SAO PAULO NO NIHONJIN
Os primeiros anos da presença japonesa em São Paulo
De início, um breve platô. Planos verticais de vidro azulado com dezenas de metros de extensão formam altos polígonos que envolvem uma construção acastelada. Seu aspecto heterodoxo e deslocado parece reforçado pelo conjunto inusitado que indica novas ocupações: edifícios com escritórios amplos, repartições do Judiciário.
Então, o caminho cede, descendo de forma íngreme rumo à antiga várzea. A quantidade de pessoas nas calçadas e ao longo do caminho exige
que pedestres e veículos tomem cuidado. Fica mais fácil observar a paisagem. Casarios centenários com porões altos, lado a lado;
construções mais novas, mas carcomidas. Ao final, novamente o terreno nivelado, mas agora entremeado por excepcionais espigões
residenciais, da década de 60 quase todos. A paisagem reafirma assim a excepcional densidade demográfica do logradouro, uma velha
vocação herdada de seus cortiços. Aqui, neste cenário atual. Aqui, neste cenário atual, aqui, na rua Conde de Sarzedas, tudo começou: a presença japonesa na
cidade de São Paulo.
Precedentes
A produção historiográfica sobre a migração japonesa para o Brasil é vasta e diversificada. Em especial, a partir da década de 1980,
logo após as comemorações dos setenta anos da chegada da primeira leva de imigrantes num empreendimento subsidiado. Nesse conjunto,
a presença dessa população na vida cotidiana da cidade de São Paulo em seus primeiros anos é apresentada com menor destaque.
O processo migratório profundamente orientado para o interior do Estado de São Paulo, para o emprego de mão de obra na agricultura,
foi documentado e analisado com ênfase naquele que constitui seu cenário principal. Os documentos sobre a chegada à capital paulista, os primeiros depoimentos, são registros esparsos, relatos pessoais mais do que resultados de uma prática historiográfica ordenada. Impossível, nesse quadro, não mencionar, por exemplo, as memórias do pintor Tomoo Handa (1906-1996). O ano de nascimento do autor revela que esses registros serão quase sempre relatos de filhos da primeira ou da segunda geração de recém-chegados.
Este ensaio procura delinear a partir de alguns títulos consagrados da historiografia sobre o tema aspectos dessa ocupação. Um dos objetivos é permitir futuras aproximações considerando o conjunto documental custodiado pelo Arquivo Histórico Municipal. A intenção inicial de identificar nos registros relacionados entre alvarás de licença ou documentos para aprovação de reformas ou novas edificações no período entre 1908 e 1921 foi frustrada em grande parte. Talvez, entre vários motivos, por tratar-se de uma ocupação recente, pelo caráter não regular dos serviços. De qualquer forma, a opção pela elaboração de um panorama concentrado no primeiro quarto de século da presença de uma nova corrente migratória na cidade mostrou-se assim uma etapa necessária para orientar novas prospecções.
Imagens do Extremo Oriente
A presença física dos novos migrantes, numa cidade marcada por uma diversidade sociocultural européia, foi antecedida por um evento simbólico: a abertura de lojas dedicadas ao comércio de produtos variados vindos do Oriente.
Esse comércio ocupa pontos importantes do centro histórico, ainda demarcado pelo Triângulo formado pelas
Ruas Direita, Quinze de Novembro e São Bento. O fenômeno é apresentado por Heloisa Barbuy no livro
A cidade-exposição: comércio e cosmopolitismo em São Paulo (1860-1914) no segmento
Folhas, sementes e badulaques: o lugar do Oriente.
As lojas principais concentram-se na Rua de São Bento, entre a então Rua de São João e o Largo de São Bento.
São empreendimentos de portugueses, tradicionais comerciantes com países do Extremo Oriente.
A mais antiga é a Loja da China, fundada em 1822 por Antônio Félix Sarafana. Dedica-se ao comércio de chás, plantas, sementes, cera e tabaco. Ao final do século XIX, está sediada na Rua de São Bento n.57-A (depois n.41-B), além de manter edifício na Rua Florêncio de Abreu.
Em 1884, o português Manuel Garcia da Silva abre a Loja do Japão na Rua São Bento. Constitui-se
num bazar de variedades, além de oferecer produtos importados da China e Japão, charutos e rapés. Até a
virada do século ocuparia endereços diversos naquele logradouro, primeiro no n.42, depois n.34 entre
1899 e 1900, sede provisória durante a construção do novo prédio no n.42 (depois n.54). Fachada e
planta desta edificação, projeto de Maximilian Hehl, integram a documentação do AHMWL e podem ser vistas no site
institucional na exposição virtual O centro de São Paulo há 100 anos, organizada pelo arquiteto Eudes
Campos. Anos depois funcionaria em um quarto endereço, na Rua São Bento n.34, ocupado antes pela sucursal
do Grande Hotel.
As referências ao Oriente em empreendimentos comerciais paulistanos parecem indicar sua força e o
interesse do público em mais duas ocorrências. Primeiro, a Loja da Índia, aberta em abril de 1900
no Largo de São Bento n.4-A, baixos do Hotel D'Oeste, pelos negociantes Arthur Diestsck e Alfredo
Schlck (sic). Mais adiante, em 1913, surge a Loja do Ceilão, estabelecida à Rua Direita n.41, um empreendimento de Manuel Lopes da Costa e Miguel de Azevedo Cardeal.
No entanto, a primeira casa comercial de proprietários de origem nipônica data de 1906:
O Japão em São Paulo. A nova loja pertence à firma Fujisaki (Fujisaki & Cia, em alguns
registros), originária de Sendai, província de Miyagi. A historiografia registra até mesmo os nomes
de seus funcionários Shinjiro Noma, Takeo Goto, Jukichi Sakuma, Rypsaku Tanaka, entre outros
(UMA EPOPÉIA, 1992, p.61).
A loja, à Rua de São Bento n.58 (depois n.68-A), funcionará por longo período, até 1932, seis anos após a morte de Saburosuke Fujisaki, seu proprietário. A bibliografia consultada indica a presença posterior, em 1910, na cidade do Rio de Janeiro, da Casa Hachiya, filial da empresa sediada em Nagoya. Dedicando-se ao comércio atacadista de porcelanas e outros artigos importados, a firma responderá, pouco antes da II Guerra Mundial, por 80% das porcelanas japonesas importadas pelo Brasil.
Recém-chegados
Retomemos porém à historiografia sobre o tema da migração, em especial ao livro de Arlinda Rocha Nogueira,
resultado de seu projeto de doutorado: A imigração japonesa para a lavoura cafeeira paulista (1908-1922), editado em 1973 pelo IEB-USP.
Embora dedicado à questão da introdução da mão-de-obra japonesa na agricultura do café, o extenso levantamento permite não apenas acompanhar o empreendimento de organização da migração subsidiada, mas ainda identificar aqui e ali a fixação lenta de novos migrantes na capital de São Paulo.
Os primeiros acordos para agenciamento de migração ocorrem entre 1894 e 1896 com a firma Prado e Jordão (SP)
e outras ações nos anos seguintes. As exigências por parte do governo japonês, bem como do governo do
Estado de São Paulo em função de necessidade da lavoura, retardam a efetivação do contrato até 1900,
com mediação de Marciel Sanz de Elorz, estabelecido no Rio de Janeiro, visando a introdução de 600
famílias de agricultores.
As dificuldades marcariam a continuidade do projeto. Em 1901, o contrato é transferido para a firma
Fiorita & Cia, do Rio de Janeiro. A falta de apoio do governo japonês devido às poucas garantias ao empreendimento arrasta o processo até 1903, quando Elorz retoma o contrato, que seria encerrado no mesmo ano. Em 1906, ele esboçaria mais uma tentativa, sem sucesso.
Apenas no ano seguinte, um novo acordo tem prosseguimento com a chegada da primeira leva ao porto de Santos em 18 de junho de 1908. Transferidos para a Hospedaria dos Imigrantes na Capital, os recém-chegados dão início à saga.
Nogueira (1973) utiliza-se dos primeiros relatos sobre o tema. Cita autores como Tomoo Handa ou Teijiro Suzuki, por exemplo:
Teijiro Suzuki narra em seu livro que os emigrantes queriam conhecer a cidade, mas os intérpretes se recusaram a levar as mulheres porque estavam vestidas de preto, com chapéu de palha grande enfeitados com flores vermelhas e que tiveram vergonha de sair com elas pelas ruas, pois além da vestimenta andavam com 'passos miúdos e desajeitados'. Resultado: mostraram apenas uma parte do Brás, fazendo crer aos imigrantes de que se tratava da cidade.
(NOGUEIRA, 1973, p.101): apud SUZUKI, Teijiro. Pioneiros dos imigrantes japoneses no Brasil (Hakoku Nippon Imin no Kusawake). São Paulo: 42 Showa, [1968])
A leva inicial, constituída de famílias destinadas ao trabalho na lavoura cafeeira, incluía ainda cerca de dez a onze migrantes espontâneos, sem contratos.
Alguns permaneceram desde logo na Capital. Assim ocorreu, por exemplo, com dois indivíduos, maiores, sem família, que ficaram a serviço do dr. Francisco P. Ramos de Azevedo. Outros dois, em idênticas condições, fizeram o mesmo, mas trabalhando por conta própria. Finalmente, uma família, composta apenas de dois membros, estabeleceu-se a serviço de Francisco Amaro.
(NOGUEIRA, 1973, p.103)
Citando Tomoo Handa, a autora detalha em nota:
... dos 10 que aqui permaneceram, 1 era marceneiro, 1 ferreiro, 1 costureiro e outros dois começaram
o plantio de verduras. Um casal empregou-se como empregado doméstico; uma outra pessoa empregou-se
na filial da Imin Kaisha. Além destes ficaram ainda na cidade um marceneiro do navio que fugira e
Uetsuka Shuhei que veio na qualidade de representante da Imin Kaisha trabalhar em São Paulo.
(NOGUEIRA, p.103, nota 56).
Surge aqui um problema adicional: as pequenas contradições entre as fontes, sejam os relatos pessoais, sejam os dados oficiais de diferentes origens.
O contrafluxo: as fugas
O grande conjunto de migrantes, cerca de 800 pessoas, tomou o rumo das fazendas. A Fazenda Dumont, em Ribeirão Preto, receberia pouco
mais de duzentas pessoas. No entanto, as condições de trabalho encontradas, as dificuldades de adaptação de ambas as partes, acabaram
gerando um espantoso processo de abandono de postos, e as primeiras fugas para as cidades, poucos meses após a chegada.
A Fazenda Dumont, por exemplo, registraria quase 200 fugas. O processo foi rápido, quase um mês após a chegada, em 19 de julho, ocorrem
quatro fugas. Em 25 de agosto, consta outra fuga com 120 adultos e cinco crianças, que rumam para a Capital (NOGUEIRA, 1973, p.108-109). Entre eles, o migrante Kato, que falava inglês e atuava como intérprete entre patrões e empregados.
O fato de conhecer a língua inglesa, fez com que Kato fosse colocado como intérprete na fazenda Dumont.
Para ali foram enviados cerca de 1/3 de todos os imigrantes introduzidos. Como o cafezal era antigo, a produção não era grande, em média de 2 a 3 sacas por dia, sendo que algumas famílias conseguiram apenas 1 saca, o que levou os imigrantes ao desespero, pois não tinham dinheiro para voltar, nem condições para se sustentarem. Houve uma revolta encabeçada pelo monge budista Ibaragi. Suzuki foi chamado à fazenda e verificou que as queixas não eram apenas com relação à falta de dinheiro, mas, também, contra a atitude autoritária de Kato. Daí ter sido ele substituído, o que, aliás, não resolveu a situação, pois mais de 200 pessoas abandonaram a fazenda. Segundo Nanju Suzuki, ao sair da fazenda, Kato dirigiu-se para São Paulo, onde trabalhou como copeiro na casa de um capitalista, segundo o autor. Quando da chegada da 3a. Leva, novamente, serviu de intérprete. Depois, passou por uma série de empregos, sendo que em 1947 estabeleceu-se em Lins com um escritório de advocacia.
Não foi bem sucedido: ao morrer, naquela cidade, o fez na maior pobreza, pois não tinha ninguém para o
tratar.
[Suzuki, Nanju. Os rastros dos pioneiros que vão desaparecendo (transl. Umore inku takujin no ashiato). São Paulo, 1969. t.2, p.231.
(NOGUEIRA, 1973, p.108, nota 3)
O fenômeno ocorre em outros locais como a fazenda Chanaan (Canaã), na qual até o intérprete pediria
afastamento. São contínuas na obra de Nogueira as referências de fugas rumo à Capital nas levas iniciais de migração. O fracasso da primeira leva é atribuído a um conjunto diverso de fatores, mas em especial à presença de elementos sem experiência em agricultura, a "formação artificial" de famílias estritamente para atender as exigências de seleção, além das dificuldades culturais de ambas as partes e o sistema de trabalho. A autora afirmará com contundência: “Um fato é indiscutível: os imigrantes japoneses, à semelhança dos imigrantes europeus, em número apreciável, não se fixavam na lavoura cafeeira como era esperado.” (idem, p.132)
Que destino, porém, tiveram os fugitivos? Esta questão é respondida parcialmente pela autora. Em 23 de setembro de 1908, apenas três
meses após a chegada do navio Kasato Maru, a Hospedaria de Imigrantes apresenta uma lista relacionando a “nova distribuição dada aos
japoneses que haviam regressado do interior. Segundo esta fonte documental, os 120 adultos que saíram da Fazenda Dumont foram
recolocados pela Agência Oficial de Colonização e Trabalho, que os distribuiu da seguinte maneira”: 55 pessoas para Fazenda Veado
e Fazenda Joaquim, ambas em Bauru, 48 adultos solteiros para obras da Estrada de Ferro Sorocabana, e 21 que permaneceram na Capital (NOGUEIRA, 1973, p.131).
Vinte e um permaneceram na Capital, ou como criados de servir na casa dos senhores Coronel Virgílio
Rodrigues Alves [nota: dono da fazenda Veado], dr. Amadeu César ou na Rotisserie Sportman, ou ainda exercendo suas profissões, como foi o caso de um pedreiro, um carpinteiro e um amolador, os quais ficaram a serviço de Ramos de Azevedo. Um funileiro e sua mulher empregaram-se na fábrica de latas do dr. Lourenço Vidigal. Três famílias, com 3 membros cada, estabeleceram-se como negociantes, enquanto outras 5 aguardavam, quando da confecção do documento de onde extraímos estes dados, nova colocação, estando dispostas, inclusive, a voltar para a lavoura, como trabalhadores de terreiro, se não encontrassem outra ocupação.
Afora os provenientes da fazenda Dumont, a relação em questão apontava o caso de 2 imigrantes, agricultores, que abandonando os serviços da fazenda de d. Albertina Prado & Filhos, procuraram a capital e aí permaneceram, não sendo especificadas, todavia, as atividades que teriam passado a exercer.
[o texto segue com contabilidade algo confusa...]
(NOGUEIRA, 1973, p.131-132).
A retomada da profissão de origem, que eventualmente tivessem, é apontada como fenômeno comum
entre os imigrantes sem experiência em agricultura. Conforme Nogueira (1973, p.135), no grupo
trazido pelo Kasato Maru havia 57 pessoas cujos registros indicam tais profissões, sendo 45
como carpinteiros. Em fontes diversas, o total cai para 54 indivíduos, sendo 34 carpinteiros e
11 pedreiros entre outros. De qualquer forma, o total ultrapassa a cláusula contratual de 5 por
cento.
A nova cidade: ao redor da Rua Conde de Sarzedas
Hoje, tudo parece próximo. Há cem anos, porém, o trecho entre o antigo Largo da Sé e o começo da Rua Tabatinguera exigia certo esforço para percorrer vários quarteirões ladeados por um casario baixo e inexpressivo.
A região da Liberdade em sua parte vizinha ao centro apresentava até a segunda metade do século XIX uma ocupação modesta.
Alguns pontos de referência como a Forca, o Cemitério dos Aflitos ou o Hospital da Santa Casa de Misericórdia deixaram marcas em sua história. Além do caminho para a rua do Vergueiro, um dos acessos para o litoral, outra marca era a presença de pensões para os estudantes da Academia de Direito.
No terreno, onde existira a Chácara Tabatinguera, loteada, surgiriam logradouros como as Ruas Conselheiro Furtado e Conde de Sarzedas.
Em 1893, a lei n.78, de 9 de dezembro, determina o nivelamento inicial da Rua Conde de Sarzedas.
As primeiras sarjetas são executadas em 1894 por ordem da lei n.114, de 6 de outubro. Já despontava
então no início do logradouro o casarão em forma de castelo erguido por Luís de Lorena Rodrigues Ferreira, descendente do
Conde de Sarzedas. Construído como presente para sua jovem esposa Marie Luise Dallanger, a edificação seria ocupada pela família até
1939, quando começaria a sucessão de ocupações diversas em seu longo período de abandono. O tombamento pelo Conpresp em 2002 e a
transformação em 2007 em Centro Cultural do Museu do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo mudariam a sorte do agora Palacete Conde de Sarzedas.
Em 1910, conforme a lei n.1319, de 19 de maio, a Rua Conde de Sarzedas seria inteiramente calçada. O palacete na parte inicial teria, porém, de conviver com uma vizinhança modesta. O logradouro, ladeado um grotão junto à Rua Tabatinguera seria ocupado por sobrados com porões altos em alguns pontos e conjuntos de casas modestas em várias travessas.
São Paulo, em certo momento, passou a abrigar os que se decepcionaram com a lavoura, no dizer de Tomoo
Handa. Muitos, não se adaptando à vida da cidade, chegaram a voltar para o campo ou mesmo para o Japão.
A maioria, entretanto, dos que procuraram São Paulo eram pessoas solteiras, sem emprego definido. Havia casais, também, em que o homem exercia determinada profissão e a mulher trabalhava como empregada doméstica. Em geral os imigrantes empregavam-se como copeiros, criados ou mesmos jardineiros. Impossibilitados de ter um lar, o casal alugava uma casa e sub-alugava-a para solteiros. Aos poucos foram surgindo as pensões. Para estas eram procuradas casas perto do centro e que tivessem vários quartos. Daí, explica Handa, a concentração dos japoneses na rua Cônego Sarzedas, onde havia porões independentes do resto da casa. Foi nesses porões que surgiram as primeiras barbearias e as primeiras casas de comida japonesa, pois as grandes pensões só com o tempo é que foram surgindo, ou mais precisamente, por volta de 1914 que começaram a aparecer ali as primeiras pensões e armazéns japoneses.
(NOGUEIRA, 1973, p.134-135 e nota 59, apud HANDA, Tomoo. Imin no seikatsu..., cit, p.168, 175, 176, 187)
A segunda leva de migrantes chega ao país em julho de 1910 no navio Ryojun Maru. Entre 1908 e 1914 ocorrem dez desembarques, trazendo cerca de 14.900 migrantes. O número merece cautela, pois uma análise correta exigiria uma avaliação frente a frente com o total dos que retornam ao Japão ou tomam outro destino em busca de melhores condições.
A interrupção do subsídio oficial do governo do Estado de São Paulo ocorre em 1914, entre outros
motivos pela baixa fixação dos imigrantes nas fazendas. O incentivo é retomado entre 1917 e 1922,
quando se encerra este ciclo. Neste último período ocorrem 31 desembarques, trazendo cerca de 12.331
indivíduos. A partir de 1924 o governo japonês assume o subsídio, com o agravamento da situação econômica
naquele país, em especial após o terremoto de 1923. O volume de migrantes cresce aceleradamente e
expande-se o perfil de atividades dos migrados.
O crescimento da entrada anual entre 1924 e 1934, confrontando diversas fontes, indica uma alteração de
patamares de quatro mil indivíduos para quase 22 mil ao final do período. Restrições introduzidas pelo Brasil
levam a uma queda apreciável dos números indo gradativamente de 6.400 a cerca de 1.350 entradas
.
Michael Hall, em seu ensaio de 2004 sobre migração em São Paulo, indica que entre 1908 e 1942
ingressam no Brasil 190 mil japoneses. Destes, 70 por cento entre 1926 e 1935, quase todos com
destino ao Estado de São Paulo. O contingente era constituído basicamente por famílias, com
três membros no mínimo. Conforme o censo de 1920, havia 966 japoneses domiciliados na capital paulista,
sendo 63% homens. Em 1934, vinte cinco anos após o marco migratório o total de residentes em São Paulo
era de 4.563 japoneses.
Primeiros empreendimentos
Conforme o capítulo Participação de imigrantes japoneses no comércio, da antologia
Uma epopéia moderna (1992, p.531), um levantamento realizado em 1933 pelo jornal Seishú Shinpô indica um total de 159
lojas na cidade de São Paulo mantidas por membros da comunidade nipônica. Outras 99 funcionavam em Santos, além de 218 estabelecimentos
em oito cidades do interior do Estado de São Paulo.
A partir da empresa pioneira O Japão em São Paulo, de 1906, surgem aqui e ali outros
estabelecimentos comerciais. Hotéis como Ueji, na Rua Tomás de Lima, em
1914, também citada como pensão Ueji, e o hotel
Mikado, na Rua Conde de Sarzedas (s.d.).
Comércios e indústrias de móveis como as Casa Mikado e Casa Tokyo, ambas
de 1918.
Empreendimento de outro gênero, raramente mencionado, é a Photographia Japoneza,
localizada à Rua Conselheiro Crispiniano n.16 entre 1922 e 1925. Seu proprietário surge com o nome
grafado de forma diversa nos anúncios: ora Ippo Isho, ora Ishisl Ippo.
A representação oficial, através do Consulado Geral do Império do Japão em São Paulo, data de
1915. Em 1918, abre uma filial em Ribeirão Preto, região em que se concentraram as primeiras
levas de migrantes. Três anos depois consta um consulado em Bauru e uma agência consular em
Santos.
O inventário dedicado à Liberdade, realizado pelo IGEPAC (DPH/SMC), em 1987, traz dados esparsos sobre a ocupação inicial, sem especificar contudo suas fontes. À ocupação inicial, em porões do casario da Rua Conde de Sarzedas em 1912, contrapõe-se o registro de 300 moradores japoneses naquele logradouro por volta de 1920.
Por volta de 1912 passaram a aglomerar-se na Rua Conde de Sarzedas, sublocando os porões desta rua. Anteriormente estavam espalhados pelas suas proximidades. Na Rua Rodrigo Silva, onde estava instalada a Sociedade Japonesa de Imigração, na Rua São Paulo, esquina com a Rua Sinimbu, onde funcionários de uma empresa que importava alimentos abriram uma pensão que tinha como cozinheiros um casal de japoneses. Esta pensão, como outras, notabilizou-se como meio de fixação urbana dos imigrantes japoneses.
O carpinteiro-empreiteiro Samegima, imigrante espontâneo que aqui chegou em 1908, residindo à Rua São Paulo, também atraiu seus conterrâneos para o local, oferecendo-lhes trabalho.
Em 1920 havia cerca de 300 japoneses residindo na Rua Conde de Sarzedas e nos
finais os alojamentos “alki” (sic) existentes chegavam a receber até 50 pessoas vindas do
interior. Já haviam criado em 1914, uma escola primária, mantida pela colônia.
Surgiram fábricas de “tofu” e de doces. As hospedarias serviam refeições japonesas e
ofereciam mesas de 'snooker' para atraírem grande número de pessoas. A partir de 1916
começaram a jogar 'baseball' no campo da fábrica Sudam, no final da ladeira da Conde de
Sarzedas.
Depois de 1923 os japoneses construíram uma quadra de tênis entre as Ruas Conde de Sarzedas e dos Estudantes.
Até 1930 os japoneses concentraram-se na Rua Conde de Sarzedas, havendo até então uma outra família nas ruas que lhe são próximas. Nesta data, no local onde hoje se situa o edifício da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, passou a funcionar a Escola Japonesa e sua Associação de Pais e Mestres, o que provocou a procura da Rua Galvão Bueno para fixação de novos imigrantes.
(IGEPAC, 1987, p.28-29)
A década de 1920 marca, conforme Hiroshi Saito (1919-1983), o começo da mobilidade profissional entre os migrantes:
'Vamos tocar na mobilidade profissional antes de 1930, destacando a formação do setor comercial e industrial. Entre os primeiros imigrantes houve aqueles que se transferiram do emprego de colono, de baixo salário, nas fazendas para trabalhador em construção de estradas de ferro ou estivador nas docas. Entre os que permaneceram nos cafezais e que tinham sido (no Japão) carpinteiros ou ferreiros, voltaram a exercer a profissão anterior, na primeira oportunidade que surgisse na fazenda. Isso porque o salário era melhor. Nas zonas de grandes fazendas não havia oportunidade para eles se transformarem em carpinteiros e ferreiros independentes. Essa possibilidade só surgiu quando os imigrantes-colonos passaram a lavradores arrendatários ou proprietários, verificando-se então uma divisão profissional dentro dos núcleos coloniais.
A mesma tendência se verificou igualmente no comércio. Por volta de 1915, aparecem pela primeira vez, na zona cafeeira da Mogiana, vendedores ambulantes japoneses que começaram a vender miudezas para os colonos. Já por volta de 1920, alguns desses mascates se estabeleceram com lojas na área da rua Conde de Sarzedas. O imigrante-colono costumava hospedar-se em alguma casa dessa zona, quando a caminho de mudança para outra localidade ou viagem de observação e estudos. Depois da pequena loja de comércio que vendia uma ampla gama de artigos, surgem hotéis e pensões. E assim se formou a 'Rua Conde', sinônimo de bairro japonês.'
(citando SAITO, Hiroshi. Burajiru no Nihonjin (Os japoneses no Brasil), 1960)
(UMA EPOPÉIA, 1992, p.84-85-capítulo Do Kasato-maru até a
década de 1920)
A concentração da comunidade na região da Liberdade embora marcante era complementada pela presença de elementos ativos nas regiões
periféricas da Capital, atuando como pequenos agricultores especializados em hortaliças.
Com a vinda dos imigrantes para os arredores de São Paulo, primeiramente surgiram as plantações de verduras em pequena escala, visando famílias de japoneses. Já em 1911, assinalam-se os primeiros horticultores nos bairros de Santana, Taipas, que foram seguidos de plantadores de verduras estabelecidos em Morumbi, Mairiporã, Moinho Velho. A principal cultura era a batata, sendo as verduras secundárias produzidas em pequena escala.
Somando-se aos sitiantes portugueses, já de há muito estabelecidos, os imigrantes japoneses se dedicaram a produzir as mesmas hortaliças, mas, com o aumento da demanda decorrente da expansão da cidade, os agricultores japoneses aumentaram as suas produções estabelecendo-se em localidades mais afastadas. Nessa altura, além da criação de cooperativas agrícolas, começaram a surgir comerciantes do ramo. Em 1928, apareceu o primeiro intermediário de verduras, de nome Uhichi Imai, e, em 1929, dona Ushi Taba foi a primeira imigrante japonesa que estabeleceu uma banca no mercado de verduras da cidade. O número de comerciantes foi aumentando a ponto de alcançar dois terços do total de comerciantes do ramo em 1941.
(UMA EPOPÉIA, 1992, p.533-capítulo Participação de imigrantes japoneses no comércio)
A essa altura ([1933]) os japoneses estavam espalhados por quase todos os bairros da cidade, embora ainda em número reduzido. Suas ocupações mais comuns eram, então, as de motorista de táxi, doceiras, hoteleiros, donos de restaurantes, tintureiros, barbeiros, carpinteiros. Entre os carpinteiros figuravam três empreiteiros de obras. O chamado ryotei (um tipo de restaurante japonês) aparece em 1929. Entre os profissionais, os hoteleiros e barbeiros já organizavam sua cooperativa profissional (Dogyo kumiai). Além delas, instalou-se uma Cooperativa Japonesa de Comércio e Indústria.
Os mais abastados entre os moradores de São Paulo formavam o grupo 'de cima' (ue-machi) e os de renda menor formavam o grupo 'de baixo' (shita-machi).
O grupo de cima fundou em 1920 o Clube Japonês (Nihon Kurabu) e o de baixo a Doshi-kai (Associação de Companheiros). Havia constantes disputas e atritos entre os dois grupos.
O então cônsul-geral Skeyuki Akamatsu fez diligências para acabar com a rivalidade, surgindo daí uma Associação de Japoneses da Cidade de São Paulo. Parece, entretanto, que os desentendimentos não cessaram. Em 1934 organizou-se a Sociedade de Cultura dos Japoneses do Brasil, que teve existência efêmera. No ano de 1937 iniciou-se um movimento pela fundação de uma Associação Central de Japoneses no Brasil, mas sem conseguir o apoio da Associação de Japoneses da Cidade de São Paulo, a iniciativa acabou morrendo.
(UMA EPOPÉIA, 1992, p.228-capítulo Emigração como política de Estado)
Os anos 20 presenciam assim a expansão do mundo do trabalho, tanto aquele voltado para a colônia como para a prestação de serviços gerais. Há diversidade e continuidade em contraste com os quadros usualmente traçados sobre o tema da presença da comunidade nipônica em São Paulo.
Um exemplo significativo disso, embora à primeira vista pareça apenas uma curiosidade, pode ser expresso em simples foto de grupo, publicada no ensaio de Michael Hall mencionado (2004, p.138), cuja identificação manuscrita indica:
Associação dos chauffers japoneses em São Paulo abril de 1918. Lá posam para o fotógrafo 19 homens.
Embora possa parecer um número baixo, seria relevante retomarmos alguns dados mencionados
na edição 13, do Informativo AHMWL (jul/ago.2007). O orçamento municipal para 1918, estabelecido na lei n.2.095, de 29.10.1917, previa gastos com a emissão de 150 placas de carros de praças. Neste conjunto, o total de 19 homens da Associação parece indicar uma presença significativa. Na falta de dados, mesmo tomando fontes posteriores como
O livro vermelho dos telephones, em sua edição de 1933, há menção a um total de 315 carros de aluguel. A atuação dos associados, seja como motoristas particulares ou de carros de aluguel, é sinal expressivo da presença de novos elementos no mundo do trabalho urbano.
Ensino
A constituição de associações pela comunidade nipônica com atividades voltadas para o ensino da língua e dos costumes é uma tônica no processo de adaptação.
Está geralmente aceito entre os japoneses que foi a Escola Taisho (Taisho Shogakko), instalada em julho de 1915, na rua Conde de Sarzedas, 38, São Paulo, o primeiro estabelecimento de ensino criado e mantido por imigrantes nipônicos no Brasil. Existe, é verdade, a versão de que um jovem chamado Jinshiro Tagashira ensinara a língua japonesa de grau elementar por volta de 1914-15, na mesma rua Conde de Sarzedas. Consta mesmo que a Escola Taisho teria continuado o trabalho do jovem professor. O responsável pela Escola Taisho foi Shinzo Miyazaki, havendo mais alguns nomes entre os organizadores.
(UMA EPOPÉIA, 1992, p.124-capítulo Do Kasato-Maru até a década de 1920)
A mesma fonte aponta que a escola de destaque, entre as iniciativas instaladas no interior do Estado, era a da Colônia Hirano, na
estação Cafelândia da linha Noroeste, que data de 1915. Dois anos após surgem as escolas da Colônia Birigui e Cotia.
A proximidade das datas indica que o processo seguiu tanto na Capital como no interior o mesmo andamento.
Em 1932, citando levantamento realizado pela Associação de Pais de Alunos de Escolas Primárias
Japonesas de São Paulo, há um total de 187 estabelecimentos no Estado com 9.178 alunos. Destas, dez unidades estão instaladas em São Paulo e subúrbios, atendendo 618 alunos. Outras dez unidades, com 364 alunos, encontram-se em Santos e na região de Santos-Juquiá (UMA EPOPÉIA, 1992, p.126-127).
Note que o levantamento inclui nove unidades localizadas no Paraná e Mato Grosso com 309 alunos. A distribuição de alunos parece
refletir as áreas de concentração de migração japonesa: 83 escolas na região da Estrada de Ferro Noroeste atendiam 4.669 alunos e
36 ao longo da Estrada de Ferro Sorocabana com 1.760 alunos. A cidade de São Paulo seguia estas localidades em números de alunos,
vindo a seguir "Registro e vizinhança" com dez unidades e 427 alunos e a região da Estrada de Ferro Paulista com 13 unidades e 544 alunos.
A segunda edição do boletim da Associação de Pais de Alunos de Escolas Japonesas de São Paulo, de abril de 1934, indica que o número de escolas fundadas apenas entre 1915 e 1926 atinge o total de 61 unidades. O confronto com o indicado em 1932 revela a progressão do fenômeno (UMA EPOPÉIA, 1992, p.127).
Em abril de 1933, lei estadual proíbe o ensino de idioma estrangeiro a crianças com menos de dez
anos de idade, regra que será ignorada em comunidades isoladas. Exige-se ainda a habilitação
do professor de língua estrangeira e a aprovação dos livros utilizados. Cinco anos depois,
a idade mínima sobe para 14 anos. A exigência atinge 235 estabelecimentos, sendo 219 escolas
japonesas e as demais, entre alemãs, italianas e portuguesas. No mesmo ano, em 25 de dezembro,
todas as escolas estrangeiras são fechadas.
Entre os estabelecimentos dirigidos à colônia, constam escolas agrícolas, entre elas em Registro e
no Caxingui (sem datação) (UMA EPOPÉIA, 1992, p.131). Destaque-se ainda o Instituto Prático de
Agricultura de São Paulo, conhecido como Escola Prática de Agricultura de M'Boy, instalado em 1932 pela Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha (Kaikô).
Um fenômeno relevante associado ao tema diz respeito aos pensionatos para estudantes na Capital e
cidades do interior que surgem na segunda metade dos anos 20. Atendiam os jovens vindos de áreas
rurais que necessitavam prosseguir seus estudos. A historiografia destaca ainda o papel das escolas
de corte e costura, para jovens do sexo feminino, entre elas: Escola de Corte e Costura Nipo-Brasileira
e a Escola de Corte e Costura Akama (1933), ainda em funcionamento (UMA EPOPÉIA, 1992, p.132-133).
Importante conjunto documental sobre o ensino foi reunido por Zeila Demartini, em artigo para a revista
Educação & Sociedade, de agosto de 2000, que citaremos extensivamente por sua riqueza:
Na cidade de São Paulo, principalmente no bairro da Liberdade e arredores, era freqüente as crianças japonesas irem à escola primária pela manhã e à tarde aprenderem o japonês com o professor Shinzo Miyasaki (professor da Escola Taisho).
Entre 1925 e 1930, muitos filhos de agricultores vieram estudar nos ginásios da cidade.
Esses jovens eram filhos de produtores de café do interior do estado e dos produtores de
batata e tomate residentes na periferia da cidade - Itaquera, Taboão da Serra, Cotia,
São Miguel etc. (Handa, 1987). Alguns jovens que moravam na periferia vinham para a
cidade e voltavam diariamente de trem, porém, os do interior moravam em pensões localizadas,
sobretudo, no bairro da Liberdade, mas também em Pinheiros.
[...]
Já as escolas noturnas para jovens e adultos podiam ser encontradas na cidade de São Paulo e em outros locais. Um senhor que imigrou em 1914, aos dois anos, conta que freqüentou quando jovem uma escola noturna no bairro de Campo Limpo para aprender o português: "À noite ele (o professor Kamaichiga) dava aula para os moços, dava aula para nós (...), tinha mais ou menos 20 alunos, tudo japonês. (...) (Cada um) pagava uma coisinha. Não tinha... Eles não falavam quanto, cada um dava quanto podia" (Entrevistado S).
Também na colônia de Itaquera, muito distante do centro, havia uma escola noturna: "Tinha aos domingos para as crianças e à noite para os moços que queriam estudar, não é? As aulas eram dadas durante a semana à noite" (Entrevistado TK).
Na periferia rural da metrópole havia, ainda, as escolas isoladas, que ofereciam até o 2º. e o 3º ano primário, com classes mistas muitas delas; inicialmente escolas de língua japonesa para crianças, mais tarde transformadas em grupos escolares públicos. Com a entrevista de uma junnissei que chegou ao Brasil em 1923, com três anos, após o grande terremoto de Tóquio nesse mesmo ano, soubemos da existência de uma escola japonesa no Morumbi, na qual estudaram seus irmãos. Esta era destinada basicamente aos filhos de agricultores. Por meio de um casal que chegou ao Brasil em julho de 1934, ele com 23 anos e ela com 16, pudemos saber da existência de uma escola japonesa em Santo André, onde inclusive estudara sua filha mais velha.
As crianças moradoras da periferia rural de São Paulo não freqüentavam somente as escolas isoladas, pois os entrevistados da colônia nipônica de Itaquera falaram sobre a ida das crianças japonesas moradoras da região para as escolas da cidade. Segundo um deles:
"Os estudantes da colônia, da nossa comunidade, já freqüentavam escolas da cidade. (...) Porque nós tínhamos só primário (na colônia) e, além do primário, só tinha que ser na capital ou na cidade vizinha. A cidade vizinha nossa era Moji das Cruzes". (Entrevistado TK).
Outro senhor nissei, nascido e criado na colônia de Itaquera, ao comentar sobre a educação das crianças japonesas nas décadas de 1920 e 1930, conta que "Naquele tempo já tinha muitos elementos que estudaram no Ginásio do Estado" (Entrevistado H).
Além do Ginásio do Estado (na época muito conceituado e disputado), algumas crianças de Itaquera - as que não conseguiam vagas lá - iam estudar no Ginásio Paulistano, que era particular, pois era a única opção para quem não conseguia entrar no Ginásio do Estado.
Havia também as escolas primárias completas mantidas por particulares, como a Escola Primária
Taisho, talvez a mais antiga escola primária japonesa completa; ela foi criada por volta de 1914,
contando com apenas três alunos que pagavam uma mensalidade de quatro mil-réis. Sua fundação oficial
data de outubro de 1915, mas foi somente no ano seguinte que conseguiu um endereço fixo e mudou-se
para o número 48 (não há certeza quanto ao número) da rua Conde de Sarzedas, no andar térreo de um
sobrado que ficava no fim da ladeira; mais tarde essa escola mudou-se para a rua São
Joaquim. Em janeiro de 1919 a Taisho foi
reconhecida como escola particular, e no final do ano, em dezembro, a professora Antônia dos
Santos, que era negra, começou a dar aulas de português (Handa 1987). De acordo
com um ex-professor, Takeshita, a Escola Taisho foi criada pelo professor Miyazaki, que
(...) era professor formado de escola de... língua estrangeira lá no Japão. Depois veio aqui...
ele inventou essa escola, começou a ensinar. Isso foi porque tinha necessidade, naquele tempo tinha,
ainda não existia nenhuma escola japonesa. Foi a primeira escola japonesa de São Paulo. Para filhos
de japoneses. (Entrevistado Ta)
No início, a escola era administrada por dois japoneses - Yamada e Samejima - que haviam chegado ao Brasil muito antes do professor, e possuíam outras atividades além dessa. Um era médico - "o único médico japonês que havia" - formado no Japão e o outro era construtor. Pelo que foi relatado pelo professor entrevistado, um deles cuidava mais da parte financeira, o outro do funcionamento da escola. A escola contava com três salas - duas utilizadas para aulas e a outra servia de dormitório para os professores -, tinha turmas mistas e cerca de 80 alunos. Em 1929 a Taisho, com um subsídio do governo japonês, mudou-se para a rua São Joaquim.
(...) quando escola estava na Conde de Sarzedas, ... (era) um colégio feio, sabe! (o governo japonês) Deu ajuda. Aí mandou 168 contos... Aí, procurando, achamos esta casa de rua Conde de São Joaquim. Comprou de uma vez. Após a mudança a moradia ficou melhor. Agora nós (professores) ganhamos nosso quarto, até a nossa casa construir. Até onde melhorou muito. Melhorou muito, mas eu fiquei, dois, três anos, não é? (Entrevistado Ta)
Os alunos eram japoneses que não dominavam nem o português nem o japonês. Filhos de carpinteiros ou empregados domésticos, profissões comuns entre os japoneses em São Paulo, com idades variadas (de 5, 6 anos até 14, 15 anos), que não trabalhavam a fim de ter tempo para estudar. O número de meninos e meninas matriculados era semelhante e utilizavam-se livros japoneses para o ensino. Esses livros eram adquiridos no Brasil, pois: "(...) tem loja japonesa, aí na Conde de Sarzedas e Conselheiro Furtado. Onde vende esse material, materiais japoneses... livro para ler... Aluno que comprava. Igual os que usavam lá no Japão" (Entrevistado Ta).
Havia classes de manhã e à tarde. De manhã as aulas duravam quatro horas e à tarde de duas a três horas. As aulas de português eram dadas por professores brasileiros, e enquanto uma turma aprendia o idioma japonês, a outra aprendia o português. Os professores levavam as crianças para passear no Parque da Aclimação, local onde se realizava o undôkai — tradicional festejo anual para se comemorar o aniversário do imperador.
A Escola Taisho não tinha, nessa época, qualquer contato com outras escolas da cidade, e, segundo um professor entrevistado, o governo não exercia controle sobre as atividades docentes. A escola parecia funcionar de acordo com seus interesses, ensinando o português, mas empenhando-se na transmissão dos conhecimentos pela língua japonesa. O controle mais efetivo sobre sua atividade vai se manifestar na década de 1930, durante o Estado Novo. Embora o governo japonês contribuísse esporadicamente, a manutenção da escola era realizada efetivamente pela população japonesa residente no bairro, com a contribuição mensal dos pais - que ajudava a pagar o aluguel do primeiro prédio - e o ordenado dos professores. "Tinha a Associação Auxiliadora de Escola Japonesa (mantida e criada por comerciantes, mais ou menos em 1922-1923). Os membros pagavam mensalmente 5 cruzeiros, 10, 20 cruzeiros, 50 cruzeiros. Aí, esse dinheiro que dava pra sustentar, pra pagar o professor" (Entrevistado Ta).
Não sabemos ao certo quantos alunos freqüentavam a Escola Taisho em seus dois prédios. O professor entrevistado afirma que "tinha oitenta e tantos", como já dito. As fotos que nos mostrou com alunos da primeira escola referem-se a uma turma masculina, composta por 28 meninos, e a outra feminina, com 21 meninas. Nas fotos referentes ao segundo prédio, duas são de turmas masculinas, e duas de turmas femininas. O professor não nos informou se eram classes que funcionaram no mesmo ano (ele não conseguia distinguir os contornos dos rostos, por problemas de visão). Nas fotos com as meninas, uma delas é de uma turma de 15, outra de 22 alunas; nas com os meninos, uma é de 24, outra de 18 alunos.
Outros entrevistados passaram pela escola quando crianças. Uma entrevistada que chegou ao Brasil em 1923 estudou na famosa Escola Taisho por menos de um ano, no final da década de 1920. Lembrava-se da professora dona Antônia, que ia embora a pé junto com ela para o bairro da Aclimação, e de que "a escola (...) era paga" (Entrevistada Mi).
Entre as entrevistadas temos uma senhora nissei (nascida em Promissão, em 1914, que não aprendeu o japonês porque seu pai achava que ela devia saber o português) que chegou a dar aulas nos anos de 1938-1939, nessa famosa escola, para alunos do 3º. ano que já sabiam falar o português. De acordo com essa senhora:
"A Escola Taisho seguia a linha dos Grupos (estaduais), mesmo porque de lá os alunos iam entrar no ginásio, ginásio comum. Lá só tinha o primário. (...) Então a gente tinha que seguir o programa de ensino que dava normalmente no ensino. E geralmente a gente conseguia. (...) Dava História do Brasil, como se todo mundo fosse brasileiro mesmo, só que... alguns faziam aulas de japonês. (...) Nós éramos quatro professoras brasileiras e depois tinha os professores japoneses, que davam aulas de japonês, eles seguiam o programa do Japão". (Entrevistada C)
[...]
No tocante aos professores das escolas japonesas, é necessário registrar que, no início, havia nas colônias poucas pessoas qualificadas para desempenhar tal papel; as que possuíam maior nível de escolaridade acabavam por exercê-lo. Alguns haviam cursado até o colegial no Japão ou eram os melhores alunos do ginásio. O professor, de acordo com Tomoo Handa, era cotado como "um intelectual que não consegue puxar uma enxada". Vale ressaltar que o salário recebido pelo professor era baixo e, portanto, atraía poucas pessoas (Handa 1987, Vários Autores, 1992). Handa informa que, com o patrocínio do Consulado Geral do Japão, foi fundada em 1927 a Zaihaku Nihonjin Kyoikukai (Associação Educativa dos Japoneses Residentes no Brasil), que em 1929 se transformou em Zai São Paulo Nihonjin Gakkô Fukeikai (Associação de Pais da Escola dos Japoneses Residentes em São Paulo). A partir daí o Consulado começou a convidar os presidentes e diretores educacionais dos núcleos, ocorrendo a liberação de subvenções para a construção de escolas.
Em março de 1936, após reformular seus estatutos, a Zai São Paulo transformou-se em Burajiru Nihonjin Kyoiku Fukyu-Kai (Associação de Difusão do Ensino de Japoneses do Brasil).
Religião
Um aspecto significativo na vida cotidiana – a dedicação às práticas religiosas –
não teve caráter público nos primeiros momentos da migração japonesa, seja no período
da migração voltada para o trabalho temporário, seja no dedicado à formação de
colônias. Constam mesmo algumas orientações do
governo japonês e de outras origens no sentido de controle de sinais externos dessas
práticas, como templos, considerando a predominância da religião católica no
Brasil.
As atividades mais evidentes, registradas na historiografia, dizem respeito a iniciativas católicas e protestantes. Em meados da década de 1920 atuam na Capital padres de origem japonesa. Já no começo da mesma década missionários protestantes iniciavam suas ações. "Em 1921, chegou à São Paulo, procedente dos Estados Unidos, o protestante Midori Kobayashi com o objetivo de desenvolver trabalho missionário. No dia 15 de maio do ano seguinte inaugurou a primeira escola dominical na Escola Taishô, então localizada na rua Conde de Sarzedas. Conseguiu reunir 50 pessoas. No centenário da Independência do Brasil tornou pública a declaração de fundação do 'Seishu Gijuku', uma instituição educacional cristã. Dois anos depois, também no Dia da Independência, fundou a Igreja de São Paulo." (UMA EPOPÉIA, 1992, p.570-671).
Data de 1923 o início das atividades da igreja episcopal em 1923 "quando o pastor Ysoji Ito reuniu sete pessoas, membros da Rikkô-kai (uma associação de promoção da emigração japonesa de inspiração protestante), na pensão Ueji, sita na rua Bonita, 11 ([Rua Tomás Lima])". Dois anos depois, o pastor Monobe da igreja Holiness, procedente do Japão, estabelece-se na Rua Bonita n.13 (idem, p.571).
Seria oportuno lembrar aqui o ensaio de Herbet Baldus e Emílio Williams, publicado em 1941, na
Revista do Arquivo Municipal: Casas e túmulos de japoneses no Vale do Ribeira de
Iguape. A análise das permanências e alterações dos padrões de moradias da colônia no
Vale do Ribeira de Iguape dedica um segmento sobre os enterramentos e túmulos da comunidade,
situação em que tais conflitos são mais relevantes.
Balanço provisório
Para finalizar este panorama delineado sobre os primeiros vinte e cinco anos da migração japonesa e sua
presença na cidade de São Paulo, destaquem-se dois ensaios de Oscar Egídio de Araújo publicados entre
1940 e 1941 na Revista do Arquivo Municipal. Araújo é apresentado como técnico de estatística da Sub-Divisão de Documentação Social e Estatísticas Municipais, setor que integrava o Departamento de Cultura. A este, estava subordinado o próprio Arquivo Histórico Municipal como Sub-Divisão de Documentação Histórica.
A relevância da escolha deve-se em parte por revelar uma atividade especializada desenvolvida então no âmbito do Departamento, por outro pela qualidade em traçar um quadro sobre o tema. São utilizados em ambos os artigos dados do censo paulista de 1934, com complementação eventual de levantamentos realizados pelo próprio setor.
Na edição de abril de 1941, da Revista do Arquivo Municipal, Araújo apresenta o artigo:
Latinos e não latinos no município de São Paulo. Nesse quadro, os dados para 1934 são úteis ao possibilitar a avaliação de modo consistente da presença nipônica.
Os japoneses representam, conforme o censo paulista de 1934, um total de 0,44% da população.
É então o grupo estrangeiro com maior concentração na zona rural, correspondendo a 37,73% da comunidade japonesa. Os portugueses, com 10,07% do total de sua colônia, apresentam o segundo maior índice de concentração na zona rural. Na região do Butantã os japoneses reuniam 15,6% da respectiva colônia, seguindo em escala decrescente os distritos de paz de Nossa Senhora do Ó (7,89%), Tucuruvi (5,57%), Itaquera (4,36%) e São Miguel (3,46%).
Na zona urbana, a distribuição, segundo os distritos de paz, indicava o índice de 23,01% na Liberdade, praticamente a metade do total de japoneses na zona rural que então é demarcada a oeste por Perdizes, a leste pelo Brás, ao sul por Vila Mariana e ao norte pelo Bom Retiro. Apenas Bela Vista e Sé apresentavam participações ao redor de quatro por cento do total da colônia.
Considerando o total de habitantes por distrito, os japoneses correspondiam a 2,10% da população da Liberdade, abaixo dos italianos e portugueses, respectivamente com 8,88% e 4,62%. A presença do grupo no distrito da Sé era menor com 1,6% do total de habitantes, bem inferior aos 11,57% dos indivíduos de origem síria.
Na zona rural, a comunidade japonesa corresponde então a 2,63% da população, apenas superados pelos italianos com 4,39% e portugueses, 7.87%. Apresentam maior presença em São Miguel, onde respondem por 7,10%. No Butantã representam 4,38%, em Itaquera, 3,20% e em Nossa Senhora do Ó, 2,14%.
É o primeiro artigo de Oscar Egídio de Araújo, editado em março de 1940, que traz uma análise detalhada sobre a região da Liberdade, em especial ao redor do núcleo de concentração original.
O artigo, intitulado Enquistamentos étnicos, publicado na Revista do Arquivo Municipal,
tem como foco "determinar o estado atual do melting-pot nacional, o grau de miscibilidade dos descendentes de indivíduos de nacionalidades estrangeiras representativas em nosso meio” (ARAÚJO,1940, p.227-228). A marca da eugenia, sinal do seu tempo, parece aqui de modo claro. Procura-se estudar quais as correntes migratórias que melhores contribuições tivessem a oferecer, maior grau de adaptação. No entanto, a leitura permite identificar um autor cuidadoso, ressaltando que apesar das pressuposições em relação a determinadas correntes, o período de chegada impediria uma avaliação correta.
Araújo estuda três áreas da cidade, onde começavam a se formar concentrações específicas: os "sírios" na região da Rua 25 de Março, os japoneses na Liberdade e os judeus no Bom Retiro. Sobre as duas primeiras regiões, o autor traça de início um quadro descritivo; sobre o último, talvez por estar em fase de formação, o estudo é mais trabalhoso.
Japoneses
Em São Paulo, o ponto de concentração de japoneses encontra-se localizado ao norte do distrito de paz da Liberdade, próximo do centro da cidade e do distrito da Sé. Como o trecho sírio, apresenta forma triangular limitada pelas ruas Conde de Sarzedas, Conde do Pinhal, Irmã Simpliciana, Estudantes e Glória e com tendência de alastrar-se literalmente pelas ruas Tabatinguera e São Paulo. No interior desse triangulo estão incluídas parcialmente as ruas Tomás de Lima (2 quarteirões) e Conselheiro Furtado (2 quarteirões) e, totalmente, as ruas Carolina Augusta, Oliveira Monteiro e João Carvalho. Ainda se encontra localizada no mesmo trecho, possuindo cerca de uma centena de moradias, a vila Conde de Sarzedas, de elevada densidade da população. Justamente por ser uma das velhas partes de São Paulo, este trecho apresenta numerosos becos, ruelas e vilas, alguns com nomes (travessas Ruggero, dos Estudantes, São Paulo e Amália Franco e vilas Estudantes e Suissa), outros sem nenhuma denominação. Apresentam largura
variável, ás vezes abaixo da dimensão aconselhável.
Mas a semelhança desta zona com a dos sírios não se restringe à forma. Está situada, como aquela, próxima
do centro comercial e é, em sua quase totalidade formada de prédios de construção antiga, o que facilita a
constituição de moradias coletivas. O comércio, neste trecho, é feito em geral por japoneses, emprestando
ao ambiente um cunho oriental bastante curioso. Ali são encontrados, com facilidade, produtos típicos,
como o 'Aji-no-moto' ou o 'Caril Shinyo', importados diretamente e toda sorte de bijuteria delicada e
interessante, que só o japonês sabe executar com tanta perfeição e habilidade. E os anúncios e as placas
dos estabelecimentos comerciais? Escritos, em parte, com os caracteres adotados no País do Sol Nascente,
emprestam ao ambiente um cunho especial. Aqui é uma tabuleta de uma pensão japonesa, ali de um hotel, acolá
de um barbeiro ou de um tintureiro. De tudo encontramos: quitandas, leiterias, confeitarias, marcenarias,
sapatarias, farmácias, livrarias e até casa bancária, sempre, com empregados e profissionais japoneses ou
filhos de japoneses. Houve época em São Paulo, em que a maior parte dessas casas comerciais apresentavam
suas placas escritas em japonês. Na atualidade algumas ainda ostentam a referência japonesa por baixo da
denominação em português. Em períodos de movimento intenso do dia – pela manhã, na hora do almoço e à
tarde – são muitas as fisionomias de traços orientais que vemos dirigirem-se para essa zona da cidade.
Até podemos pensar que estamos em algum trecho do simbólico Japão...
Deixando de lado a verificação 'olhométrica' da concentração referida, alguns fatos de fácil
comprovação poderão objetivá-la. Assim, nesse trecho, apesar de pequeno, estão localizadas duas
pensões (Yashima e Asami) e cinco grandes hotéis japoneses (Miyako, Suchiro, Iokiwa, Kiusku e Manpei).
Aí têm sua sede os jornais nipônicos 'Nippak Shimbun' e 'Nippon Shimbun' e, na rua
Irmã Simpliciana, mais de 80% dos comerciantes estabelecidos são japoneses ou filhos de japoneses. Talvez haja chineses residindo, também, nesse trecho da cidade. Uma só casa comercial, porém, faz referência na placa, de sua origem não japonesa: é a Tinturaria e Alfaiataria Chinesa. Quanto à população exclusivamente japonesa, residente nessa zona, pois, os filhos, nascidos aqui no Brasil, figuram como brasileiros, analisemos o quadro n.3 formado com dados do Censo Paulista de 1934 e da Sub-Divisão de Documentação Social e Estatísticas Municipais.
(ARAÚJO, 1940, p.236-238)
Antes de abordar o quadro n.3, tomemos o anterior, intitulado: Distribuição de nacionalidades
específicas e de brasileiros e estrangeiros, por porcentagens e distritos de paz (ARAÚJO, 1940, p.235). Note-se, como observação
inicial, a grande diferença em extensão dos distritos: Sé, com 11,87 hectares, e Santa Ifigênia, com 250,18 hectares.
Entre os quatros distritos centrais analisados, os japoneses representam 0,13% da população do distrito de Santa Ifigênia e 0,07% do Bom Retiro. Porém, atingem a cifra de 1,61% na Sé e 2,10% na Liberdade.
Chama a atenção o fato de que o distrito da Liberdade tem 37,47% de sua população formada por estrangeiros, superior aos 22,07% para o distrito da Sé, que inclui a concentração "síria" estudada.
A distribuição dessa população estrangeira indica, para o distrito da Liberdade, os maiores percentuais para os italianos – 8,87% do total e portugueses, 4,62%. Seguidos pelos japoneses com os já mencionados 2,10%, superam estes os espanhóis (1,33%) e alemães (1,18%).
A distribuição para o distrito da Sé mantém a mesma ordem, salvo a alta concentração "síria" com 11,57%, para os italianos e portugueses. Apenas os alemães superam os japoneses com 1,67 frente a 1,61%. Os espanhóis representam 1,30%.
A análise apresentada no quadro 3 (ARAÚJO, 1940, p.238), intitulado Área e população dos quarteirões
do distrito da Liberdade que apresentam mais de 85 de japoneses, é surpreendente.
Utilizando dados da Sub-Divisão de Documentação Social e Estatísticas Municipais, revela-se em números a impressão visual de Araújo em visita ao local: apenas um quarteirão, formado pelo quadrilátero Conde de Sarzedas, Tomás de Lima (Thomás Ribeiro de Lima), Santa Luzia e Conselheiro Furtado, indica um percentual de 35,37% da população formada por japoneses (não incluindo seus descendentes nascidos no Brasil). A mesma quadra registra ainda a presença de 2,04% de outras nacionalidades na população total de 147 indivíduos.
Seguem-se quatro quarteirões com participação entre 18,37 a 12,57% de japoneses em uma população de 3.957 indivíduos. Enfim, no conjunto de sete quarteirões analisados, com 4.701 habitantes ocupando 18,93 hectares (frente ao total geral do distrito da Liberdade de 47.246 habitantes), residem 70% da comunidade nipônica daquele distrito.
O artigo traz o mapa de Distribuição ecológica de japoneses por quarteirão e curvas isométricas, apresentando em curvas de níveis que delimitam áreas de igual concentração. As curvas permitem em parte uma interpretação mais rápida dos dados. Identificam-se claramente as zonas de maior concentração da colônia ao longo da Rua Conde de Sarzedas.
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