PMSP/SMC
São Paulo, agosto de 2015
Ano 11 N.38 

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  • NOTÍCIAS
  • George Nelson-Smith (1894-1979)
    um empreendedor da aviação nas décadas de 1920 a 1940




    Na edição 37 do Informativo AHSP, dedicada ao uso da aerofotogrametria como instrumento de apoio para o planejamento urbano nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo na década de 1920, um breve comentário sobre o desenvolvimento da aerofotogrametria nos anos seguintes faz referência ao papel e espaço de atuação de pequenos empreendedores no setor. Mencionado como exemplo, estava George Nelson-Smith. (+)

    Além dos seis levantamentos aerofotogramétricos mencionados naquela edicão, realizados para a empresa canadense Light & Power em São Paulo entre 1928 e 1938, pode-se ampliar hoje esse conjunto para um total de 15 voos entre 1928 e 1941. Essas empreitadas, todas preservadas no acervo da Fundação Energia e Saneamento – FPHESP, cobrem áreas de atuação da companhia no período entre elas trechos da Serra do Mar, que abrigam reservatórios como a Billings, ou o Rio Pinheiros (este com 4 voos, entre 1933 e 1941).

    Com o lançamento daquela edição ao final de dezembro de 2014, a difusão do Informativo AHSP permitiu o contato com descendentes do aviador e assim recuperar informações adicionais sobre sua trajetória. A primeira surpresa foi descobrir a atuação de três gerações da família Nelson-Smith na aviação ao longos dos últimos cem anos. O breve panorama agora apresentado é resultado da entrevista com seu neto George Calvet Nelson Smith (RJ, 1960) em 18 de março, também ele aviador profissional, atuante de início na VARIG e hoje na Korean Air, na rota Incheon (Seul)-Viracopos.


    Anos de guerra: o contato com a aviação

    De origem inglesa, nascido em 29 de agosto de 1894 (cf Birth Certificate; 25 de julho, em brevê), George Nelson-Smith é filho de Florence Annie Smith (Law, como sobrenome de solteira) e George Nelson Smith. Recebendo o mesmo nome de batismo do pai, surge aí a dificuldade atual de recuperar informações sobre cada geração. Do nome composto Nelson-Smith, quase certo o hífen indica a união de dois troncos familiares. O pai era mestre marinheiro, depois capitão mercante. O jovem George é criado na Inglaterra, mas nos anos seguintes seu pai acaba por se radicar no Brasil, em São Paulo, antes da I Guerra Mundial, embora outros parentes tenham se fixado no Rio de Janeiro.

    Sobre a atuação do pai nos primeiros anos no país, nada se sabe. Artigo na imprensa, em O Estado de S.Paulo, de 10 de janeiro de 1899, à página 2, reproduz carta enviada por Herman von Ihering (1850-1930), primeiro diretor do Museu Paulista, que faz menção a um importador "Jorge Nelson-Smith". No texto, intitulado A lavoura e os insetos nocivos, o cientista elogia atitude do negociante ao enviar para sua análise amostras de videiras vivas, importadas dos EUA, por duvidar da certificação norte-americana quanto à ausência de pragas que abalaram a produção do gênero no último quartel do século XX. Se o comerciante seria o pai nada se pode afirmar, mas duas décadas após é possível localizar outro G. Nelson Smith como representante no Rio de Janeiro da William Pearson, Ltd, com sua afamada Creolina Pearson e as linhas de antissépticos e inseticidas de "extraordinário valor", que expunha em novembro de 1922, na Exposição Agro-Pecuária realizada em São Cristovão (cf. Os produtos 'Pearson'... Vida Doméstica, RJ, ano III, nº 35, 31 de novembro de 1922, p.35).

    Com a eclosão da I Guerra Mundial, George, em seus 20 anos, decide servir no exército inglês. Viaja, indo ingressar numa escola de oficiais. Já no conflito, atende a anúncio procurando oficiais para atuar em voos como observador, procurando se afastar assim do perigoso combate nas trincheiras. Entra para o 22º esquadrão, atuando na fronteira francesa, quando começa a prática em fotografia aérea. Mais tarde, ingressa no 33º esquadrão onde se forma com piloto. Seu neto conserva ainda hoje a caderneta de voo daquele período – o logbook, diário de bordo que registra o histórico de voo, com modelo da aeronave, duração, altitude...

    Glimpses of war

    Capa do livro de memórias Glimpses of War
    dos aviadores Gordon Fox Rule e Georgen Nelson-Smith.

    Coleção George Calvet Nelson-Smith


    Desse período constam memórias publicadas em livro. O neto menciona como principal referência George Nelson-Smith: memórias de um inglês das Arábias, publicada pela editora carioca Guia Aeronáutico, provavelmente na década 1970, empresa sobre a qual falaremos adiante. A edição registra a experiência da guerra e traz imagens sobre atuação na aviação. Do único exemplar localizado, em posse da família, não foi possível ainda a consulta mais demorada.

    Outra publicação, do mesmo editor, lançada em 1979, enfoca estritamente a I Guerra: Glimpses of war, 1914-1918 fighting in France with infantry and air force (Imagens da guerra, 1914-1918 combates na França com a infantaria e a força aérea). Com autoria de G. Nelson-Smith e Gordon Fox Rule, o livro, em 100 páginas, traz experiências muito próximas, de migrantes de origem inglesa, radicados em São Paulo, que retornam para servir na guerra.

    Do exemplar localizado no Imperial War Museum, na Inglaterra, constam na ficha catalográfica apenas os dados sobre Gordon Fox Rule. Sobre outro exemplar localizado no site de vendas – Abebooks (<www.abebooks.fr>, em abril de 2015), consta resumo mais consistente. Os autores surgem então como dois pilotos da RFC – Royal Flying Corps, sigla que antecede a RAF criada em 1918.

    George serve primeiro na Artist Rifles, depois no nono batalhão, e no King's Liverpool Regiment. Atuou na região do Rio Somme, na França, palco de importantes batalhas. Transferido para o 22º esquadrão da RFC, George atua inicialmente como observador para o Major J. A. McKelvie num caça Bristol, tornando-se mais tarde piloto na defesa (Home Defence). O capitão Gordon Fox Rule, por sua vez, alistou-se na RFC como cadete, servindo no 49º esquadrão, quando voa nos bombardeiros Airco DH.4 em vários missões no ano de 1918.

    Fox Rule (São Paulo 1898-1987), que será homenageado mais tarde em logradouro na cidade de São Bernardo do Campo (cf. lei municipal nº 3.077, 1 de junho de 1988), recebeu as medalhas Distinguished Flying Cross e French Croix de Guerre. Desliga-se da RFC em 1921. Filho de pai brasileiro e mãe inglesa, Fox Rule fora educado na Inglaterra.

    O exame, porém, das duas fontes, revela que se trata de uma única publicação reunindo os dois relatos, sob o título Glimpses of war, do qual o exemplar existente no Imperial War Museum não traz o segmento dedicado a Nelson-Smith. As imagens aqui reproduzidas apresentam a capa da edição e a página do segmento dedicado a este piloto.

    Glimpses of war

    Página do livro de memórias Glimpses of War,
    no segmento dedicado ao "inglês das Arábias": Georgen Nelson-Smith.

    Coleção George Calvet Nelson-Smith


    Como os casos narrados na edição 37 do Informativo AHSP, sobre os irmãos Robba e os Nistri, a I Guerra foi o momento para George Nelson-Smith de contato com a aviação, área em que permanecerá ativo no segmento comercial, direta ou indiretamente, por três décadas. Após o final do conflito soube por seu comandante que haveria treinamento para atuação em voos comerciais, oportunidade que surgia então. Não conseguiu, contudo, vaga. Obtem então uma representação no Brasil de uma empresa inglesa de tintas como também de produtos para navegação marítima.


    De volta ao Brasil

    Não é possível precisar quando retorna ao Brasil. Além da homonímia com o pai, o nome Nelson Smith é localizado na imprensa, sem qualquer possibilidade de associação, nas notas de chegada e partida de navios ou trens no intervalo entre 1920 e 1930. Data deste ano, a única referência segura, quando o jornal Diário Nacional, de São Paulo, registra a chegada no dia 2 de julho, em Santos, do "aviador inglês George Nelson Smith" (Chegaram do Rio pelo 'Araranguá'. Diário Nacional, 3 de julho de 1930, p.2). Um mês depois, em 9 de agosto, outra nota indica a chegada do "aviador Jorge..." ao Rio (Chegou do Sul o 'Pará'. Diário da Noite, RJ, 9 de agosto de 1930, p.2).

    Da representação da firma inglesa de tintas não há menção. Em 1926, porém, sem confirmação de ser a mesma pessoa, consta o registro na Junta Comercial, no Rio, da Sociedade Supplemento Semanal Illustrado Limitada, tendo George entre os sócios solidários: Percy James Mc Kellen, John Edgar Glover, Charles Clifford Gill, Mauricio Werner, Vernon Aubrey Moore, William Grant Stevens e Walter Devereux Hickman. Com sede à Av. Rio Branco nº 69 e 77, a empresa tinha com objeto a publicação de um jornal (Junta Commercial. O Jornal, RJ, 26 de outubro de 1926, p.11; [s.t.] Diário Oficial da União, RJ, 31 de outubro de 1926, 1ª Seção, p.43/19827).

    Segundo depoimento de seu neto, acima mencionado, desde seu retorno porém, Nelson-Smith já atuava no segmento de aerofotogrametria. Teria trabalhado então para firma inglesa, que devido à falta de pagamentos de seus contratos, acabaria por cessar as atividades no Brasil. A hipótese de ser aquela firma a empresa The Aircraft Operating Company, que em 1928 iniciara a produção do levantamento da capital federal analisada da edição anterior deste Informativo, seria plausível, como veremos mais a frente.

    Certa é sua atuação em julho de 1928, em São Paulo, onde presta serviço para a Light & Power. No acervo custodiado hoje pela Fundação Energia Saneamento constam 15 levantamentos até 1941. Sempre pontuais, metade deles cobre áreas inferiores a 100 km2; os demais atingem áreas de até 540 km2, ambos os conjuntos com escalas entre 1:5.000 e 1:10.000. Além da cobertura realizada em 1928, na Serra do Mar, nove foram realizados no período entre 1930 e 1933. Apenas a partir de 1938, surgem novas empreitadas num total de cinco. Todas as coberturas com registros no acervo incluem negativos.

    Como mencionado no Informativo AHSP, em 1931 identificação em imagens indica como seu endereço: Rua Augusta nº 462-A (FPHESP: ELE.GEO.AER(S22)). Em outro levantamento, realizado em 1932, sob a logomarca piramidal formada pelas iniciais GNS consta nome do piloto J.D. Camargo, em Santos (FPHESP; ELE.GEO.AER(S24)). O trabalho em parceria, mais do que indicar a necessidade de colaboração, parece trair, frente a outras fontes documentais, a pressão que a legislação imporá impedindo a atuação de estrangeiros no setor. Sobre a cidade de Santos, referência que surge também em outros voos, consta a doação em 2006 de "planta aerofotográfica da Cidade, de pouco mais de um metro quadrado", em escala 1:7.000, sem data, produzida por Nelson-Smith, ao acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos (Últimas notícias. Fundação Arquivo e Memória, site, 3 de novembro de 2006).

    Etiqueta do mapeamento 'Planta Aero-Photographica da cidade de Santos

    Etiqueta da Planta Aero-Photographica da cidade de Santos.
    Escala 1:7.000 (s.d.)

    Acervo FAMS
    foto: George Calvet Nelson-Smith


    O levantamento realizado em Santos revela elos importantes. A etiqueta registra a participação de E. J. McAthy como especialista em fotogrametria. Esse dado permite uma primeira datação para essa cobertura, possivelmente início da década de 1930. Ernest J. Mc.Athy, tenente da armada britânica, chega ao Rio em 1928 para atuar como chefe (business manager) do mapeamento da Capital Federal, realizado peal Aircraft Operating Company. Isso permite confirmar num primeiro momento a colaboração de Nelson-Smith em alguma fase dessa empreitada como indica o depoimento de seu neto. Além disso, surge ainda o endereço em São Paulo, comercial quase certo: Rua Guaianases nº 67A.

    De forma sintética, Nelson-Smith registra sua produção em aerofotogrametria nas suas memórias, acima mencionadas:
      SERVIÇOS DA LIGHT E CIA CITY
      Fiz muitos serviços aerofotográficos em São Paulo, incluindo a primeira planta de Santos, e todos os serviços da Light no planejamento das Represas, e do projeto de captação das águas da Bacia do Rio Claro. (...)
      Também fiz serviços aerofotográficos para a Cia. City, (imobiliária) de São Paulo.


      NELSON-SMITH, Opus cit., n.p.
    Os serviços realizados para a Light & Power, contratante importante, acabaram por constituir um portfólio de apresentação. Entre a documentação familiar, em carta – "a quem possa interessar" –, sobre papel da empresa, datada de 7 de junho de 1934, o engenheiro-chefe W. Zeigler atesta que Nelson-Smith realizara mosaicos e fotos oblíquas para a companhia nos últimos 3 anos.


    Na vida pessoal, Nelson-Smith é pai, em [1931], de seu primeiro filho Robert Victor Nelson-Smith, que atuará também no segmento aeronáutico, no setor de infra-estrutura, como despachante operacional de voo – DOV, no Brasil e nos Estados Unidos. A esposa do piloto morreria no segundo parto, junto com a filha, poucos anos após. O filho único será o primeiro DOV no Brasil, categoria profissional responsável pelo planejamento de voo.

    Ainda no período, em 1932, Nelson-Smith colaborou na Revolução Constitucionalista. A frota de aeronaves da Força Pública do Estado fora confiscada após o conflito revolucionário de 1930. Em 18 de dezembro daquele ano, uma dia após comemorar 17 anos de existência, a unidade aérea da Força Pública do Estado fora extinta por Getúlio Vargas. Em 15 de julho de 1932, ressurge como Grupo Misto de Aviação – GMAP, da Força Pública, de vida curta, sendo extinta em 8 de outubro seguinte.
      A Aviação Constitucionalista possuía, no início da Revolução, dois aviões Potez25 T.O.E; dois WACO C.S.O.; um Nieuport-Delage 72, o qual havia sido trazido do Campos dos Afonsos, no Rio de Janeiro, pelo Capitão Adherbal da Costa Oliveira, que aderiu à causa paulista, conseguindo ludibriar a vigilância naquele Campo e que recebeu o nome de NEGRINHO, além de aviões De Havilland Moth, pertencentes inclusive a aviadores civis, como Irahy Corrêa e Nelson Smith e diversos outros, operacionais ou não.

      BASTOS, Expedito Carlos Stephani. Aviação paulista na Revolução Constitucionalista de 1932: luta aérea nos céus do Brasil. Juiz de Fora: UFJF/Defesa, [s.d.].
      Disponível em: <http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/AV1932.pdf>.
      Acesso em: 9 de abril de 2015.


    1935-aviadora Jean Batten no Rio

    Em 1935, novembro, durante seu raid através do Atlântico rumo a Buenos Aires,
    a aviadora australiana Jean Batten fez pouso forçado perto de Araruama (RJ) com seu Percival 'Gull'. George Nelson-Smith, como representante da firma construtora do aparelho, esteve presente na partida para a Argentina realizada no Campo dos Afonsos.
    Na foto, George é provavelmente o segundo homem da esquerda para direita.

    Jean Batten deixou o Rio. O Globo, RJ, 25 de novembro de 1935, p1.
    Veja também: O Globo no rancho onde dormiu Jean Batten.
    O Globo, RJ, 16 de novembro de 1935, Matutina, Geral, p.3


    Através da imprensa é possível, de forma indireta, registrar a produção do aviador no setor de aerofotogrametria. Em 11 de março de 1933, por exemplo, o protocolo geral do Ministério da Viação e Obras Públicas indica o pedido n.370 para autorização do "cidadão inglês G. Nelson Smith encaminhado pelo Departamento de Aeronáutica Civil – DAC (nº 2.448-33)". O registro na imprensa não revela o cliente ou o local do levantamento (Ministério da Viação e Obras Públicas/Protocolo geral. Diário Oficial da União, RJ, 17 de março de 1933, Seção 1, p.45/ 5309).

    Tudo indica que Nelson-Smith teve problemas efetivos com a demora das autorizações. Em maio de 1933, tem seu avião recolhido durante a realização de serviço aerofotogramétrico para a Secretaria de Aviação (sic, provavelmente Agricultura) do Estado de São Paulo. Seu pedido de retomada de posse para reiniciar os trabalhos seria negado pelo Ministro da Guerra (Não conseguiu a posse do avião. A Noite, RJ, 31 de maio de 1933, p.8).

    Ainda em 1933, em 9 de setembro, Nelson-Smith pede autorização "para que os Srs. José Daniel de Camargo e José d'Ascola possam tirar fotografias aéreas no avião Moth Giqsy I, matricula PP-Tam". Camargo já fora citado acima em levantamento para a Light & Power. Em 1937, Nelson-Smith tem contrato para fornecimento de "material aerofotogramétrico" ao S.I.R.C. – Serviço de Irrigação, Reflorestamento e Colonização (Ministério da Agricultura). (cf. Departamento de Aeronautica Civil. Diário Oficial da União RJ, 11 de setembro de 1933, Seção 1, p.24/17784; Ministério da Agricultura. Diário Oficial da União, RJ, 12 de janeiro de 1937, Seção 1, p.27/931; Ministério da Agricultura. Diário Oficial da União, RJ, 21 de janeiro de 1937, Seção 1, p.28/1716).

    A pressão sobre os profissionais estrangeiros na aviação na década de 1930 parece crescente. Em 1936, em posse do brevê emitido no dia 29 de novembro pelo Aero Club Brasileiro, representante da Fédération Aeronautique Internationale, como "piloto aviador civil", Nelson-Smith solicita revalidação pelo DAC. Em 26 de janeiro de 1937, o órgão indefere autorização para pilotar "aviões de turismo com registros nacionais". O texto do parecer é explícito: "Em face do disposto no parágrafo único do art.8º do decreto n. 20.914, de 6-1-32, o pedido não encontra apoio legal, de vez que não há falta de aeronautas brasileiros para tripular aeronaves de turismo ou de esporte. (D. A. C. 352-37)." (Departamento de Aeronáutica Civil. Diário Oficial da União, RJ, 30 de janeiro de 1937, Seção1, p.16/2370).

    A necessidade de autorizações, assim, leva-o a apresentar solicitações em nome de outros pilotos. A vigilância do DAC parece ser rigorosa em vários aspectos. Em julho de 1939, a nota Aerofotografia, só com licença do DAC, publicada no jornal carioca Gazeta de Notícias no dia 19, à página 8, é direta: "...o chefe da Divisão de Tráfego do DAC comunica a George Nelson Smith, que devido ao decreto 24.572, 04.07.1934, não é permitido o 'início' de qualquer trabalho de aerofotografia sem licença daquele departamento, 'mesmo quando destinadas a serviço de interesse público'." A decisão refletia controle existente na legislação brasileira desde a década de 1920.

    Talvez venha dai a decisão de formar uma empresa. Em 28 de abril de 1939, a Diretoria do Comércio registra o contrato da Transporte Aéro Brasileiro Limitada, "firma composta dos sócios quotistas Jorge Marques de Azevedo, Raul Marques de Azevedo, George Nelson Smith, Leonel Lima, para o comércio de transportes, com capital de 80:000$000” (Diretoria do Comércio. Correio da Manhã, RJ, 12 de maio de 1937, p.14). Em março de 1939, por exemplo, encontramos pedido de autorização de serviços aerofotogramétricos pela referida empresa, com uso do "avião PP-TEL, de sua propriedade com piloto civil brasileiro, devidamente licenciado e tendo com fotógrafo operador o Sr. George Nelson Smith, atualmente licenciado.” (Departamento de Aeronaútica Civil. Diário Oficial da União, RJ, 30 de março de 1939, Seção 1, p.40).

    Solicitações em seu nome ainda ocorrem, de qualquer forma. Em agosto de 1939, possivelmente dando andamento à nota do mês anterior, a Divisão do Tráfego do DAC defere a autorização para "serviço aerofotográfico destinado à Diretoria do Saneamento da Baixada Fluminense, lembrando, porém, que, antes de ser de ser iniciado qualquer serviço aerofotográfico ou aerofotogramétrico, deve ser feita consulta ao DAC, especificando os seguintes detalhes: avião a ser utilizado; sua tripulação; local exato a ser fotografado; finalidade do serviço; e época aproximada do início e término do mesmo." Um mês depois, nova nota na imprensa indica outros serviços no estado do Rio por Nelson-Smith: um, para a Prefeitura de São Gonçalo, e outro, "para tirar fotografias aéreas focalizando faixas de terrenos situadas nas vizinhanças das cidades de Barra Mansa, Resende, Passa Três e Capelinha, no Estado do Rio, para fins de interesses do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, com o qual firmou contrato". Todos os três serviços são autorizados. (Levantamento aerofotogramétrico da Baixada Fluminense. O Globo, RJ, 31 de agosto de 1939, Matutina, Geral, p.5; Departamento de Aeronáutica Civil. Diário Oficial da União, RJ, 22 de setembro de 1939, Seção 1, p.29).

    O período parece assim profícuo em contratos. Lembremos que volta então a realizar coberturas para a Light & Power, em São Paulo. Certamente, agravado pelo início da II Guerra, o mercado mais restrito e dificuldades de trabalho podem ter levado Nelson-Smith a procurar alternativas de trabalho. Duas cartas de recomendação, em posse da família, em papel timbrado da São Paulo Tramway, Light & Power, com data de 16 de outubro de 1941, possivelmente variações, atestam os serviços prestados. Uma delas, assinada pelo vice-presidente, engenheiro Billings – Asa White Kenney Billings (1876-1949) –, indica interesse do portador em posto de trabalho administrativo no escritório de Boston (EUA). Em outra, o texto é mais explícito: comenta as crescentes restrições ao trabalho de não-nativos na área de aerofotogrametria no Brasil e o interesse de Nelson-Smith em se estabelecer no Canadá.

    No ano seguinte, ato derradeiro aparentemente, George Nelson-Smith, inglês, piloto internacional, pede ao Ministério da Aeronáutica "diversos esclarecimentos sobre sua situação e licença para tirar fotografias aéreas". A resposta é concisa: "Indefiro por se tratar de estrangeiros". (Requerimentos despachados. O Jornal, RJ, 13 de maio de 1942, p.5; A aviação/Requerimentos despachados. Correio da Manhã, RJ, 13 de maio de 1942, p.5)

    Última referência a Nelson-Smith localizada na imprensa ocorre em 22 de julho de 1944, quando embarca no Rio para Belém "pelos aviões da N.A.B." (Mundanidades/Viajantes. Gazeta de Notícias, RJ, 23 de julho de 1944, p.7; No lar e na sociedade/Viajantes. Diário de Notícias, RJ, 23 de julho de 1944, p.9).


    Novos rumos: agente de turismo

    Quase 15 anos se passam até se ter notícia de Nelson-Smith. Sempre dividido na década anterior entre as cidades do Rio e São Paulo, ele aparece agora radicado nesta última. Já casado em segundo matrimônio com Luise, de origem alemã, mantém a Agência Nelson de Turismo desde o final dos anos 50. Em 1963, inaugura em setembro filial no Rio de Janeiro, quando adota a sigla Nelsontours, no Edifício Avenida Central. Recebe com regularidade grupos de agentes brasileiros e internacionais em promoções. A agência aparece na imprensa até 1970, pelo menos.

    Provavelmente antes desse empreendimento, Nelson-Smith está ligado à edição do Guia Aeronáutico. Lançado em 1947, a publicação é basicamente um guia de linhas aéreas no Brasil e cidades servidas, acompanhado de artigos, tendo edição regular até início da década de 1990. Ao final dos anos 50, período em que tem como editor Ruy Costa Barros, está associada a outros títulos específicos como Noticiário Geográfico e Suplemento de viagens turísticas. Em junho de 1962, a editora apresenta nova revista: Novitur: notícias de viagens e turismo.

    Nota na imprensa, em março de 1971, deixa clara a associação então de Nelson-Smith com a publicação. Nela a Editora Guia Aeronáutico Ltda comunica que ele e sua esposa Luiza são os únicos agentes credenciados em São Paulo, com escritório à Praça da República nº 270 - 1º andar, a aceitar anúncios e assinaturas. (Guia Aeronáutico/Aviso. O Estado de S.Paulo, 24 de março de 1971, p.32).


    Ao final de 1979, falece George Nelson-Smith. Sua participação no campo da aviação civil no Brasil, por mais de três décadas, é pouco conhecida. Como prestador de serviço no campo da aerofotogrametria, no entanto, é possível hoje começar a identificar sua produção e entender o segmento ocupado por empreendedores de pequeno porte que ajudaram a tornar acessível a empresas uma nova ferramenta fundamental para planejamento e gerenciamento de operações: a aerofotogrametria.



    Ricardo Mendes

    Pesquisador do
    Núcleo de Produção Editorial/SPD/AHSP




    Para citação adote:

    MENDES, Ricardo. George Nelson-Smith (1894-1979):
    um empreendedor da aviação nas décadas de 1920 a 1940
    INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO, 11 (38): ago.2015
    <http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>

     
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