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1940, São Paulo: um mapeamento desconhecido
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Em 16 de maio, às 11 horas, anuncia a imprensa local, Adhemar de Barros (1901-1969), então interventor estadual, está no campo de aviação de Renato Pedroso
como figura de destaque da “cerimônia inaugural dos Serviços Aerofotogramétricos do Estado de São Paulo, instalados com a colaboração do Ministério da Agricultura”.
O evento presidido pelo interventor, com presença de José Levy Sobrinho, secretário da Agricultura do estado e demais autoridades, além de Renato Pedroso, diretor da escola de aviação a que deu o nome,
surge em fotos no Correio Paulistano, do dia seguinte, na primeira página. Aqui a multidão posa diante do grande avião Stinson. Adhemar, médico e aviador, está também em outra imagem junto ao
avião, atento ao aparelho.
Depois de examinar o 'Stinson' em que foram instalados os aparelhos destinados ao serviço de aerofotogrametria e de receber as explicações solicitadas ao piloto do avião,
fornecido pelo governo do Estado, e ao fotógrafo-técnico, enviado pelo Ministério da Agricultura, srs. Henrique Natividade e José Paulo de Barros, o sr. Interventor dr. Adhemar de Barros
declarou inaugurados os serviços, solicitando dos seus executores que desempenhassem a missão que lhes estava sendo confiada com o mesmo zelo com que se
tem havido nos trabalhos que já realizaram, e com a eficiência que todos esperam de sua competência e dedicação.
(Foram inaugurados, ontem, os serviços aerofotogramétricos do Estado. Correio Paulistano, 17 de maio de 1940, p.1)
O jornal O Estado de S. Paulo, na edição do dia do evento, registra os "objetivos do novo serviço":
A Secretaria da Agricultura deste Estado para fins de levantamento da carta de S.Paulo, entrou em entendimentos com o Ministério da Agricultura e mais diretamente, com a
Divisão de Águas do Departamento Nacional da Produção Mineral, onde já existe instalado um gabinete aerofotogramétrico, com o propósito de instalar nesta capital o serviço em questão.
A parte de cooperação do Estado consiste em fornecer o avião e o piloto, dar a sua manutenção e a operação, ao passo que ao Ministério caberá fornecer o operador fotográfico e as diretrizes
de ordem técnica.
(Noticias diversas/Inauguração dos Serviços Aerofotogramétricos de São Paulo. O Estado de S. Paulo, 16 de maio de 1940, p.7)
Adiante o articulista precisa a natureza da "carta de S.Paulo". Fruto do acordo entre o Ministério da Agricultura e a Secretaria de Agricultura do estado, o levantamento tem a finalidade
de instrumentalizar ações de apoio à agricultura no estado.
... as primeiras zonas a serem fotografadas serão aquelas onde mais se acentue o desenvolvimento agrícola, pois muito mais
fácil se torna aí a tomada dos pontos no chão, para a devida aplicação do método fotogramétrico. Serão, pois, relegadas para o fim do trabalho as zonas muito revestidas de florestas,
a não ser que sejam requeridas, dessas regiões, fotocartas ou reconhecimentos, para usos mais immediatos.
A cooperação entre os governos federal e estadual está clara. Feita o levantamento, os filmes são...
... expedidos para o Rio onde será procedida a revelação e cópia pelo gabinete fotogramétrico do Ministério da Agricultura. As cópias serão então enviadas ao Instituto Geográfico e Geológico
para a confecção de um mosaico e identificação dos pontos no terreno. Cabe, então, a esse Instituto a tomada dos pontos no terraço, necessários ao processamento da restituição
que é feito (sic) no Ministerio da Agricultura.
A camara usada nesses levantamentos é a camara Zeiss, grande-angular, com 10 centímetros de distância focal. Essa câmara apanha na altitude de 3.000 metros uma área de terreno contida
num quadrado de mais de cinco quilômetros de lado. As especificações técnicas para o voo são feitas de acordo com os objetivos do Instituto Geográfico e Geológico do Estado de São Paulo e
seguem também as decisões das características adotadas para a cartografia do país, em vias de serem estabelecidas pelo Instituto de Geografia e Estatística.
Sobre o andamento da empreitada, porém; nada se sabe. Quase certo a base operacional é o campo de aviação de Renato Pedroso. Estabelecido em 1925, parece ter atuado basicamente na formação
de pilotos civis, como ainda referenciado em 1939 – Escola de Aviação Civil Renato Pedroso (cf. Diário Oficial da União, RJ, 8 de setembro de 1939, Seção 1, p.42). Consta
ainda que Pedroso trabalha, sem período conhecido, como piloto privado do empresário de comunicações Assis Chateaubriand (1892-1968).
Sobre o piloto – Nestor Henrique Moraes Natividade – é fundamental apontar sua futura associação duradoura com a aerofotogrametria.
Sabe-se que em março de 1939, já atua como diretor técnico do novo
Aéro-Clube de Poços de Caldas, iniciativa presidida por Walter Moreira Salles. (Inicia suas atividades o Aéro-Clube de Poços de Caldas. Folha da Manhã, SP, 16 de março de 1939, p.4).
Segundo depoimento de seu filho – Ruy Natividade –, na década de 1940 funda a Sociedade Construtora Aeronaútica
Itapema Ltda, oficialmente em 1943, para construir planadores e um avião tipo Piper Club de
dois lugares. (cf. depoimento do filho, em 6 de novembro de 2001, ao site Aventureiros do Ar, disponível em:
<http://aventureirosdoar44.blogspot.com.br/2009/07/anos-dourados-do-aero-clube-de.html>,
acesso em: maio de 2015)
Henrique Natividade, engenheiro civil, registra em 1954 a Aerofoto Natividade Ltda. Será através da atuação nesse setor que terá êxito a longo prazo. Parte de sua produção pode ser encontrada em vários acervos
especializados paulistanos. Em 1967, muda a constituição da empresa, adotando a forma Aerofoto Natividade S/A. Então a sociedade mantem um hangar em Congonhas
e escritórios com equipamentos aerofotogramétricos.
(Ineditorais/Aerofoto Natividade S/A. Diário Oficial de São Paulo, 8 de dezembro de 1967, p.19-20)
De volta à São Paulo: 1940
Etiqueta de identificação por folha
Sobre o levantamento da "carta de S. Paulo" iniciado em meados de 1940, não se tem mais notícia. Exceto nota anterior, em 10 de março, quando Departamento de Aviação Civil encaminha consulta
ao chefe do Estado Maior do Exército sobre autorização solicitada para o serviço pelo Ministério da Agricultura, conforme a legislação vigente, nada mais consta aparentemente na imprensa. Apenas a nota
confirma a cooperação com o Serviço Geológico e Geográfico do Estado. (Aviação/Levantamento aerofotogramétrico do Estado de S. Paulo. O Estado de S.Paulo, 10 de março de 1940, p.7)
Numa primeira consulta online a acervos de unidades envolvidas como DNPM ou Instituto Geográfico e Cartográfico – IGC (que sucede o Instituto Geográfico e Geológico)
não foi possível localizar eventuais conjuntos de imagens ou pranchas impressas
relacionadas a este voo. Seria oportuno, como futuros caminhos a explorar, registrar a origem daqueles parceiros.
Conforme histórico institucional no site da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica (disponível em: <http://www.aneel.gov.br>, acesso: maio de 2015), já em 1920 é criada uma
Comissão de Estudos de Forças Hidráulicas, no Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, órgão do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Uma década após, em 1933, com a reestruturação
daquele Serviço é instituída uma Diretoria de Águas, depois transformada em Serviço de Águas.
No ano seguinte, é criado o Departamento Nacional da Produção Mineral – DNPM, que engloba o Serviço de Águas. Em 1940, o Serviço Geológico e Mineralógico é transformado na Divisão de
Geologia e Mineralogia e o Serviço de Águas torna-se a Divisão de Águas em questão, envolvida no levantamento da "carta de S. Paulo". Em 1961 o DNPM é transferido da esfera do ministério da
Agricultura para o de Minas e Energia, recém-criado. Três décadas depois, ainda vinculado a este ministério, em 1994, o departamento torna-se uma autarquia.
A historiografia e o portal
Sobre o resultado da parceira firmada em 1940 não há referência conhecida na historiografia urbana paulistana. Grandes marcos como o mapeamento realizado em 1930 pela SARA Brasil e em 1954 pelo consórcio
VASP Cruzeiro, conforme as datas dos voos, geraram conjuntos amplos de mosaicos e pranchas impressas em diversas escalas, com tiragens expressivas. Certamente, este aspecto é
fundamental para explicar, num primeiro momento, a falta de referência ao mapeamento em questão. Outros fatos justificam essa omissão.
Se por um lado a iniciativa não era conhecida no campo historiográfico, uma ocorrência recente deu visibilidade ao conjunto. Através do portal intranet do Mapa Digital da Cidade de São Paulo
– MCSP (disponível em: <geosampa.prodam>), foi disponibilizado em 2014 um mapeamento da cidade realizado em 1940. Rapidamente, o levantamento, junto com os dois marcos referenciais
1930 e 1954, vem se tornando instrumento de apoio nas áreas de fiscalização e controle urbano. No entanto, os metadados associados não indicavam a fonte produtora.
No processo de difusão da edição nº37, do ,
em dezembro de 2014, dedicado à aerofotogrametria aplicada como instrumento de apoio à gestão urbana, no contexto brasileiro, na década
de 1920, ocorreu essa descoberta. Através do apoio de diversos técnicos envolvidos na gestão do MDCSP, foi possível localizar o material remanescente, agora sob a guarda da SVMA – Secretaria do
Verde e Meio Ambiente.
Imagem integral da folha 080, cobrindo a área central da cidade de São Paulo,
com destaque para as regiões de Santa Cecília e Bom Retiro, e, ao norte, a várzea do Rio Tietê.
Com formato 18 x 18 cm, a imagem, que está reproduzida acima de ponta-cabeça, obedecendo ao plano de voo em faixas verticais, aqui em sequência descendente, traz 3 marcadores.
Primeiro, à esquerda (na posição da tomada), no mostrador circular, um relógio;
no lado oposto, o número da chapa, e na parte inferior (aqui, superior), um segundo mostrador circular, com dados não identificados.
Nas bordas dos negativos, ao centro de cada lateral, as marcas fiduciais (ou marcas de colimação) permitem identificar rapidamente o centro do registro.
MA-DNPM-DA
Acervo SVMA
Um primeira avaliação do conjunto permitiu identificar o estado do conjunto, estabelecer a autoria e propor hipóteses sobre a empreitada.
O lote formado por 303 fotos numeradas, sequenciadas sem lacunas, cópias preto e branco no formato
18 x 18 cm, apresenta etiqueta no verso de todas as imagens.
Ela revela dados essenciais como data e altura de voo, embora omita a escala, e a produção pelo Ministério da Agricultura – D.N.P.M. – D.A.
(Departamento Nacional de Produção Mineral – Divisão de Águas).
Mosaico do levantamento de 1940 disponível no MDCSP
Observe que a cobertura não incluiu a região de Santo Amaro,
reincorporada à capital em 1935. O portal permite o download de
98 fotos aéreas, parte do conjunto remanescente.
Disponível via intranet: geosampa.prodam
Esses dados possibilitam estabelecer com alguma segurança a associação imediata à parceria com o governo do estado de São Paulo, cuja cerimônia em 16 de maio de 1940 fora registrada pela imprensa.
Fato curioso é que o artigo referenciado no início, em O Estado de S. Paulo, de 16 de maio de 1940, à página 7, data do evento, já menciona, de forma "torta", que o voo geraria 300 fotos na cobertura.
Estabelecidas uma data, uma parceria ... resta perguntar em que resultou a iniciativa. Destinada ao mapeamento de áreas agrícolas, seu voo inaugural teria gerado um mapeamento da capital. Como mencionado,
numa primeira investigação não foi possível identificar cartografias impressas ou fotomosaicos derivados desse levantamento, seja da capital, seja do interior do estado.
Estado atual do conjunto remanescente, arquivado em pasta plástica,
como recebida em 2004 em transferência da SIURB
(Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras).
As 303 imagens estão organizadas em lotes de 50 imagens cada,
sequenciadas, presas com fitas de papel sulfite.
Em bom estado de conservação, apesar do armazenamento,
as imagens apresentam raras marcas de dobras nas extremidades.
O conjunto, eventualmente cópias de época, permite recuperação de dados,
mas exige novas condições de guarda.
Acervo SVMA
Uma hipótese para futuras investigações pode ser apresentada a partir da leitura da imprensa da época. Adhemar de Barros, interventor empossado em maio de 1938, diretamente envolvido na inauguração
dos serviços em parceria, parece ter tentado implementar uma ação de mapeamentos aerofotogramétricos com parceria federal, embora o estado de São Paulo já tivesse em andamento ações próprias no
setor. A envergadura da cobertura proposta pode também ter excedido às condições efetivas de produção da Divisão de Águas/DNPM, ou ainda implicado em conflito com a parceria local no processamento
através do Instituto Geográfico e Geológico.
Em 2 de março de 1940, como exemplo das ações estaduais, nota publicada pela Procuradoria do Patrimônio Imobiliário e Cadastro do Estado, anuncia prazo até 16 do mês corrente para apresentação
de propostas para levantamentoa aerofotogramétrico do litoral sul do estado (cf. Procuradoria... O Estado de S. Paulo, 2 de março de 1940, p.9). O plano, que previa a produção de mapa topográfico
e cadastral, já fora autorizado pelo decreto nº 10.937, do interventor Adhemar de Barros, em 12 de fevereiro (cf.Diário Oficial do Estado, 14 de fevereiro de 1940, p.1-4). Meses depois, o jornal
O Estado de S.Paulo, em 27 de novembro, à página 3, informa sobre despacho do interventor no dia anterior autorizando o início do levantamento aerofotogramétrico do Vale do Ribeira do Iguape, área
conexa à anterior.
Levantamento aerofotogramétrico - Município de São Paulo: 1940
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voo
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junho de 1940
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escala
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1:20.000 (atribuída)
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altura do voo
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2.690 metros - nível do mar
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cobertura
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parcial do município de São Paulo
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imagens
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cópias fotográficas PB (18 x 18 cm)
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total de imagens
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303 numeradas, sequenciadas, com etiqueta no verso registrando dados de produção; exceto escala, determinada posteriormente pelos técnicos de SVMA
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produção
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Consórcio Ministério da Agricultura - D.N.P.M. - D.A. / Departamento Nacional de Produção Mineral - Divisão de Águas em parceria com governo do estado de São Paulo, conforme cobertura jornalística do período
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acervo original
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SIURB (sucedendo SVP)
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localização presente
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SVMA
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Marco auxiliar: novas perspectivas
Muito há a investigar sobre a iniciativa realizada em 1940. Confirmar efetivamente a parceria, identificar eventuais produtos finais como mosaicos e, no limite,
se a empreitada teve continuidade.
Ainda que interrompida eventualmente, o conjunto resultante apresenta-se como marco importante entre os dois conjuntos realizados em 1930 e 1954. Como reforço
à hipótese sobre o caráter inconcluso pode-se apontar o fato que a cobertura apresenta problemas de cobertura no trecho sobre a zona leste da cidade.
Embora as 303 imagens não apresentam lacunas, quase certo por erro de navegação, em si usuais nesse gênero de produção, geraram sobreposições entre as faixas verticais,
repetindo a cobertura em certas áreas, o que estabeleceu zonas territoriais sem cobertura.
Em condições normais de trabalho essas lacunas (gaps) seriam refeitas imediatamente após checagem. A ausência parece confirmar a interrupção do serviço. Mais uma vez vale reforçar
a importância do conjunto. Finalizamos essa nota com breve seleção de imagens que trazem marcos urbanos importantes do período, ações que marcam a paisagem e estrutura
da área central, bem como revelam aspectos que desapareceram como o hipódromo da Mooca e, em especial, uma cidade marcada pelos meandros dos seus rios.
Ricardo Mendes
Pesquisador do
Núcleo de Produção Editorial/SPD/AHSP
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Para citação adote:
MENDES, Ricardo. 1940, São Paulo: um mapeamento desconhecido.
INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO, 11 (38): ago.2015
<http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>
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