Os Pais de Barros e a Imperial Cidade de São Paulo
Texto elaborado a partir de uma palestra dada pelo autor
no Museu Republicano de Itu em 15 de junho de 2007.
As pesquisas desenvolvidas sobre a história urbana e a arquitetura da cidade de São Paulo no período imperial levaram-nos a reparar na presença crescente, e cada vez mais atuante, de destacados ituanos na capital paulista, a partir do último terço do oitocentismo.
O funcionamento da ferrovia de Santos a Jundiaí, iniciado em 1867, e a construção dos ramais ferroviários
ligando Jundiaí a Campinas (1872) e a Itu (1873) propiciaram a rápida expansão da cultura cafeeira pelo
Oeste da Província e facilitaram em muito a vida dos fazendeiros do interior. Na década de 1870, a
economia agroexportadora paulista ingressava em sua etapa capitalista – o preço do produto sendo dado desde
então pelo agricultor e não mais pelo intermediário, o comissário de café – e
os grandes produtores que começavam a se transferir para São Paulo, já suficientemente imbuídos de
mentalidade burguesa, puseram-se a aplicar seus excedentes de capital em empreendimentos urbanos de
variada natureza, tornando-se assim responsáveis pela rápida transformação econômica, social e física da
cidade.
A partir daqueles anos passou a ser, portanto, possível para os cafeicultores desfrutar uma vida urbana
mais amena em São Paulo, sem perder o controle do trabalho das lavouras e da comercialização do produto.
Os agricultores não só participavam de diferentes atividades empresariais, inclusive negócios imobiliários
na Capital, como também, a partir daí, seguiam o andamento da faina nas fazendas, acompanhavam os
negócios das casas comissárias estabelecidas em Santos e fiscalizavam o embarque das sacas nas docas do
porto dessa cidade; exerciam ainda pressão política sobre o governo da Província e os deputados na
Assembléia, além de poderem levantar crédito nos estabelecimentos bancários estabelecidos na Paulicéia,
sempre que necessário.
Certamente era esse tipo de vida que pretendia levar um dos maiores e mais antigos produtores de café da
época, o Capitão Antônio Pais de Barros (1791-1876), 1º Barão de Piracicaba (1854), um dos fundadores
da cidade de Rio Claro (1827), quando, já idoso, decidiu transferir-se para São Paulo por volta de
1870. Com ele vieram filhos, genro e sobrinhos, que logo alcançaram cargos de destaque e posições de
prestígio na sociedade paulistana daquele tempo, passando a manejar o poder político e o prestígio social
que detinham das formas mais variadas, e dando início a um processo de migração das elites paulistas
para a Capital que se prolongaria por décadas.
Salvo engano, a família Pais de Barros não foi até hoje objeto de estudo aprofundado por parte de nenhum
historiador, ao contrário de seus rivais, os Silva Prado, e em nossa opinião urge reconstituir a saga
familiar desses ituanos, que por um longo período de tempo dominaram a sociedade, a política e a
economia paulista, alcançando um de seus membros o cargo executivo de maior expressão do País durante a
Primeira República.
Os Pais de Barros
No princípio do século XIX, duas famílias paulistas de grandes recursos uniram seus filhos pelos laços do
matrimônio para melhor proteger e fazer aumentar as respectivas fortunas. De um lado a família Aguiar,
de Sorocaba, e do outro a família Pais de Barros, de Itu.
Muito provavelmente, o Capitão Antônio Francisco de Aguiar, de Sorocaba, casado com Gertrudes Eufrosina,
filha do tenente-coronel Paulino Aires de Aguirre e Ana Maria de Oliveira, estabeleceu um pacto com o
Capitão Antônio de Barros Penteado, de Itu, marido de Maria Paula Machado, filha do Capitão-mor Salvador
Jorge Velho e Genebra Maria Machado, com o objetivo de instituírem uma estratégia matrimonial
envolvendo as respectivas proles, de modo a beneficiar os patrimônios de ambas as famílias.
Certamente, os chefes de família deviam manter relações comerciais desde longa data e foi a partir dos
interesses comuns que nasceu o desejo de estreitarem vínculos. Para tanto, Aguiar deu duas de suas filhas,
irmãs de Rafael Tobias de Aguiar (figs. 1 e 2), futuro brigadeiro, em casamento a filhos solteiros de
Barros Penteado. Assim, em 1819, Gertrudes Eufrosina de Aguiar consorciou-se com Antônio Pais de Barros e
Leonarda de Aguiar, com Bento Pais de Barros (...-1858). Mais tarde, em 1827, uma irmã de Leonarda e
Gertrudes, Rosa, consorciou-se com Francisco Xavier Pais de Barros, irmão de Bento e Antônio.
Depois de falecida, o viúvo casou-se com outra irmã Aguiar, de nome Ana. Temos assim quatro irmãs Aguiar
casadas com três irmãos Pais de Barros.
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Figura 1 - Retrato do Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar.
Litografia de S. A. Sisson.
Fonte: MARQUES, Manuel E. de Azevedo. Apontamentos históricos, geográficos, bibliográficos... da
Província de São Paulo. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1980, 2v. V.2.
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Figura 2 - Reconstituição digital da fachada original da
casa do Brigadeiro Tobias na Freguesia de Santa Ifigênia,
originalmente construída por volta de 1798
para o Coronel Luís Antônio Neves de Carvalho.
Desenho: arq. Eudes Campos, 2007
Por radicar-se em Sorocaba, é fácil deduzir que a família Aguiar tinha sua riqueza vinculada ao ciclo
econômico do tropeirismo, que abarcava como atividades econômicas principais a comercialização de muares,
criados na região sul do Brasil, a manutenção de um serviço de transportes baseado em tropas cargueiras
e os negócios feitos com gêneros da terra para abastecimento de pontos remotos no interior do País.
Enquanto a fortuna dos Pais de Barros, amealhada de início, no século XVIII, a partir de lavras de ouro,
provinha agora das extensas terras dedicadas ao cultivo de cana-de-açúcar em Itu. Em razão da
comercialização do gado muar, Sorocaba estava intimamente ligada às áreas mineradoras e às áreas
açucareiras, estas situadas no Oeste paulista, entre as quais se destacava a vila de Itu, elevada à
condição de cidade conjuntamente com Sorocaba em fevereiro de 1842. A estratégia de entrelaçar
fortemente as duas famílias por meio da instituição do casamento tinha, portanto, como objetivo básico,
reforçar o poder político e a abastança das famílias, já que, naquela época, os Aguiar enfrentavam
problemas com os Silva Prado. Antônio da Silva Prado, futuro Barão de Iguape, administrava então o
Registro de Animais de Sorocaba, e essa atividade era um foco de constantes atritos com os Aguiar.
Os casamentos realizados entre esta família e os Pais de Barros também iriam facilitar o desenvolvimento
das respectivas atividades econômicas, pois um lado da família se encarregaria de providenciar o meio de
transporte apropriado para que a produção agrícola proveniente das fazendas que o outro lado da família
explorava em Itu chegasse segura ao porto de Santos. Francisco Xavier Pais de Barros, apelidado mais
tarde de
Chico Sorocaba, transferiu-se depois para esta última vila, casando-se, como vimos, com
duas irmãs Aguiar. A mudança de domicílio estava certamente ligada aos interesses familiares mantidos
nessa localidade. Não se pode também desconsiderar o aumento de prestígio social que significava para os
sorocabanos, comerciantes de mulas, aliarem-se a donos de terras e engenhos de açúcar, numa época em que as
grandes extensões territoriais e os engenhos conferiam alto
status social a seus proprietários.
Além desse arranjo vantajoso, a família de Antônio de Barros Penteado, já então muito rica, conseguira
que uma das filhas, Genebra de Barros Leite (fig. 3), se casasse em 1797 com um imigrante português de
origem fidalga, o futuro Brigadeiro Luís Antônio de Sousa (1746-1819). Luís Antônio, à semelhança de seu
irmão, Francisco Antônio de Sousa, enriquecera comerciando com o Mato Grosso. Depois adquiriu inúmeros
engenhos de açúcar, que administrava a partir da cidade de São Paulo, vindo a constituir a maior fortuna
paulista nas primeiras duas décadas do século XIX.
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Figura 3 - Retrato de Genebra Barros Leite, viúva do Brigadeiro Luís Antônio de Sousa.
Pintura de Carlo de Servi, c.fins da década de 1820, pertencente ao Museu Paulista –USP.
Fonte: TERRA paulista. São Paulo: CENTEC, IMESP, 2004.
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Uma rápida pesquisa sobre os tipos de atividades econômicas exercidas pelas famílias paulistas detentoras
de grandes fortunas, na segunda metade do século XVIII e na primeira parte do XIX, leva-nos à conclusão
de que na época os processos de acumulação de riqueza passavam por etapas muito semelhantes, atravessando
diferentes ciclos econômicos: do ouro, do tropeirismo, da cana-de-açúcar e do café. Representando essas
etapas formas crescentes de enriquecimento, não necessariamente sucessivas, mas muitas vezes desenvolvidas
paralelamente umas às outras. Uma das atividades econômicas mais lucrativas da época, no entanto, era o
comércio de escravos, mas essa fonte de riqueza seria, em geral, omitida mais tarde pelos descendentes,
por se ter transformado em motivo de vergonha para a maioria das famílias ricas.
Quando o 1º Barão de Piracicaba decidiu estabelecer-se definitivamente na capital da Província, muitas
décadas mais tarde, já encontrou formada na cidade uma ampla rede familiar de apoio. Podia contar
certamente com a lealdade dos parentes e contraparentes paulistanos, tanto do ponto de vista social,
quanto do econômico e também do político.
Seu cunhado o Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar (1793-1857), por muitos anos grande líder do Partido
Liberal, por duas vezes presidente da Província (1831-1835 e 1840-1841), por exemplo, deixara de sua
união com a Marquesa de Santos (1797-1867) (figs. 4 e 5), que diziam ser sua prima em oitavo grau,
quatro filhos, dos quais, um, Rafael Tobias de Aguiar e Castro (...-1891), casado com uma sobrinha de
Piracicaba, Ana de Aguiar Barros, filha de seu irmão Bento Pais de Barros, Barão de Itu (1848).
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Figura 4 - Retrato da Marquesa de Santos.
Pintura de autor anônimo, c.fins da década de 1820, pertencente ao acervo do Museu Paulista –USP.
Fonte: MOURA, Carlos Eugenio de (org.). Vida cotidiana em São Paulo no século XIX.
São Paulo: Ateliê Editorial, 1998.
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Figura 5 - Reconstituição digital da casa da marquesa por volta de 1862.
As portas térreas existentes nas extremidades da casa são hipotéticas.
Desenho: arq. Eudes Campos, 2007
Irmã dos Pais de Barros, Genebra, falecida em Lisboa em 1836, deu origem, por sua vez, a grandes núcleos
familiares, dos quais os estabelecidos na cidade de São Paulo eram formados pelos filhos:
Senador Francisco Antônio Sousa Queirós (1806-1891) (fig. 6), barão desse nome (1874); Comendador, ou
Dignitário, Luís Antônio Sousa Barros (1809-1887) e Vicente de Sousa Queirós (1813-1872),
Barão da Limeira (1867). Destes, dois se casaram com parentes, com o propósito de fortalecer os laços de
consangüinidade e concentrar ainda mais o patrimônio familiar: o Comendador Luís Antônio, casou-se em
primeiras núpcias com sua sobrinha Ilídia Mafalda, filha da irmã de mesmo nome, e Vicente de Sousa Queirós,
com sua prima Francisca, filha do Senador e Conselheiro Francisco de Paula Sousa e Melo (fig. 7) e de
Maria de Barros Leite, irmã de sua mãe. Quanto ao futuro Senador Sousa Queirós (1848), casou-se com
Antônia Eufrosina Vergueiro, filha de Maria Angélica Vasconcelos e o Dr. Nicolau Pereira de Campos
Vergueiro (1778-1859). De origem portuguesa, Vergueiro foi advogado, sócio do Brigadeiro Luís Antônio em
lavouras de cana-de-açúcar, político liberal e senador do Império (1828). A extensão de sua fortuna era
proveniente em grande parte do comércio de importação de escravos e mais tarde introduziu a mão-de-obra
livre em sua fazenda de café chamada Ibicaba, em Limeira, pelo sistema de parceria (1846).
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Figura 6 - Retrato do Senador Francisco Antônio de Sousa Queirós,
depois Barão de Sousa Queirós. Pintura de autor anônimo, c.década de 1870, pertencente ao acervo do Museu Paulista –USP.
Fonte: TERRA paulista. São Paulo: CENTEC, IMESP, 2004.3v.v.2.
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Figura 7 - Retrato do Senador e Conselheiro Francisco de Paula Sousa e Melo.
Litografia de Ângelo Agostini, publicada após a morte do senador no número 16 do Cabrião,
janeiro de 1867.
Fonte: CABRIÃO; semanário humorístico editado por Ângelo Agostini, Américo de Campos e Antônio Manoel dos
Reis:1866-1867. Ed. Fac-similar. São Paulo: Imesp, Arquivo do Estado, 1982.
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Dos filhos de Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, José casou-se com a prima Maria Umbelina, filha do
Brigadeiro Gavião Peixoto; Antônia Eufrosina uniu-se em matrimônio, como visto, com o futuro Barão de Sousa
Queirós, e Joaquim Vergueiro fez o mesmo com Luísa, filha do primeiro casamento do Comendador Sousa Barros,
tendo os dois últimos casamentos o propósito de consolidar os vínculos entre os Vergueiros e o
ramo paulistano dos Pais de Barros. Ainda entre os Vergueiros, um de seus filhos, Luís, consorciou-se com
Balbina da Silva Machado, filha de João da Silva Machado (1782-1875), vice-presidente da Província de São
Paulo (1837-1838) e Barão de Antonina (1843; com grandeza em 1860). Este político, muito rico, senador
pela recém-criada Província do Paraná (1854) – província que se empenhou em criar –, teve grande destaque
na sociedade paulistana sob o Império, mas sua origem social ao que se diz era humilde, tendo iniciado a
vida no sul do País como mero tocador de gado vacum. Aliás, coube a Machado a ventura de conseguir
aproximar-se, por meio dos laços matrimoniais de seus descendentes, tanto da família Silva Prado, de
Jundiaí (Machado foi sócio de Antônio da Silva Prado, futuro Barão de Iguape, em negócios com animais em
Sorocaba), quanto dos Pais de Barros, de Itu, numa época em que um abismo imenso se abria entre essas duas
famílias, em razão tanto das divergências provocadas pelas acirradas rivalidades em negócios originadas em
Sorocaba, no tempo em que Antônio da Silva Prado era arrematador do Registro de Animais, quanto dos
incessantes enfrentamentos partidários dos tempos imperiais (conservadores versus liberais). Uma das
filhas de Machado, Francisca de Paula, casou-se, antes ainda da Independência do Brasil (c.1815), com
Joaquim da Silva Prado, filho de Martinho da Silva Prado, enquanto outra, Balbina, mais tarde (1835),
entrou para a família Vergueiro, de tendência política liberal, esta por sua vez intimamente ligada ao ramo
paulistano dos Pais de Barros.
Vemos assim que em torno dos Pais de Barros e dos Aguiar gravitavam ricas e poderosas famílias a eles
ligadas quer pelos laços do casamento, quer por vínculos de amizade, quer por relações de fidelidade
provocadas por interesses econômicos, sociais e políticos comuns, tais como os Andrada (parentes da
Marquesa de Santos, mulher do Brigadeiro Tobias de Aguiar), os Carrão, os Vergueiro, os Gavião Peixoto
(unidos por casamento aos Vergueiro) e outros mais, constituindo, todos, membros do Partido Liberal.
O núcleo dessa
família extensa (grupo familiar que congrega em torno de si várias famílias, quer
pelo sangue, quer pela solidariedade) era formado pelo grupamento criado por quatro dos filhos do Capitão
Antônio de Barros Penteado: Genebra, que deu origem ao ramo paulistano da família Pais de Barros
(famílias Sousa Queirós e Sousa Barros), Bento, Antônio e Francisco Xavier, acrescentando-se a eles o
ramo paulistano dos Aguiar (famílias Aguiar e Aguiar e Castro), de Sorocaba, representado pelos filhos que
a Marquesa de Santos teve do Brigadeiro Tobias de Aguiar, cunhado dos irmãos Pais de Barros. Para
assegurar que o poder político e econômico alcançado não escapasse do seio familiar, recorreram os Pais de
Barros muitas vezes à prática da endogamia: em geral, primas e primos se casando entre si, ou até tio se
unindo à sobrinha (como foi o caso do Comendador Sousa Barros, casado em primeiras núpcias com Ilídia
Mafalda, filha de sua irmã de mesmo nome) no que não agiam de modo diferente de outras famílias brasileiras
daquele tempo que tinham um patrimônio material considerável a zelar, como, por exemplo, os Silva Prado,
de Jundiaí, filiados ao Partido Conservador e estudados por Darrell E. Levi em
A família Prado (1977).
Assim, dos filhos de Bento, Barão de Itu, temos seis casados com primos: Ana, já mencionada, casada com
João Tobias de Aguiar (...-1901), filho do Brigadeiro Tobias; Francisco (...-1891), casado Maria Angélica
de Sousa Queirós Barros (1845-1929), filha do Senador Queirós; Leonarda, primeira mulher do primo Rafael
Tobias, 2º Barão de Piracicaba (1880); Gertrudes, primeira mulher do primo Francisco Xavier, futuro
Barão de Tatuí (1879); Rafael Aguiar Pais de Barros (1835-1889), casado com a prima em segundo grau
Francisca de Azevedo de Barros, neta de Escolástica, irmã de seu pai, e Antônio de Aguiar Barros
(1823-1889), futuro Marquês de Itu, casado com Antônia, filha do 1º Barão de Piracicaba.
Dos filhos deste último, temos: Maria Rafaela (1827-1895), casada com o primo Antônio Francisco de Paula
Sousa (1819-1866), filho de Maria de Barros Leite, irmã de seu pai; Rafael Tobias de Barros (1830-1898),
2º Barão de Piracicaba, casado em primeiras núpcias com Leonarda de Aguiar Barros, filha do Barão de Itu;
Antônia (1838-1917), acima citada, futura Marquesa de Itu, casada com o primo Antônio, irmão de Leonarda;
Gabriela, casada em segundas núpcias com o primo Dr. João Francisco de Paula Sousa, e Antônio Pais de
Barros (1840-1909), engenheiro formado na Suíça, casado com a memorialista Maria de Pais Barros (fig. 8),
nascida Sousa Barros (1851-1953), filha primogênita da segunda união do Comendador Sousa Barros,
com Felicíssima de Almeida Campos. Dos seis filhos do 1º Barão de Piracicaba somente o Major Antônio
Diogo (1844-1888), herói da Guerra do Paraguai e dono da fábrica de tecidos de algodão da futura Rua
Florêncio de Abreu, não se casou com parente.
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Figura 8 - Retrato de Maria Pais de Barros, criança. Bico-de-pena de Augusto Esteves feito para a primeira edição do livro No tempo de dantes.
Fonte: MOURA, Carlos Eugenio de (org.).
Vida cotidiana em São Paulo no século XIX. São Paulo:Ateliê Editorial,1998.
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Quanto ao filho do Capitão Francisco Xavier Pais de Barros, de mesmo nome, futuro Barão de Tatuí,
casou-se em primeiras núpcias com a prima Gertrudes de Aguiar Barros, filha de Bento, Barão de Itu.
Consultando a
Genealogia paulistana (1903-1905), de autoria de Luís Gonzaga da Silva Leme (1852-1919),
observamos que na família Pais de Barros o costume das uniões consangüíneas continuaria em vigor durante as
gerações seguintes, persistindo assim o uso da instituição matrimonial como instrumento de manutenção,
crescimento e transmissão de poder, prestígio e riquezas. Tal como os Prados, os Pais de Barros incluíam-se
certamente nessas “famílias paulistas que funcionavam como verdadeiras instituições bancárias, a economia
familiar e as relações de parentesco reguladas pela lógica própria do capital financeiro”, de acordo com a
análise do Prof. José de Sousa Martins.
Como afirmou certa vez muito apropriadamente Capistrano de Abreu em carta a Afonso d’Escragnolle Taunay,
referindo-se a esse período da história paulistana: “Em São Paulo outrora todos eram primos.” Constatação
já expressa por um dos ilustres componentes da família Pais de Barros, o Senador Sousa Queirós, que dava
aos familiares um conselho jocoso não totalmente isento de cálculo e esnobismo social: “Quando vires alguém
decentemente trajado, dá-lhe [o tratamento] de primo porque o é mesmo”. Cálculo e esnobismo, porque essas
grandes famílias também tinham sua porção de parentes mal vestidos, remediados ou pobres, dos quais, agora,
os integrantes ricos faziam questão de se manter distantes.
Na família Pais de Barros, a exceção mais notável à prática da aliança matrimonial interfamiliar foi o
casamento, em 1900, de Washington Luís Pereira de Sousa (1869-1957) com Sofia, filha do 2° Barão de
Piracicaba e de sua 2ª mulher, Maria Joaquina de Melo Franco, filha do visconde e da viscondessa do
Rio Claro (1870).
Embora originário do Estado do Rio de Janeiro, da cidade de Macaé, proveniente de uma prestigiosa
família de políticos do Segundo Império, Washington Luís (fig. 9), com a união matrimonial, incorporaria,
até o cerne, o combativo espírito da oligarquia paulista. Como historiador e membro do Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo (cujo lema era:
A história de São Paulo é a história do Brasil),
sempre demonstrou interesse em construir um arcabouço ideológico que justificasse do ponto de vista
historiográfico a posição hegemônica recém-conquistada pelos cafeicultores paulistas no quadro político do
País (prova disso são, por exemplo, seus trabalhos voltados para o início da história paulista, o seu
vigoroso empenho, na qualidade de presidente do Estado de São Paulo, na adaptação do espaço museal do
Museu Paulista para a comemoração do Centenário da Independência do Brasil e a criação, em 1923,
do Museu Republicano de Itu). À testa da administração municipal da São Paulo (1914-1919), instituiu em 1917
as armas da cidade com sua divisa arrogante e sem rebuços:
Non ducor duco (Não sou conduzido,
conduzo), resultado de um concurso em que saíram vencedores Guilherme de Almeida (1890-1969) e José
Wasth Rodrigues (1881-1957); promoveu a transformação urbanística do tradicional Largo do Piques no
Largo da Memória (1919-1922), segundo um idealizado estilo arquitetônico neocolonial, desenvolvido pelo
arquiteto de origem francesa Victor Dubugras (1868-1933); patrocinou a publicação das Atas da Câmara
Municipal e outros documentos quinhentistas paulistanos e encomendou a Afonso d’Escragnolle Taunay
(1876-1958) – mais um historiador ideologicamente empenhado em forjar um
nobre e heróico passado paulista,
futuro diretor do Museu do Ipiranga (1917-1945) – a redação de uma história geral da cidade de São Paulo.
Como político, Washington Luís conseguiu desenvolver uma carreira de sucesso no Partido Republicano Paulista:
presidente do Estado de São Paulo, de 1920 a 1924, senador da República, de 1925 a 1926, e detentor do mais
alto cargo executivo da Nação entre 1926 e 1930.
Figura 9 - Retrato fotográfico de Washington Luís Pereira de Sousa. Autor desconhecido.
Fonte: SÃO PAULO (Cidade). Prefeitura do Município de.
IV Centenário da fundação da cidade de São Paulo. São Paulo: Gráfica Municipal, 1954.
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Como, porém, a História não é linear, nem isenta de paradoxos, Washington Luís, como presidente da
República, contrariou com suas medidas econômicas os interesses dos produtores de café e, apesar da
intensa oposição política que lhe fazia o Conselheiro Antônio da Silva Prado (1840-1929), era muito amigo
de seu filho Antônio Prado Júnior (1880-1955), a ponto de tê-lo feito prefeito da Capital Federal durante
seu mandato de presidente do Brasil.
Os Pais de Barros na cidade de São Paulo:
A fábrica de tecidos de Diogo Antônio de Barros
Ao chegar em São Paulo, Antônio Pais de Barros (fig. 10) foi morar na antiga Chácara de Miguel Carlos,
então ex-Palácio Episcopal (fig. 11). Um casarão quase centenário (c.1784) sito na Rua da Constituição
(atual Florêncio de Abreu), antigo Palácio Episcopal (c.1852-1868), que para os padrões habitacionais
então vigentes na Capital ainda podia ser considerado uma boa moradia, digna de um personagem
bem posicionado como ele. Acompanhando-o, vieram o filho Diogo e o sobrinho e genro Dr. Antônio de Aguiar
Barros, futuro visconde (1880), depois conde (1885) e finalmente Marquês de Itu (1887). Com o tempo,
além de seus outros filhos, mais Pais de Barros chegaram, entre eles: os sobrinhos Rafael de Aguiar Pais de
Barros, que iria fundar o Club de Corridas na Mooca (1876), e Francisco Xavier Pais de Barros (1831-1914),
futuro Barão de Tatuí (1879), este nascido e morto em Sorocaba.
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Figura 10 - Retrato de Antônio Pais de Barros, 1º Barão de Piracicaba.
Pintura de autor desconhecido, c.1870, pertencente ao acervo do Museu Paulista-USP.
Fonte: MP-USP
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Figura 11 - Desenho da antiga casa de Miguel Carlos, depois Palácio Episcopal e, mais tarde,
residência do 1º Barão de Piracicaba. Ilustração de anúncio publicada em almanaque de 1886.
Fonte: BMMA/SMC/PMSP
Uma das primeiras iniciativas empresariais do 1º Barão de Piracicaba em São Paulo foi erguer em terras
de sua chácara a primeira fábrica de tecidos movida a vapor da cidade (1872- c.1874) (fig. 12), que tinha
em sociedade com seu filho Diogo Antônio de Barros (fig. 13). A escolha mesmo da ex-Chácara Episcopal
como local de moradia deve ter sido feita, aliás, em razão da facilidade de transporte dos fardos de
algodão grosseiro que, uma vez produzidos e vendidos, seriam remetidos por trem para as fazendas do
interior, tal como os anúncios da fábrica publicados em jornais informariam mais tarde. Em Itu,
Piracicaba fora sócio do Coronel Luís Antônio Anhaia na fábrica São Luís (1869), o primeiro estabelecimento
fabril a vapor da Província; deixara a sociedade em 1871 e agora, em São Paulo, se tornava sócio de seu
próprio filho. Este, por sua vez, ficaria sócio de Anhaia na fábrica de tecidos erguida em São Paulo,
em 1885, no bairro do Bom Retiro, também nas proximidades da estação da estrada de ferro, fato que daria
nome à atual Rua Anhaia.
Figura 12 - Representação da Fábrica de Tecidos de Diogo de Barros,
a vapor, executada pelo
litógrafo francês Jules Martin para ilustrar a planta da cidade de 1877.
Fonte: ALBUQUERQUE, Fernando; MARTIN, Jules.
Mappa da capital da Pcia. de S. Paulo.
São Paulo: [s.e.], 1877.
Acervo: MP-USP
Figura 13 - Retrato do então Capitão Diogo Antônio de Barros.
Litografia de Ângelo Agostini executada na época da Guerra do Paraguai e publicada no
primeiro número do Cabrião, de 1866.
Fonte: CABRIÃO; semanário humorístico editado por Ângelo Agostini, Américo de Campos e Antônio Manoel
dos Reis:1866-1867. Ed. Fac-similar. São Paulo: Imesp, Arquivo do Estado, 1982.
Tão significativa em nível simbólico para a Capital foi a fundação da fábrica de tecidos de algodão na
Rua da Constituição, que três relatórios de presidentes da Província referiram-se a esse estabelecimento
fabril. Entre eles, o relatório de 14 de fevereiro de 1875, em que João Teodoro fez uma previsão muito
lúcida acerca do futuro auspicioso da Capital: futuro capitalista, no qual os homens ricos do interior
procurariam comprar casas de elevado preço para aí virem morar. O comércio lucraria, ampliando o consumo;
as empresas se fundariam com os vastos recursos acumulados pelos novos habitantes e as forças produtivas da
população seriam mais fecundamente empregadas. A população cresceria, os aluguéis dos prédios de toda a
sorte subiriam e novas construções se multiplicariam.
“Mais que tudo – o grande e edificante exemplo da família Barros (vinda de Itu), em fundar uma
importantíssima fábrica de tecidos (a vapor),” prenunciaria o desenvolvimento da atividade fabril na
Capital; única em que poderia primar, e com a qual atingiria alto grau de prosperidade, fazia questão de
ressaltar João Teodoro.
Manobras especulativas de natureza fundiária atribuídas aos Pais de Barros
Enquanto o 1º Barão de Piracicaba investia pioneiramente na indústria em São Paulo, outros membros da
família desenvolviam estratégias para provocar a valorização fundiária das terras nas quais os Barros
tinham interesse, num exemplo de como agiriam, a partir de então, diferentes setores da camada dominante ao
promover o processo de expansão do ramo imobiliário paulistano.
Esse é o caso, por exemplo, de um dos genros de Piracicaba, o seu sobrinho Dr. Antônio de Aguiar Barros,
futuro Marquês de Itu (fig. 14), que em 1872 resolveu intervir na escolha do terreno que estava sendo
feita pela Real Sociedade Portuguesa de Beneficência para a construção de seu hospital (1873-1876).
Pretendendo valorizar as terras próximas da Estação da Luz, onde ele, Aguiar Barros, e parentes tinham
propriedades, recorreu ao estratagema de oferecer um terreno seu localizado na Rua Alegre (Brigadeiro
Tobias), esquina com a futura Rua da Beneficência Portuguesa, para que a referida instituição filantrópica
erguesse nele a sede do hospital. A sociedade beneficente havia tentado, recentemente, adquirir um outro
lote localizado na Rua Alegre, pertencente à chácara de um primo de Antônio de Aguiar Barros, Dr. Antônio
Francisco de Aguiar e Castro, filho do Brigadeiro Tobias (antiga chácara do Coronel Luís Antônio Neves de
Carvalho, depois pertencente ao brigadeiro, situada na confluência da Rua Alegre com Rua de Santa Ifigênia),
mas as tratativas não haviam dado certo. O Comendador Aguiar Barros aproveitou, então, a deixa e propôs um
negócio bastante atraente. Considerado o novo terreno em melhores condições que o anterior, e com preço
mais em conta, os membros da diretoria da Beneficência responsáveis pela transação não titubearam,
aceitando de imediato a proposta de Aguiar Barros. Em relatório, o médico da Câmara Francisco Honorato de
Moura opôs-se à construção do hospital no local escolhido, cuja vocação já se delineava residencial,
mas certamente o prestígio de Aguiar Barros já era tão grande na Câmara Municipal, para onde fora eleito
suplente de vereador, que as prudentes razões médicas foram simplesmente desconsideradas (figs. 15 e 16).
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Figura 14 - Retrato fotográfico
do Marquês de Itu.
Autor desconhecido.
Fonte: SÃO PAULO (Cidade). Prefeitura do Município de.
IV Centenário da fundação da cidade de São Paulo. São Paulo: Gráfica Municipal, 1954.
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Figura 15 - Pormenor da planta da cidade de 1881 mostrando a localização do hospital da
Beneficência Portuguesa (n.39).
Fonte: SÃO PAULO (Cidade). Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo.
São Paulo antigo; plantas da cidade. São Paulo: 1954.
Planta nº.9.
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Figura 16 - Hospital da Beneficência Portuguesa.
Foto de autoria atribuída a Walter Sutton Bradley, c.1876.
Fonte: SAN/DIM/DPH/SMC/PMSP
Anos depois (1880), coisa semelhante tornaria a ocorrer, agora com relação à sede do hospital da Santa Casa
de Misericórdia. O hospital estava para ser erguido num terreno da Bela Vista; o próprio Imperador havia
lançado a pedra fundamental, dando inicio à nova construção (1878), mas de novo interesses particulares
acabaram por preponderar.
O mesmo Antônio de Aguiar Barros, agora na qualidade de irmão da Misericórdia, acenou com polpudas doações
para a irmandade, caso a entidade trocasse o lote do Bexiga por outro localizado no Arouche, onde os Pais
de Barros tinham interesse. Tanto isso era verdade que o cunhado de Aguiar Barros, Rafael Tobias de Aguiar,
2º Barão de Piracicaba (1880),e o Dr. Antônio Pinto do Rego Freitas (1835-1886) vinham oferecendo à
irmandade um terreno naquela região. Lembremo-nos que Piracicaba era primo de vizinhos do futuro hospital,
pois nas imediações, na Chácara das Palmeiras, desde 1874, morava Francisco Aguiar de Barros, filho do
Barão de Itu, casado com Maria Angélica, filha do Senador Sousa Queirós – irmão e prima, portanto, de
Antônio de Aguiar Barros. E que o Dr. Freitas vinha adquirindo terras nas proximidades das suas – herdadas,
por intermédio da mulher, D. Maria Teresa Rodrigues de Morais Arouche, do Marechal Toledo Rendon –, para
num futuro próximo parcelá-las, o que daria origem mais tarde ao bairro de Vila Buarque. Freitas chegou a
oferecer terrenos, em 1885, para a abertura de uma rua interligando o Largo do Arouche ao largo defronte da
Igreja da Consolação, mas faleceu logo depois, deixando a Chácara do Arouche para os herdeiros, que a
venderam para uma empresa loteadora em 1893.
Os irmãos da Santa Casa acabaram seduzidos pelas ponderações dos que defendiam a proposta dos Barros e o
Coronel Rodovalho foi ao ponto de admitir que se o terreno do Arouche fosse escolhido, seria beneficiado
por “uma rica e importante família”, que logicamente só podia ser os Pais de Barros. Às ponderações de
Rodovalho, seguiu-se a proposta de admissão de 48 novos irmãos na Santa Casa, dos quais 17 estavam
diretamente ligados à família Pais de Barros.
Esse verdadeiro assalto à Santa Casa revela que os membros da família Pais de Barros estavam de mudança
para a Capital e, no intuito de assegurar e expandir seu prestígio político e social, pretendiam
ingressar numa influente instituição que durante 29 anos tivera como provedor um rival da família ituana,
o conservador Antônio da Silva Prado (1778-1875), conhecido sob o título de Barão de Iguape (1848).
Em 1884, por ocasião da inauguração das instalações inacabadas do hospital (figs. 17 e 18), a Mesa Diretora
da Irmandade acatou a sugestão do provedor, o Arcipreste Dr. João Jacinto Gonçalves de Andrade, e mandou
fazer inscrições nas entradas das enfermarias com os nomes dos benfeitores, entre os quais se achavam a
Viscondessa de Itu, mulher de Antônio de Aguiar Barros, e a 2ª. Baronesa de Piracicaba, Maria Joaquina de
Melo Oliveira, segunda esposa de Rafael Tobias de Barros (figs. 19 e 20).
Figura 17 - Detalhe da planta da cidade de 1897, mostrando a projeção horizontal do
Hospital da Santa Casa de Misericórdia.
Fonte: SÃO PAULO (Cidade). Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo.
São Paulo antigo; plantas da cidade. São Paulo: 1954.
Planta nº.11.
Figura 18 - Aspecto do bairro de Vila Buarque com o hospital da Santa Casa ao centro. Foto de Guilherme Gaensly, 1900.
Fonte: KOSSOY, Boris. São Paulo em 1900.
São Paulo: Kosmos, 1988.
Planta nº.11.
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Figura 19 - Retrato fotográfico do 2º. Barão de Piracicaba.
Autor desconhecido, c. 1890.
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Figura 20 - Retrato fotográfico de Maria Joaquina, segunda esposa do 2º. Barão de Piracicaba.
Autor desconhecido, c.1890.
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Fonte: MOTTA, Heloísa A. de. L. e.
Uma menina paulista. São Paulo: s.n., 1992.
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A projeção social dos Pais de Barros
Nos últimos anos da década de 70, o estilo de vida das elites paulistanas podia ser considerado bastante
agradável e divertido; na Capital já existiam teatros, jardins públicos e até um rinque de patinação.
Desde 1875, Antônio da Silva Prado, neto do Barão de Iguape, assumira o Teatro São José na qualidade de
empresário, mandando reformá-lo e contratando o pintor catalão José Maria Villaronga (c.1819-1894) para
decorá-lo. E Junius, revisitando São Paulo em 1882, após quase três décadas de ausência, admirou-se com a
azáfama que se insinuava na outrora pequenina e pacata cidade.
Recém-chegados, os Pais de Barros logo se incorporaram à reduzida alta sociedade local, em grande parte
constituída de parentes próximos. Participavam de entidades de caráter assistencial de fundo religioso,
como vimos acima, mas também fizeram surgir entidades exclusivas, de caráter puramente mundano, como o
Club de Corridas Paulistano. Antecessor do Jockey Club, o clube de corridas foi inaugurado em São Paulo
em 1876, por influência de Rafael Aguiar Pais de Barros (fig. 21), depois que este retornou de uma
viagem à Inglaterra. A Ata da reunião para redação dos estatutos e eleição da diretoria provisória do
clube de corridas, datada de março de 1875, trazia como participantes 15 cavalheiros pertencentes à
mais seleta roda da sociedade paulistana, entre os quais nove membros ou aliados da família Pais de
Barros: Rafael Aguiar Pais de Barros, Antônio de Aguiar Barros, futuro Marquês de Itu, Camilo Gavião
Peixoto, Nicolau de Sousa Queirós, Francisco Antônio de Sousa Queiros, José de Sousa Queirós
(estes três últimos filhos do Senador Sousa Queirós), Rafael Pais de Barros (não conseguimos
identificar este personagem, pois sabemos pelo inventário dos bens deixados por Rafael Aguiar Pais de
Barros que o filho desse nome seria então uma criança), Francisco Aguiar de Barros (filho de Maria
Angélica de Sousa Barros), e o Conselheiro Bento Francisco de Paula Sousa, irmão de Antônio Francisco de
Paula Sousa, genro do 1º Barão de Piracicaba.
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Figura 21 - Retrato de Rafael Aguiar Pais de Barros.
Pintura de autor desconhecido, c.1880.
Fonte: JOCKEY Club de São Paulo, 1875 – 110anos – 1985;
catálogo de seu patrimônio artístico.
São Paulo: Jockey Club de São Paulo, 1986.
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Em fins do Império, surpreendemos membros da família Pais de Barros tomando parte em sociedades de
diferentes tipos: Dr. João Francisco de Paula Sousa, Dr. Rafael [Aguiar] Pais de Barros, Major
Diogo Antônio de Barros e Dr. João Tobias de Aguiar e Castro participavam da sociedade em comandita do
jornal de tendência republicana
A Província de São Paulo, fundado em 1875. Carlos Pais de Barros,
engenheiro formado em Cornell (EUA), filho de Chico Sorocaba, era membro, em 1883, de uma associação de
cunho progressista, o
Clube Paulista de Engenharia e Indústria; Rafael Aguiar Pais de Barros,
presidente da
Companhia Cantareira e Esgotos e também presidente da
Companhia Ituana, em 1888,
e o Marquês de Itu, síndico do Recolhimento de Nossa Senhora da Luz, nesse mesmo ano.
Essa invasão de fazendeiros ricos e influentes vindos do interior não deve ter ocorrido sem provocar
animosidde na Capital. Os paulistanos muito provavelmente se ressentiam com a onipresença ituana.
Ricardo Gumbleton Daunt, em carta célebre, datada de anos antes, faz alusão à rivalidade existente entre
os paulistanos e os nativos da cidade próxima:
Itu veio a ser em certo sentido a antithese da cidade de S. Paulo e o centro onde o velho paulistanismo s
e refugiou i. é. quanto ao sul da Provincia. Hoje tambem soffre o mal do extrangeirismo ainda que não
tanto e as mesquinhas luctas politicas (degenerada prole do systema representativo) que aqui tem se
identificado com a vida intima de todos tem contribuido para abastardar a phisionomia moral do lugar e em
tudo uma deterioração é sensível, mas não obstante isso, o numero de ituanos que ocupam elevadas posições
é tal que excita vivos ciumes entre muitos da Capital da Provincia que falam de Itu sempre com mais ou
menos azedume...[grifo nosso]
A busca de legitimação social obsedava os Pais de Barros, tal como, sem dúvida, dominava praticamente
todo o grupo social dos grandes agroexportadores, fazendo com que copiassem os padrões comportamentais da
grande burguesia internacional, por sua vez fascinada pela velha cultura aristocrática européia. Para
garantir a distinção social e reafirmar o prestígio político na sociedade paulista passou a ser necessário
alardear
status por meio de demonstrações ostentatórias de sinais exteriores de riqueza e poder
(luxo, conforto, elegância, relações sociais importantes, gastos vultosos com obras de benemerência,
pretensas raízes familiares de origem nobre e remota, etc.). Para os membros das elites, um passado de
glórias – verdadeiro, adulterado ou meramente forjado – fundamentava a prosperidade do presente e abria as
portas de um futuro praticamente sem limites. Nesse aspecto, os Pais de Barros se adiantaram à
Genealogia paulistana, obra de Luís Gonzaga da Silva Leme. Um membro de uma das famílias a eles
ligadas, Luís Porto Moretzsohn de Castro (1861-1941), filho de Francisco Xavier Moretzsohn e casado
na família Vergueiro, providenciou um trabalho genealógico (
Apontamentos genealogicos: familias
paulistas e europeias com que se entrelaçam os Paes de Barros, os Penteados de Ytu e os Vasconcellos
Vergueiros, 1900) em que as relações familiares entre os Pais de Barros e outras significativas
famílias eram devidamente destrinçadas.
Um episódio suspeito na Câmara Municipal de São Paulo
De acordo com Richard Morse, um artigo publicado no jornal
O Liberal de 27 de janeiro de 1869,
ao referir-se à atividade política desenvolvida na Província de São Paulo, afirmava que a família Sousa
Queirós tinha tal preponderância dentro do Partido Liberal, que por duas vezes ficou com a vice-presidência
da Província, ocupando a maior parte dos assentos na Assembléia Legislativa paulista e dos melhores cargos
civis e empresas industriais. O juízo de órfãos da Capital estava, por exemplo, enfeudado à família e,
segundo o jornal, elevados postos da Guarda Nacional, empresas provinciais e municipais de estrada e de
outras obras públicas, tudo, enfim, era distribuído entre a vasta parentela e afins, numa demonstração de
que, na época, as grandes famílias brasileiras se colocavam na indistinta zona limítrofe entre as esferas
do público e do privado, numa atitude característica da administração do Estado patrimonialista
(conforme Raimundo Faoro). Na verdade, as famílias de renome estavam acostumadas a apropriar-se de fatias
da administração do Estado para geri-las como um bem particular.
Como não podia deixar de ser, membros da família Pais de Barros também tomaram assento na Câmara
Municipal de São Paulo. Não levaremos aqui em conta os membros dos ramos paulistanos constituídos por
filhos e netos de D. Genebra ou por descendentes do Brigadeiro Tobias de Aguiar, mas unicamente os Barros
transferidos de Itu ao longo da década de 1870. De algumas sessões da vereança de 1872 e da primeira da
vereança de 73, participou na qualidade de suplente de vereador o Comendador Dr.Antônio de Aguiar Barros,
futuro Marquês de Itu, e na vereança de 1882, o nome de Antônio de Aguiar Barros de novo se encontrava
entre os membros da Câmara, porém, desta feita só compareceu a uma única sessão. No ano de 83 tinha
Antônio dois primos paulistanos como vereadores: Antônio Francisco Aguiar e Castro e Augusto de Sousa
Queirós. Em 1878, ocupou na qualidade de 6° vice-presidente a presidência da Província (de 5 de janeiro a
5 de fevereiro) e em 1883 (de 4 de abril a 18 de agosto), ocupou novamente a vice-presidência, agora com o
título de Visconde de Itu.
Na eleição do quadriênio seguinte, referente aos anos 1883-1887, deixaram os cargos eletivos municipais
Augusto de Sousa Queirós e Antônio Francisco Aguiar e Castro e tomaram posse na Câmara Municipal de
São Paulo Rafael Aguiar Pais de Barros e Antônio Pais de Barros, ao lado do primo paulistano Nicolau de
Sousa Queirós. Ou seja, de novo foram eleitos três membros de uma mesma família numa Câmara composta de
apenas 13 vereadores. Nesse mesmo ano de 1883, estourou um escândalo vergonhoso no Paço Municipal:
entre outras irregularidades cometidas, haviam sido fraudadas medições para a cobrança do imposto de muros
nos terrenos pertencentes aos vereadores Rafael de Aguiar Pais de Barros e Manuel Lopes de Oliveira,
perpetradas pelo ex-procurador da Câmara, que sete vereadores, entre eles o próprio Rafael, procuravam
readmitir. O Coronel Manuel Lopes de Oliveira era muito provavelmente amigo e aliado político dos Pais de
Barros, pois, originário de Sorocaba, proporia na vereança de 1885 a mudança do nome tradicional da Rua
Alegre para Rua do Brigadeiro Rafael Tobias (hoje Brigadeiro Tobias), o que seria aprovado na Comissão de
Obras da qual fazia parte um sobrinho do homenageado, Antônio Pais de Barros. Quanto ao caso do procurador
fraudulento, como era de esperar, acabou rapidamente abafado e o funcionário, readmitido, sob protestos
dos vereadores da oposição, em minoria.
Esse episódio, de natureza anedótica, flagrava o envolvimento de homens ricos e de grande influência
política na burla de um imposto municipal, cujo valor jamais poderia nem de longe ameaçar as respectivas
fortunas, e expunha na imprensa diária, onde eram publicadas as
Atas da Câmara, as mesquinharias,
o familismo, o clientelismo e o brutal cinismo de uma elite que se punha acima das regras da moralidade
pública.
Os palacetes paulistanos dos Pais de Barros
Também no campo da arquitetura os Pais de Barros se destacaram na cidade, durante o final do século XIX,
por terem passado a encomendar modernas residências apalacetadas, cheias de suntuosidade e conforto,
que provocavam admiração e emulação entre os demais personagens pertencentes à mais alta sociedade
paulistana.
O 1º Barão de Piracicaba era decerto muito velho, ou muito conservador, ou quiçá muito imbuído da
tradicional cultura rural paulista, que primava pela simplicidade e ausência de luxo, para se
mostrar interessado na recente arquitetura doméstica de ostentação, que começava a chamar a atenção dos
integrantes mais jovens de sua camada social. Em São Paulo, contentou-se em morar no velho casarão da
Rua da Constituição e até mandou erguer o grande edifício fabril do filho num canto de suas terras não
longe da casa em que vivia. Nesse particular era mais indiferente que seus primos paulistanos em segundo
grau. O Barão de Sousa Queirós, por exemplo, morava na antiga casa paterna, um belo mas antiquado sobrado
(da década de 1810) na esquina da Rua São Bento com Rua do Ouvidor (José Bonifácio) (figs. 22 e 23).
O Barão da Limeira, por sua vez, erguera um palacete de taipa (1853), com algumas inflexões neoclássicas
(fig. 24), na Rua da Casa Santa, hoje Riachuelo, tido então como muito elegante pela família, segundo
a sobrinha Maria Pais de Barros. E o Comendador Sousa Barros habitava um casarão de dimensões conventuais
afastado da cidade, na Rua de São João: construção do início do século XIX, parece ter sofrido acréscimos
ao longo de décadas, havendo sido parcialmente reformada por volta de 1850 (fig. 25).
Internamente era um tanto deselegante, pois nem tapete na sala de visitas havia, só adquirido pelo
comendador após os insistentes pedidos feitos por uma das filhas.
Figuras 22 e 23 - Reconstituição digital da casa do Senador Sousa Queirós, antiga moradia de seu pai, o Brigadeiro Luís
Antônio de Sousa, tal como se apresentava por volta de 1862. Baseada em antiga documentação iconográfica.
Fachada da Rua São Bento e fachada da Rua do Ouvidor, atual José Bonifácio, respectivamente.
Desenho: arq. Eudes Campos, 2007.
Figura 24 - Reconstituição digital do solar do Barão da Limeira, tal como se apresentava por
volta de 1862. Baseada em documentação iconográfica pertencente ao acervo da Biblioteca da FAUUSP.
Desenho: arq. Eudes Campos, 2007.
Figura 25 - Reconstituição digital aproximada da casa do Comendador Sousa Barros, tal
como se apresentava por volta de 1862. Baseada em antiga documentação iconográfica.
Desenho: arq. Eudes Campos, 2007.
Enquanto isso, Rafael Tobias de Barros, sobrinho de Piracicaba e segundo barão desse título, pertencendo à
geração seguinte, já tinha outro tipo de mentalidade. Estivera na Europa e certamente seus valores
burgueses eram mais desenvolvidos. De mudança do interior para a Capital, encomendou um enorme palacete
para o terreno da Rua Alegre que ganhara de seu tio e padrinho Rafael Tobias de Aguiar. O lote,
de grandes dimensões, era contíguo ao terreno onde estava sendo erguido o hospital da Beneficência
Portuguesa (1873-1876), de propriedade anteriormente do primo Antônio de Aguiar Barros. Fato que nos
leva a supor que o velho Brigadeiro Tobias tenha partilhado o fundo de sua chácara entre esses dois
sobrinhos. A casa de Rafael constituía um amplo palacete neoclássico (figs. 26 a 28),
de um gênero que começava a ficar fora de moda na Corte. O corpo principal tinha a forma de um imenso
paralelepípedo de tijolos, isolado no meio do jardim, decorado externamente com elementos de estuque
ou com os modernos ornatos de “pedra artificial” (pré-moldados de cimento) e com platibandas pontuadas
de estátuas de feição greco-romana. Edificada entre 1875 e 1877, inteiramente guarnecida com mobiliário e
objetos de decoração selecionados e enviados de Paris por Anatole Louis Garraux (...-1904), foi
considerada por algum tempo a residência mais faustosa da provinciana São Paulo, chegando a ser assinalada
em algumas plantas da cidade (figs. 29 e 30). Mas logo seria desbancada pela Vila Maria (c.1882-1885), de
D.Veridiana da Silva Prado (1825-1910), construção esta muito requintada e de estilo francamente eclético,
erguida “nos altos de Santa Cecília” segundo projeto trazido da França.
Figura 26 - Reconstituição digital da casa de Rafael Tobias de Barros,
2º Barão de Piracicaba, executada a partir de antiga documentação iconográfica.
Desenho: arq. Eudes Campos, 2007.
Figura 27 e 28 - Reconstituição digital das plantas (do primeiro e segundo andar) do palacete do
2º Barão de Piracicaba.
Fonte: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O palacete paulistano.
São Paulo: Martins Fontes, 1996.
Figura 29 - Aspecto do salão principal do palacete
do 2º. Barão de Piracicaba.
Fonte: MOTTA, Heloísa A. de. L. e. Uma menina paulista.
São Paulo: s.n., 1992.
Figura 30 - Aspecto interno do palacete do 2º Barão de Piracicaba com a presença do genro Washington Luís
e sua esposa, Sofia, filha do proprietário. Foto de autor desconhecido, início do século XX.
Fonte: MOTTA, Heloísa A. de. L. e. Uma menina paulista.
São Paulo: s.n., 1992.
Outros primos paulistanos dos Barros, filhos do Barão de Sousa Queirós, também começavam a erigir
imponentes habitações em lotes desmembrados da antiga chácara paterna situada entre o Largo dos Curros e
a Rua da Consolação: Antônio de Sousa Queiros edificou, por volta de 1875, um notável solar neoclássico,
estilisticamente semelhante ao do primo Rafael Tobias de Barros, no terreno onde hoje se ergue o Edifício
Itália (figs. 31 a 33), e Augusto de Sousa Queirós, pouco depois (por volta de 1878, provavelmente),
encomendou um amplo sobrado ao engenheiro francês Eusébio Stevaux. O resultado dessa encomenda foi um
sóbrio palacete meio neoclássico, meio neo-renascentista (figs. 34 a 36).
Figura 31 - Reconstituição digital hipotética da fachada original da
casa de Antônio de Sousa Queirós,
baseada em antiga documentação iconográfica.
Desenho: arq. Eudes Campos, 2007.
Figura 32 e 33 - Reconstituição digital aproximada das plantas (do primeiro e do segundo andar) da casa
de Antônio de Sousa Queirós, baseada em desenhos técnicos de reforma do imóvel datados da década de 1920
pertencentes ao acervo de DAMP – Daf-4 (SMG).
Desenho: arq. Eudes Campos, 2007.
Figura 34 - Reconstituição digital da fachada da casa de Augusto de Sousa Queirós, a partir de antiga
documentação iconográfica.
Desenho: arq. Eudes Campos, 2007.
Figura 35 e 36 - Reconstituição digital aproximada das plantas (do primeiro e do segundo andar) da casa de
Augusto de Sousa Queirós, executada a partir de antiga documentação iconográfica.
Desenho: arq. Eudes Campos, 2007.
Durante os anos de 1880, Diogo Antônio de Barros pôs a seu serviço o engenheiro alemão Mateus Häussler,
que pode muito bem ter sido o autor do chalé onde Diogo morava ao lado da fábrica de tecidos sita na
rua que desde 1881 se chamava Florêncio de Abreu. Neste chalé, durante certo tempo, Diogo chegou a
dispor de uma sofisticada modernidade técnica: a iluminação elétrica, produzida por um gerador de corrente
contínua.
A Häussler deve também ser creditada a bela residência neo-renascentista, erguida entre 1885 e 1887, na Rua
do Brigadeiro Rafael Tobias para o primo Rafael Aguiar Pais de Barros, fazendeiro e advogado. Mundano,
sofisticado, viajado e adepto do turfe, para ele Haüssler teria projetado uma ampla moradia de aparência
neopalladiana, que se destacava graças ao pórtico suportado por quatro grandes colunas inteiriças de
mármore branco existente na fachada (fig.37 a 39). Rafael, na verdade, fazia questão de acompanhar de perto
as novas tendências políticas e culturais disseminadas entre os jovens de sua geração e com a mesma posição
social, havendo-se tornado abolicionista e republicano.
Figura 37 - Reconstituição digital da fachada da casa de Rafael Aguiar Pais de Barros,
a partir de antiga documentação iconográfica.
Desenho: arq. Eudes Campos, 2007.
Figura 38 e 39 - Reconstituição digital aproximada das plantas (do primeiro e do segundo andar)
da casa de Rafael Aguiar Pais de Barros, feita a partir de antiga documentação iconográfica e da
leitura do inventário do proprietário.
Desenho: arq. Eudes Campos, 2007.
Com a transferência do arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851-1928) para São Paulo em 1886,
vindo de Campinas atrás das obras públicas provinciais que o governo pretendia realizar na Capital e da
opulenta clientela recém-chegada do interior, passará esse profissional a ser muito requisitado pela elite
paulistana, sobretudo pelos Pais de Barros, influenciados sem dúvida por um dos netos do 1º Barão de
Piracicaba, o engenheiro Antônio Francisco de Paula Sousa (1843-1917) (fig.40), com quem Ramos de Azevedo
mantinha estreita amizade.
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Figura 40 - Retrato de Antônio Francisco de Paula Sousa.
Litografia de artista não identificado, 1892.
Fonte: http://www.mre.gov.br
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Um de seus primeiros projetos residenciais na Capital seria para um ituano, que, excepcionalmente, não era
aparentado com a família Pais de Barros: José de Vasconcelos Almeida Prado (1840-1926). Tendo adquirido a
antiga chácara do Dr. Antônio Francisco de Aguiar e Castro, filho do Brigadeiro Tobias, nela resolveu
construir uma bela residência, na esquina da Rua do Brigadeiro Rafael Tobias com a futura Rua da
Beneficência Portuguesa. O projeto data de 1888 e, podemos assegurar, é
o mais antigo exemplar de
arquitetura doméstica de autoria de Ramos de Azevedo ainda existente na cidade de São Paulo.
Trata-se de um palacete eclético, construído com elementos ornamentais neo-renascentistas (fig.41),
que já nada conserva dos traços do neoclassicismo luso-brasileiro até então predominante na recente
arquitetura da cidade. Nele funcionou durante décadas o Colégio Pucca e hoje está instalada a Faculdade
de Música da FMU.
Figura 41 - Casa de José de Vasconcelos de Almeida Prado.
Foto de Otto Rudolf Quaas, c.1900.
Fonte: AZEVEDO,F.P. Ramos d’. Album de construcções.
São Paulo: Escriptorio technico do engenheiro ..., [1904?].
Acervo : Biblioteca Central da Escola Politécnica da USP.
Da mesma época (c.1888-1891), é a bela vila italiana de estilo Renascença que Ramos de Azevedo projetou
para Antônio Pais de Barros, num lote desmembrado da chácara do pai. No álbum de realizações de Ramos de
Azevedo datado de 1904, podemos admirar uma sugestiva foto interna dessa rica mansão (figs. 42 e 43).
Figura 42 e 43 - Foto da casa de Antônio Pais de Barros
e aspecto da sala de jantar.
Foto de Otto Rudolf Quaas, c.1900.
Fonte: AZEVEDO,F.P. Ramos d’. Album de construcções.
São Paulo: Escriptorio technico do engenheiro ..., [1904?].
Acervo : Biblioteca Central da Escola Politécnica da USP.
Como percebemos, foi a partir do final do Império que a crescente riqueza propiciada pela economia
agroexportadora deu condições para que opulentas edificações residenciais passassem a despontar em
São Paulo. E isso iria intensificar-se nos primeiros anos da República, em virtude do fenômeno do
Encilhamento (1889-1892), momento de euforia econômica que conduziria a gastos desbordantes,
seguido de fragorosas falências. Ramos de Azevedo assumiu nessa época (1890) a carteira imobiliária do
Banco União e pôs como chefe do escritório técnico de arquitetura um engenheiro havia dois anos chegado
da Alemanha, Maximilian Hehl (...- 1916). Da diretoria do banco, tomavam parte ao menos dois membros da
família Pais de Barros: Antônio Pais de Barros e João Tobias de Aguiar e Castro. Por intermédio desse
banco, falido em 1896, inúmeros projetos de palacetes paulistanos ou reformas de antigos prédios residências
seriam então executados, alguns para os próprios membros da família Pais de Barros.
Este é o caso, por exemplo, do antigo solar do Barão da Limeira, construído em 1853. Em 1890,
a baronesa viúva enfrentou uma reforma no casarão em que habitava, cuja fachada desde então passou a
apresentar características plenamente ecléticas, muito provavelmente já devidas a Hehl e não a Ramos
de Azevedo. A baronesa, contudo, parece não ter ficado muito satisfeita com o resultado (fig.44).
Depois de mandar abrir a futura Avenida Brigadeiro Luís Antônio, em 1894, encomendou ao escritório de
Ramos de Azevedo um outro palacete, na esquina da via recém-aberta com a Rua Riachuelo,
acompanhado de duas casas de aluguel. Das três construções então erguidas, só uma das casas de aluguel
sobrevive hoje como sede do Cejur (Centro de Estudos Jurídicos), órgão pertencente à Prefeitura do
Município de São Paulo (fig.45).
Figura 44 - Reconstituição digital da reforma da fachada da casa da Baronesa de Limeira
projetada no Banco União em 1890.
Baseada em proposta original pertencente ao
acervo da Biblioteca da FAUUSP.
Desenho: arq. Eudes Campos, 2007.
Figura 45 - Vista da Avenida Brigadeiro Luís Antônio. À direita, residência da Baronesa da Limeira,
na esquina da Rua Riachuelo,
e duas casas de aluguel pertencentes à mesma senhora.
Foto de autoria de Guilherme Gaensly, 1900.
Fonte: KOSSOY, Boris. São Paulo em 1900. São Paulo: Kosmos, 1988.
Enquanto isso, na velha chácara do finado 1º Barão de Piracicaba, a Câmara Municipal decidia abrir uma rua
interligando a Estação da Luz com os novos armazéns ferroviários construídos no Pari. É então desapropriada
e derrubada a velha casa de chácara de Miguel Carlos, que durante algum tempo (1883-84) havia abrigado o
Colégio Moretzsohn, para meninos, de propriedade de Francisco Xavier Moretzsohn (personagem ligado à
família Vergueiro – sogro de uma bisneta do Dr. Nicolau Pereira de Campos Vergueiro –, podendo por isso
ser considerado um aliado dos Barros), e, ladeando a embocadura da nova rua, surgiriam dois palacetes
construídos pelo Banco União. O da direita pertencia à filha de Piracicaba, Maria Rafaela, viúva do
médico Antônio Francisco de Paula Sousa (1819-1866) – construção até hoje existente, embora muito
degradada. O nome da via pública, Paula Sousa, é sem dúvida uma homenagem ao genro falecido do barão.
O sobrado (c.1891-c.1893) não era muito grande, mas se distinguia pelo torreão de esquina coberto com
um telhado pontudo, inspirado na velha arquitetura do Norte da Europa (fig.46). Morta Maria Rafaela
em 1895, aí passou a viver o casal formado pela filha homônima e seu marido Fernando Pais de Barros.
Fernando era engenheiro formado no Exterior e bisneto do Capitão José de Barros Penteado, irmão de
Antônio de Barros Penteado, o Patriarca dos Barros. Vemos assim que Fernando era portanto um primo
distante da mulher, Maria Rafaela.
Figura 46 - Casa de Maria Rafaela Paula Sousa.
Foto de Otto Rudolf Quaas, c.1900.
Fonte: AZEVEDO, F.P. Ramos d’. Album de construcções.
São Paulo: Escriptorio technico do engenheiro ..., [1904?]. ?].
Acervo : Biblioteca Central da Escola Politécnica da USP.
Do outro lado da rua, na esquina da Florêncio de Abreu com Paula Sousa, foi também edificada pelo Banco
União, a residência do engenheiro Antônio Francisco de Paula Sousa, um dos fundadores da Escola Politécnica,
irmão de Maria Rafaela, primo e cunhado de Fernando e, como dissemos, muito amigo do arquiteto Ramos de
Azevedo. Essa casa, atualmente preservada (fig.47), seria mais tarde alugada para um dos genros do então
falecido 2º Barão de Piracicaba, Washington Luís, que aí residiu por algum tempo, advindo desse fato o
atual nome da antiga Rua Episcopal: Rua Washington Luís.
Figura 47 - Reconstituição digital da
casa de Antônio Francisco de Paula Sousa,
depois residência de Washington Luís.
Baseada em antiga documentação iconográfica e na construção remanescente.
Desenho: arq. Eudes Campos, 2007.
Em frente à casa do engenheiro Paula Sousa havia a residência de um primo em segundo grau, o Barão de Tatuí,
construída na esquina da Rua Florêncio de Abreu com a Rua Episcopal (hoje Washington Luís). A construção
pode ter sido erigida em 1882, pois no AHMWL há pedido de alinhamento desse ano para essa propriedade.
Segundo consta, nunca foi fotografada e dela só conhecemos imagens onde aparece apenas o seu extenso gradil
de fecho, feito de ferro fundido. O barão, viúvo, casou-se com Cirina, esposa do falecido Joaquim José dos
Santos Silva (1799-1876), Barão de Itapetininga (1863), indo morar no solar do finado barão situado na
Rua de São José (Líbero Badaró) (fig.48), no local onde a Câmara decidiu construir o primeiro Viaduto do
Chá. O processo de desapropriação da casa dos barões de Tatuí arrastou-se por anos, porque o proprietário
lutou na Justiça para não ser expropriado. Finalmente, parte do sobrado de taipa veio abaixo em 1889 e no
que sobrou do terreno, junto da cabeceira do viaduto, Tatuí mandou edificar um elegante palacete pelo
escritório de Ramos de Azevedo (c.1894-1896), por sua vez demolido em 1912, em razão das remodelações
urbanas ocorridas na região do Vale do Anhangabaú (alargamento da Rua Líbero Badaró) (fig.49).
Figura 48 - Reconstituição digital da fachada da
casa do Barão de Itapetininga (c.1830),
tal como se apresentava por volta de 1862.
Baseada em antiga documentação iconográfica.
Depois passou a ser residência do Barão de Tatuí.
Desenho: arq. Eudes Campos, 2007.
Figura 49 - Reconstituição digital da fachada da casa do Barão de Tatuí,
junto da cabeceira do Viaduto do Chá.
Projeto do escritório de Ramos de Azevedo, 1894-1896.
Desenho: arq. Eudes Campos, 2007.
Morto o Marquês de Itu em 1889, sua mulher, como muitas outras viúvas ricas daquele tempo, encomendou um
suntuoso palacete no mesmo local em que morava, no final da Rua Florêncio de Abreu, junto da linha da
ferrovia Santos-Jundiaí (péssimo local, aliás, para se construir uma residência de luxo). O projeto saiu
do Banco União, devendo sua autoria portanto ser atribuída, mais uma vez, a Maximiliano Hehl (fig.50).
Nos anos de 1890, os financiamentos do Banco União para a construção de palacetes eram tantos, que muitas
vezes Hehl se inspirava em projetos residenciais publicados em revistas estrangeiras que mandava vir da
Europa, como foi o caso da residência da Rua José Getúlio, no nascente bairro da Aclimação, erguida para
Cândido de Morais, em 1892, conforme descobrimos em nossa tese de doutorado.
Figura 50 - Casa da Marquesa de Itu.
Foto de Otto Rudolf Quaas, c.1900.
Fonte: AZEVEDO, F.P. Ramos d’. Album de construcções.
São Paulo: Escriptorio technico do engenheiro ..., [1904?].
Enquanto as proximidades do bairro da Luz viviam seu apogeu como bairro de elite, congregando sobretudo
membros da família Pais de Barros – antes que o aumento do tráfego ferroviário provocado pela construção
da nova estação ferroviária (1895-1901) afugentasse os elegantes moradores locais –, do outro lado da
cidade, nas cercanias da região antigamente chamada Arouche, ou Santa Cecília, surgia um loteamento em
torno da Santa Casa de Misericórdia, levado a efeito por uma empresa que comprara os terrenos dos herdeiros
do Dr. Freitas, o que daria origem ao futuro bairro de Vila Buarque (1893). Nas cercanias vivia, na
Chácara das Palmeiras, como dito anteriormente, D. Maria Angélica (fig.51), filha do Senador Sousa Queírós
e viúva de um primo Barros. Estimulada pelo exemplo de uma vizinha cuja família pertencia ao antigo
Partido Conservador, D. Veridiana Prado, que habitava uma bela vila à francesa (fig.52), D. Angélica
encomendou um projeto na Alemanha, e deu início a uma casa imensa (1890-1892), com 18 quartos, onde
iria morar com as famílias de seus vários filhos (fig.53). Essas duas grandes damas, Veridiana e Angélica,
pertencentes a famílias adversárias, viviam em vastas construções residenciais, elegantes e refinadas, e
iriam atrair muitos dos futuros habitantes do
Boulevard Burchard, elegante loteamento
comercializado a partir de 1895 e depois transformado no atual bairro de Higienópolis.
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Figura 51 - Fotografia de D. Maria Angélica de Sousa Queirós Barros com a filha homônima.
Autoria desconhecida, dec. de 1870.
Fonte: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O palacete paulistano. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
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Figura 52 - Casa de D. Veridiana Prado.
Foto de autor desconhecido, c.1884.
Fonte: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O palacete paulistano.
São Paulo: Martins Fontes, 1996.
Figura 53 - Casa de D. Maria Angélica.
Foto de autor desconhecido, passagem para o século XX.
Fonte: HOMEM, Maria Cecília Naclério. O palacete paulistano.
São Paulo: Martins Fontes, 1996.
Conclusão
Durante as primeiras décadas do século XX, ainda persistiam em São Paulo, muito vivas, as rivalidades
entre os Pais de Barros e os Silva Prado, resquícios da velha política imperial que havia propiciado
tantas disputas pelo poder local e regional.
No tempo em que Antônio Prado era prefeito (1899-1911), ele e seu vice, Asdrúbal Augusto do Nascimento,
chegaram a usar a administração municipal para provocar constrangimentos às duas importantes famílias. Em
1904, Prado taxou os terrenos da Chácara das Palmeiras de D. Angélica por estarem sem fechamento. E em
1907, Asdrúbal (antigo sócio de Prado na Vidraçaria Marina e certamente naquela altura brigado com ele),
substituindo Antônio Prado no cargo executivo municipal, intimou D. Veridiana, mãe do prefeito, a murar
seus terrenos situados no bairro da Consolação. Essa situação perduraria pela década de 20 afora, e não
talvez não fosse exagero ver na fundação do Partido Democrático (1926-1934), cuja presidência foi ocupada
pelo velho Antônio Prado (1840-1929) – partido de oposição ao velho PRP –, ecos de uma hostilidade que
desde o século anterior dividia a camada dominante paulista.
O ocaso político dos Pais de Barros está diretamente relacionado com o processo histórico que resultou na
Revolução de 1930. As sucessivas crises do café e o estouro da Bolsa de Nova Iorque em 1929 causaram a
dissolução de grandes fortunas, fazendo com que muitos dos membros da elite cafeeira decaíssem para a
classe média. À crise econômica, se somavam a crise política em que se submergia então a hegemonia do
setor agroexportador paulista e a acelerada ascensão do industrialismo, que mais tarde iria contribuir
para a gradativa redução do papel econômico desempenhado pelo setor agroexportador cafeeiro.
Na verdade, a própria derrocada da Primeira República se acha estreitamente vinculada com o drama pessoal
dos Pais de Barros, já que Washington Luís, presidente do Brasil deposto em 1930, pertencia, como visto,
a essa família pelos laços do casamento. Sua deposição, seguida de prisão e exílio, assumiu dimensões
simbólicas, na medida em que o projeto político de hegemonia do Estado de São Paulo, duramente arquitetado
pelos oligarcas do café, entrou em colapso justamente durante o governo presidencial de um membro da
família Pais de Barros, originária de Itu.
Eudes Campos
Fontes consultadas
- CAMPOS, Cândido Malta. Os rumos da cidade; urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo: Senac, 2002.
- CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. 1997. 814f. Tese (Doutorado em Arquitetura) – FAU USP. São Paulo. 4v.
- ______. Nos caminhos da Luz, antigos palacetes da elite paulistana. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material. São Paulo, USP, n.13, 11-57, jan./jun. 2005.
- ______. São Paulo: desenvolvimento urbano e arquitetura sob o Império. In: PORTA, Paula (org.) A história da cidade de São Paulo. São Paulo: Paz e Terra, 2004.3v. v.2.
- FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2003.
- FORTES, Cláudio. A Grande Família. Site: http://www.jbcultura.com.br/gde_fam
(consulta dia 4 de maio de 2007).
- JOCKEY Club de São Paulo, 1875 – 110anos – 1985; catálogo de seu patrimônio artístico. São Paulo: Jockey Club de São Paulo, 1986.
- HOMEM, Maria Cecília N. Higienópolis: grandeza e decadência de um bairro paulistano. São Paulo: Departamento de Patrimônio Histórico, 1980.
- ______. O palacete paulistano. São Paulo: tese de doutoramento, FAU USP, 1992.
- LEME, Luiz Gonzaga da Silva. Genealogia paulistana. São Paulo: Duprat e Cia., 1903-1905. 9v. v.3 e 4.
- MARQUES, Manuel E. de Azevedo. Apontamentos históricos, geográficos, bibliográficos... da Província de São Paulo. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1980, 2v.
- MARTINS, José de Sousa. O migrante brasileiro na São Paulo estrangeira. In: PORTA, Paula. História da cidade de São Paulo. São Paulo: Paz e Terra, 2004. v.3.
- MORSE, Richard. Formação histórica de São Paulo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970.
- TAUNAY, Affonso d’Escragnole. S. Paulo no seculo XVI. Tours: E. Arrault et Cie., 1921.
- TORRES, Maria Celestina T. M. Um lavrador paulista do tempo do Império. Revista do Arquivo Municipal. São Paulo, Departamento de Cultura, n.172, p. 191-262, 1968.