto de Elisiário Bahiana, antigo parceiro de Joseph
Giré no arranha-ceú A Noite, no Rio de Janeiro, gerará polêmica, entre outros aspectos pelo gabarito da edificicação.
A iniciativa está ligada aos condes Adriano e Raul Crespi, acionistas da Companhia dos Grandes Hotéis.
O projeto arquitetônico do grande edifício adota o modelo arquitetônico do Esplanada Hotel, como indica a
maquete apresentada
( uma das imagens presentes no acervo do Museu da Cidade de São Paulo).
Surpreende no desenvolvimento da iniciativa, aprovada com redução de gabarito entre outros pontos, mas que teria
a construção interrompida, a presença na proposta efetivamente realizada – o CBI Esplanada – de um grupo distinto
de proprietários, encabeçados por Octavio Guinle (FALBEL, 2003; FALBEL & OHNO, 2003).
Teria Guinle, acionista majoritário da Companhia dos Grandes Hotéis de São Paulo na fase de construção e
inauguração do Esplanada, mantido participação indireta relacionada assim à propriedade dos lotes remanescentes,
no caso, o trecho entre o hotel e a Rua Formosa?
Destinação
A ausência de grandes estabelecimentos que levaram à criação do Esplanada ou do Terminus faz contraponto à situação
similar ao final da década de 1950. Alterações da dinâmica da cidade de São Paulo, mudança de escala urbana,
novos parâmetros para o segmento de hotelaria são alguns dos muitos fatores a avaliar.
Novos empreendimentos surgem na década de 1950 como o Othon Palace Hotel, ativo até a década de 2000, adotando
padrões diferenciados do modelo do “grande hotel” palaciano. Outros hotéis, abertos na década anterior como o
Excelsior, voltados para o segmento de negócios marcam o período, constituindo uma grande mancha de concentração
nas proximidades das Avenidas Ipiranga e São João.
O Esplanada continua até a década de 1950 em atividade. E, parece relevante apontar, sem sinais de declínio.
É ali que parte das personalides convidadas para os festejos do IV Centenário são hospedadas. Mas o empreendimento
não terá maior sobrevida encerrando as atividades em dezembro de 1957. Talvez, por desinteresse de seus controladores,
em especial considerando a situação das empresas Crespi.
Sobre o período final, nota na imprensa (OESP, 30.12,1987, p.28), referenciando os 30 anos do encerramento de atividades,
é caso único na crônica confusa do Esplanada. Breve traz depoimentos de funcionários e clientes e o de um importante
cronista social importante: José Tavares de Miranda.
Voltemos àquele momento. Sabe-se que, em agosto de 1958, o edifício já estava sob o controle do Banco Mercantil
de São Paulo S.A., quando é apresentada proposta dessa casa bancária à Camara Municipal para uso como nova sede
(OESP, 7.8.1959, p.4).
O empresário José Ermírio de Moraes comprou o prédio em 1963 e reformou o seu interior, com o objetivo de ali abrigar
os escritórios centrais do grupo Votorantim. (...) Em 1965, a Votorantim transferiu seus escritórios para o
local, rebatizado como edifício Ermírio de Moraes. (DOSP, 6.11.2012, p.II-Seção II).
O edifício, contudo, apresentou uma história recente algo conturbada quanto à sua destinação.
Em abril de 2011, registra a imprensa (FSP, 28.4.2011, p.C-3) que a empresa oferecera à prefeitura o edifício,
havendo possilibidade de receber a Secertaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão. A negociação seria
realizada na forma de desapropriação amigável com custo estimado de R$ 40 milhões.
Mais de um ano depois, em 5 de novembro de 2012, assinavam empresa e o governo do estado termo de transferência
do “edificio Ermirio de Moraes”, sede do grupo empresarial Votorantim. (DOSP, 6.11.2012, p.II-Seção II).
A transferência teria valor menor: R$ 32,5 milhoes. Previa-se para abril de 2013 a ocupação pela Secretaria
de Agricultura e Abastecimento.
Curiosamente, o Blog Memoriação (Memória Votorantim), traz, com data de 19 de dezembro de 2012, o post:
. A leitura permite avaliar o estado atual da fachada e identifica as intervenções
ocorridas na década de 1960.
É relevante registrar que a importância como marco urbano foi reconhecida pelo tombamento realizado em 1992, pelo
CONPRESP através da resolução 37/92, item 268, com nível de preservação 3 (proteção à area externa), como parte
integrante do conjunto urbano do Vale do Anhangabaú.
A balada
As referências simbólicas sobre o Esplanada Hotel são outro aspecto que exigiria igual esforço ao
das fachadas para recompor. Como todo marco urbano, o investimento emocional dificulta, na ausência de
uma historiografia do cotidiano amplificada, separar fato e narrativa. Crônicas sobre personalidades surgem,
eleitas por diferentes segmentos da população, como o escritor William Faulker, Rudyard Kipling
ou Oswald de Andrade.
A Balada do Esplanada, poema de Oswald (1890-1954), de 1927, é talvez rara ocorrência com qualidade e
alguma importância para a história urbana. O cantor e compositor Cazuza (1958-1990) irá transformá-lo em canção,
gravada em 1987.
(...)
Eu queria
Poder
Encher
Este papel
De versos lindos
É tão distinto
Ser menestrel
No futuro
As gerações
Que passariam
Diriam
É o hotel
É o hotel
Do menestrel
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Pra me inspirar
Abro a janela
Como um jornal
Vou fazer
A balada
Do Esplanada
E ficar sendo
O menestrel
De meu hotel
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Mas não há, poesia
Num hotel
Mesmo sendo
'Splanada
Ou Grand-Hotel
Há poesia
Na dor
Na flor
No beija-flor
No elevador
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Ricardo Mendes
Núcleo de Produção Editorial
Continua >
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Para citação adote:
MENDES, Ricardo. Hotel Esplanada: a política de fomento
para os Grandes Hotéis paulistanos da década de 1920.
INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO, 8 (33): jun.2013
<http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>
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