Explorar o tema do circo no acervo do Arquivo Histórico de São Paulo é, talvez, na forma mais precisa, uma descoberta. Para muitos pesquisadores até aqui o conjunto
documental disponível surgiu certamente como desafio e, quase certo, obstáculo intransponível.
Espetáculo ambulante e arquitetura efêmera por excelência são características que numa primeira aproximação explicam parte da dificuldade em recuperar dados como
também podem caracterizar a natureza dos documentos existentes. Esses aspectos, porém, não indicam que as ações ordenadora, fiscalizadora e arrecadora do poder público municipal
ficaram alheias a essa forma de divertimento. Com certeza, esses gestos refletem sim a maior ou menor relevância do circo a cada momento no conjunto de diversões urbanas.
E este condição maior reflete-se por sua vez na distribuição espacial dos circos pela cidade e nas parcelas de públicos a que se dirigem ao longo do seu desenvolvimento.
A aproximação aqui apresentada é resultado do contato profundo com a documentação relativa ao período da República Velha (1889-1930) durante a fase de pesquisa que
resultou na exposição e base de dados reunidas sob o nome , projeto desenvolvido por José Inácio de Melo Souza em seu pós-doutorado realizado no AHSP. Ali, seja quanto à legislação relativa a diversões, seja quanto aos processos decorrentes,
começaram a surgir informações esparsas sobre o tema do circo em São Paulo, tomando como origem a documentação custodiada.
Todas as menções ao projeto, na primeira parte do ensaio, remetem ao verbete da ocorrência em questão no qual as fontes documentais podem ser
recuperadas (use o número indicado, com 5 dígitos, para acesso direto).
Das diversões: o cinema
Aspecto fundamental para compreender o campo dos divertimentos públicos nas cidades médias e grandes brasileiras do final do século XIX é perceber a mescla de formas e espaços partilhados na
qual aqueles têm lugar. Em São Paulo, cidade que apenas nas últimas décadas desse período alcança um patamar mais expressivo de habitantes, o panorama começa a mudar lentamente até o
momento que ação surpreendente tem lugar: a chegada do cinema. Se até então os espetáculos de palco tinham lugar em teatros modestos, nos quais exceções apenas reafirmam essa condição, ou
em circos, o cinema na primeira década de 1900 ocupará todos os espaços e possibilidades possíveis.
Ao mesmo tempo, traço distintivo do período, não apenas expressão do panorama local,
parte expressiva dos espetáculos de palco encontram uma configuração híbrida surpreendente na qual todas as formas de encenação, e agora o cinema
"que se inventa" a cada momento, estão perspassadas. Ainda hoje, é o livro de Vicente de Paula Araújo, lançado em 1981, o marco de referência não superado sobre esse panorama:
Salões, circos e cinemas de São Paulo.
O quadro de crescimento explosivo – populacional e físico – da cidade de São Paulo entre 1900 e 1920 permitiu o surgimento de uma demanda igualmente significativa no segmento de
diversões públicas.
Uma demanda especial, pois parte expressiva da população tem origem migrante, de diversos pontos da Europa, com experiência urbana ou não,
mas já acostumada com um quadro de diversões ampliado, ao mesmo tempo tradicional e novo.
Sobre a perspectiva do cinema não é necessário avançar, pois as pesquisas de Araújo, bem como um conjunto maior de autores, têm se dedicado ao tema.
Tiremos proveito disso. O cinema entre nós até pouco antes
da I Guerra Mundial ocupa esse espaço compartilhado, antes de adquirir a forma como o conhecemos. Antes disso, o "espetáculo híbrido", com filmes intercalados com acrobacias, magias etc será "o padrão", sem
contar as apresentações na sala de espera com fantoches, bandas etc.
Símbolo importante desse momento, além das grandes dimensões da edificação, exarcebadas por sua localização em meio ao Vale do Anhangabaú dar ao conjunto destaque, é o pavilhão de telhas de zinco
do Politeama. Essa associação entre o termo pavilhão e o elemento telhas de zinco marcará outros espaços físicos para espetáculos.
Grande conjunto de forma circular, erguido no início
da década de 1890, o Politeama (também Teatro Politeama e outras denominações de menor ocorrência) é palco de projeções de fitas curtas, acrobacias etc. A precariedade das instalações,
sempre denunciadas pela insegurança para o público, é condição regular, ainda que ocorram significativas intervenções. Por volta de 1894, a Companhia Equestre de Frank Brown apresenta ali espetáculo
com cavalos no qual fica mais evidente a mescla com o mundo do circo.
Se os espetáculos deste e outros locais eram híbridos, outro aspecto comum entre as diferentes formas de espetáculo são seus empresários. Campo novo, o cinema atrai empreendedores de toda a espécie.
A inexistência de salas fixas para cinema predomina até quase o fim da primeira década. Assim com alguma naturalidade empresários, tanto proprietários de espaços como agentes de toda espécie,
exploram também os diferentes gêneros de palco e tela. Bernardo Amandier, ativo como fotógrafo entre 1895 e 1900, é um exemplo adequado.
Em julho de 1907, ele se declarava empresário do Circo Pavilhão Fluminense, funcionando entre outubro e dezembro na cidade,
embora em maio daquele ano ele tivesse sido comprado por Germano Colmin, que o rebatizou de Pavilhão Argentino.
Em 10/7/1907, ele requereu licença à Prefeitura para dar 'uma série de funções com um cinematógrafo ‘Auto-Tours’ à rua 15 de Novembro nº. 38, interior do Progredior [...]'.
Como o local era bem conhecido, dispensou-se a vistoria de praxe, emitindo-se o alvará a 13 com a guia nº. 1.547 para o pagamento do imposto devido a 19 de julho.
Segundo anúncio publicado por Vicente de Paula Araújo, que classifica o Auto-Tours de “panorama”, ou “panorama giratório”, ele devia se assemelhar ao Ferro Carril Asiático, cujas performances
tinham ocorrido na cidade no ano anterior. O aparelho anunciava-se como uma 'interessante e nova excursão em automóvel à grande cidade de New York com a nítida vista
da grande ponte Brooklin Bridge (sic). Ilusão completa' (Araújo acrescentou ainda que havia imagens de São Francisco e Washington). O funcionamento era diário, das 18 às 23 horas e,
aos domingos, das 13 às 23 horas. O ingresso custava Rs 1$000 (mil réis) para adultos e 500 réis para crianças. Embora se conheçam processos com trens
(caso do Ferro Carril Asiático) e a literatura europeia se refira também ao uso de barcos, o aparelho trazido por Amandier era provavelmente uma viagem de
carro pela cidade norte-americana. (...)
Bernardo Amandier também foi sócio por um curto tempo de Elisa Brose no circo de cavalinhos e, depois, no Circo União Artística, instalado na praça Dr. João Mendes de 1907 a 1910
(autorização da 2ª. Diretoria de Polícia, 27/12/1907, renovada em 2/1/1908). Em outubro de 1908, publicou anúncios em O Estado de S. Paulo
sobre a Casa Amandier, situada na rua Bocaiúva [Quintino Bocaiúva?], 12-A, vendendo e alugando filmes (20.000 metros em estoque) e material fotográfico.
(SOUZA, 2012, Base de dados Salas de cinema em São Paulo: 1895-1929, verbete "Progredior" - 00066)
Outras ocorrências similares têm lugar já nos primeiros momentos do cinema. Enrique Sastre, argentino, atua como exibidor ambulante de cinema, arrendando o Teatro Santana, imponente edifício à
Rua Boa Vista nº 20. No dia 2 de maio de 1901 realiza aí exibição "utilizando-se de um projetor certamente Lumière, anunciado como ganhador do Grand Prix da Exposição de Paris de 1900. (...)".
Embora se qualificando como engenheiro, ao que tudo indica, argentino, Enrique Sastre já estivera trabalhando em São Paulo em 1898 com um circo de cavalinhos, instalado na praça da
República, com licença paga à Prefeitura em 31 de agosto. Ele também pediu para montar um pavilhão no ano seguinte, no largo de São Bento, provavelmente para circo.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "Santana" - 00017)
É, contudo, no quarto final da década de 1900, que a atuação empresarial entre cinema e circo se entremeia progressivamente. Em 1907, por exemplo, Alfredo Egochaga requer
instalação no largo do Coração de Jesus em 20/5/1907 (Polícia do Estado), renovada em 16/12/1908 (Prefeitura). Segundo o proprietário, o pavilhão era impermeável, de material '[...]
completamente diferentes aos que se costumam armar, sendo este muito cômodo e higiênico para acomodar o respeitável público'. A Administração avaliou que somente depois de armado
poder-se-ia ter uma noção da garantia que era dada aos espectadores.
Melo Souza (2012, verbete SEM ID - 00145) acredita que Egochaga nem chegou a armar o circo, repassando-o para o advogado Gabriel Lessa, proprietário da Empresa Gaumont em 11 de janeiro de 1909.
Observe-se que o local parece ter espetáculos mistos. Em tempo, apesar do nome do empreendimento, não há relação com a produtora e distribuidora cinematográfica francesa.
O circo trabalhava com uma companhia de variedades, porém '[...] tendo resolvido fazer funcionar agora em diante, no dito pavilhão um cinematógrafo', ele pediu à Prefeitura, em 16 de março,
a devida licença. Há um exibidor ambulante trabalhando no interior do Estado de São Paulo em 1908 com o mesmo nome da Empresa Gaumont, mas faltam informações sobre a empresa de Gabriel Lessa.
Aparentemente, Lessa não estava pagando aluguel pelo terreno municipal, mas com a instalação do cinema, o funcionário Alberto da Costa estimou que se podia cobrar Rs 100$000 réis (cem mil réis)
pelo próprio municipal, mais a taxa de Rs 150$000 réis pelas projeções cinematográficas ao mês. Em 18 de março, emitiram-se as duas guias respectivas (nº.s 1229 e 1230) para o pagamento.
Em 30 de junho, ele comunicou novamente à Prefeitura a transferência do contrato do circo de cavalinhos para o exibidor Francisco Serrador, juntando ao requerimento a última taxa paga do terreno
e para as projeções datadas de 17 de abril (vencidas a 17 de maio). Para Serrador era interessante o negócio, visto que tinha encerrado as exibições no Liceu Coração de Jesus, situado na mesma
área. Mas não se sabe nada sobre a continuidade no local do exibidor espanhol.
Alfredo Egochaga continuou no ramo circense, passando por São Paulo em 1914 com o Circo Equestre Inglês (The Great English Circus) da Empresa Egochaga e Canales.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "SEM ID - Largo Coração de Jesus, sn" - 00145)
Cabe a Elisa Brose uma das referências mais conhecidas da cena circense de então. Em parte, pela localização, como também pela permanência com seu circo na zona central da cidade.
O Circo União Artística, do qual é diretora e proprietária, permanece por longo período em terreno à Praça João Mendes.
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O programa do circo de Elisa Brose para o domingo, dia 15 de março de 1908, caracteriza um modelo de espetáculo entremeando acrobacias por equilibristas no arame ou em cavalos com
entradas cômicas terminando em grande pantomima: os Salteadores da Calábria.
Ao circo!
Circo União Artística. O Estado de S.Paulo, 15 de março de 1908, p.5.
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José Inácio de Melo Souza (2012) traça um detalhado roteiro sobre a ocupação daquele local, no qual se entende como se mesclam programas de circo e cinema. Nesse relato, ficam progressivamente
evidentes os registros documentais das ações fiscal e tributária da municipalidade.
Vicente de Paula Araújo apresenta registro de ocupação da antiga praça do Teatro (local onde estava o Teatro São José), atual praça Dr. João Mendes, desde 1903 como espaço para a
armação de circo de cavalinhos e pavilhões (os largos da Concórdia e Coração de Jesus, assim como as avenidas Brigadeiro Luiz Antonio e Rangel Pestana eram outros logradouros usados
para esses tipos de espetáculos). A faixa de terra formada pela praça João Mendes, ruas Capitão Salomão e Marechal Deodoro (atual 15 de Novembro) e pela travessa da Esperança,
somada a outros terrenos adquiridos pela Municipalidade posteriormente, estava destinada ao Paço Municipal, autorizado pela Lei 1.345 de 26/8/1910, para o qual foi contratado o
escritório de Ramos de Azevedo. O projeto nunca foi adiante, embora a Câmara tivesse demolido vários imóveis para isso (parte do terreno aberto pelas demolições foi cedido
para a construção da Catedral da Sé).
A artista Elisa Brose, de origem desconhecida, com um número de cães amestrados já tinha passado por São Paulo em 1904, quando se apresentou no Teatro Politeama.
Em agosto de 1907, ela pertencia ao quadro da Grande Companhia Equestre de Novidades de Frank Brown, dando em espetáculos no Rio de Janeiro. Consta que o fotógrafo e empresário
circense Bernardo Mandelbaum Amandier teria tido uma sociedade com Brose no Circo Fluminense, instalado na praça João Mendes entre outubro e dezembro de 1907.
O rompimento entre os dois se deu em janeiro de 1908, mas Brose permaneceu com o circo na praça (em 2/1/1908, a taxa paga por Amandier à 2ª.Diretoria da Polícia foi para circo de cavalinhos).
Em 15 de abril daquele ano, Mário de Oliveira e Sousa propôs o aluguel do terreno municipal da praça do Teatro por Rs 100$000 (cem mil réis) por mês, para nele “estabelecer um cinematógrafo”.
O pedido foi negado. Segundo informou Alberto da Costa, da Polícia Administrativa e Higiene, Brose estava com uma “companhia equestre” na praça, o Circo União Artística, “[...]
desde o mês de dezembro tendo dado espetáculos no Circo que ali se acha, tendo pago à Câmara cerca de quatro contos de réis. Acontece agora que tendo terminado os seus contratos
desses artistas, a suplicante mandou contratar novos artistas para continuar com os espetáculos e tendo eles de chegar a esta Capital,
dentro de um mês, a suplicante, enquanto espera a nova trupe, quer dar espetáculos de cinematógrafo e assim requer a V. Excia. se digne determinar que lhe sejam cobrados
apenas os impostos correspondentes à tabela especial de espetáculos de tal gênero [...]”. Dentro da Prefeitura criou-se uma certa polêmica, já que o prefeito era contra a
renovação da licença, e mesmo que continuasse a ocupar o espaço, seria para circo de cavalinhos, cobrada a taxa de Rs 80$000 (oitenta mil réis) por dia. Mas a 20 de abril, ela continuou com o
cinema por mais 30 dias, enquanto esperava os “artistas contratados em Buenos Aires” (alvará de 15 de abril, e guias de pagamento renovadas até 1909: guias
nº. 1536-1537, 60, 20, 2, 67, 160-161, 681-682.). Elisa Brose pagou Rs 100$000 (cem mil réis) pelo cinematógrafo e uso do terreno, embora constasse circo de cavalinhos,
segundo os comunicados da Prefeitura publicados em O Estado de S. Paulo de 15/4/1908.
As projeções cinematográficas tinham ocorrido com a volta da Empresa Candburg a São Paulo, apresentando-se agora com um “Brésilien Cinematograph” no mês de março.
As cadeiras custavam Rs 3$000 (três mil réis) e a geral Rs 1$000 (mil réis), um preço razoavelmente alto para um circo. A Empresa Candburg teria ficado no Circo União Artística até junho,
quando um anúncio publicado n’O Commercio de S. Paulo informava a venda do projetor, de 30 mil a 200 mil metros de películas cinematográficas, e a transferência do contrato de um projecionista,
que dariam ao interessado um rendimento mensal de Rs 8:000$000 (oito contos de réis).
Mário de Oliveira e Sousa não desistiu do seu intento, principalmente porque sua proposta para os cofres municipais era mais vantajosa do que a da amestradora de cães.
Em novo requerimento de 16 de maio, ele ofereceu Rs 500$000 (quinhentos mil réis) mensais de aluguel, enquanto Brose, cuja licença terminava em 14 de junho, demandava o pagamento de Rs 80$000
(oitenta mil réis), “como pagam os circos que trabalham em terreno da Câmara”. Alberto da Costa pediu Rs 150$000 (cento e cinquenta mil réis), considerando o valor ainda “baratíssimo”
(Brose acabou pagando Rs 165$000, sendo Rs 150$000 de taxa e Rs 15$000 de emolumentos). Percebe-se que a taxação do espetáculo (circo ou
cinema) tinha deixado de ser importante, prevalecendo o aluguel do terreno municipal (a taxa mensal para cinematógrafo que estava em Rs 300$000, tinha pulado para 800$000 em 1909).
A pendência continuou em julho, com novo pedido de aumento por parte da Polícia Administrativa (aumento de Rs 300$000 ou Rs 400$000), enquanto a locatária argumentava que a “[...]
tem montado os espetáculos do Circo Pavilhão, com a máxima ordem, proporcionando um divertimento, hoje tão apreciado, às classes que não podem frequentar as casas de espetáculos de mesmo gênero,
luxuosamente e instaladas e a preços mais elevados” (informe de 21/7/1908). A pretensão da artista foi aceita, mesmo porque Mário de Sousa desistiu do negócio.
Com a situação sobre controle, Elisa Brose requereu em 18 de agosto abertura de mais um portão no pavilhão, de modo a facilitar a saída dos espectadores. No vencimento da licença em
outubro, pediu que em vez de mensal lhe dessem uma concessão trimestral. Como não sabemos o valor pago pela guia emitida, aparentemente o favor lhe foi concedido,
embora sem respaldo na legislação. Em 27/4/1909, ela aumentou suas pretensões, enviando um pedido de construção no local: “[...] desejando construir um barracão provisório no local
onde se acha atualmente um circo, ao largo Municipal [...]”, requereu licença para uma obra. O projeto foi enviado ao engenheiro Sá Rocha em 20 de abril,
emitindo-se o seguinte parecer: a “planta apresentada ressente-se de falta de um plano horizontal, mostrando disposições da sala e respectivas saídas, etc.
Embora se alegue tratar de construção de caráter provisório, é da competência da Prefeitura a exigência de certas medidas de segurança para o público e a observância no que
puder ser exigido, das disposições da lei ultimamente promulgada para casas de espetáculo [...]”. Como havia uma
disposição do principal responsável pela Diretoria de Obras pela inconveniência de aprovação da planta, o engenheiro do município prontificou-se apenas a vistoriar a obra,
quando concluída, nos itens relativos à segurança do público (informação de 28 de abril). O alvará para o barracão de 1.000 m2 foi concedido em 6 de maio (alvará nº. 801) no
valor de Rs 15$000 (quinze mil réis). Depois de passar pela “radical reforma”, conforme anunciou o Correio Paulistano,
o Pavilhão Elisa Brose reabriu em 13/6/1909. No pedido de fixação da lotação encaminhado à 2ª. Diretoria de Polícia, o pavilhão cinematográfico tinha capacidade para 1.800
espectadores nas galerias e 940 cadeiras na plateia (taxa de perícia técnica de Rs 120$000), fato reforçado em 2/7/1910 quando o funcionário Alberto da Costa afirmou
que o “circo está montado em boas condições de segurança”.
Proposta de barracão provisório, enviada em 1909, por Elisa Brose para uso como cinematógrafo, substituindo o circo existente por uma construção de planta retangular.
Detalhe da prancha destaca esquema que traz corte transversal e fachada. Construído em madeira, com cobertura provavelmente em telhas de zinco, a edificação temporária abandona a forma
circular e a cobertura em lona para adotar uma solução comum aos cinematógrafos do período.
Fundo PMSP/Grupo Edificações Particulares, requerimento 22.311/1909.
Acervo AHSP
Os negócios não devem ter ido bem para a artista nesta fase do pavilhão, pois ela abriu falência em julho de 1910. Francisco Serrador era credor de quase Rs 2:000$000
(dois contos de réis), certamente pelo fornecimento de filmes. Os credores foram convocados pelo síndico da massa falida José Benedito Ferreira de Almeida em 10/3/1911.
Em 5/9/1910 e no mês seguinte, a cessão do terreno municipal foi encerrada “improrrogavelmente” (sic), para as obras do Paço Municipal. Ela tentou ainda contornar a situação,
pedindo a mudança do “barracão” para uma área de frente para a rua Marechal Deodoro e lado para a praça João Mendes, de modo a não atrapalhar as obras. Ramos de Azevedo,
o engenheiro contratado para a execução da construção, concedeu três meses de permanência, mas o prefeito Antonio Prado indeferiu o pedido em 26/11/1910.
Em 13/12/1910, Ernesto Cinquini se declarava proprietário do Pavilhão Elisa Brose. O circo estava montado no mesmo terreno pertencente à Câmara,
devendo ser transferido para Santa Cecília. O contrato com o proprietário do terreno da rua Apa nº. 10 com São João era por seis meses. Recebeu o alvará nº. 2763 em 21
de dezembro, pago com a guia nº. 3.032 no valor de Rs 15$000 (quinze mil réis).
Não se sabe se Cinquini continuou como proprietário porque Elisa Brose fez idêntico pedido de transferência em 22/5/1911, mantendo os mesmos objetivos: “diversões cinematográficas,
[circo de] cavalinhos e diversos” (a mesma pediu a ligação de água e esgoto, recebendo o alvará nº. 1359). O engenheiro Arthur Saboya aprovou o “funcionamento do cinematógrafo”
em 24 de maio, mas não há guia de pagamento da taxa.
O Pavilhão Elisa Brose, instalado na rua Apa com rua São João, foi reaberto em 2/7/1911 com a apresentação da ópera Tosca, pela Companhia Italiana Eduardo Cassoli,
seguida pela apresentação de filmes. Quanto tempo terá durado o Pavilhão? No ano seguinte, vamos encontrar a artista como uma das integrantes da South American Tour da
Empresa Teatral Brasileira, atuando no Teatro Politeama, sem destaque ou proeminência (Correio Paulistano, 20/11/1912).
(SOUZA, 2012, idem, verbete "ELISA BROSE" - 00090)
Em 1908, existem duas outras ocorrências com circo exibindo fitas cinematográficas. Em maio, o Pavilhão Paraíso; em novembro, o American Pavilhão, ambos no mesmo endereço na Vila Buarque:
Rua Frederico Abranches (na fonte em questão, consta como Rua Dr. Abranches). Adelino, indica Melo Souza, proprietário do primeiro, era dono também do circo de cavalinhos
Itália.
Adelino Augusto dos Santos, proprietário do Pavilhão Paraíso, armado na rua Dr. Abranches, 45, um terreno particular vazio da Vila Buarque, antes ocupado pelas cocheiras da Viação Paulista,
“[...] tendo montado um aparelho cinematográfico para exibição de vistas, exclusivamente [...]”, pediu licença e alvará de funcionamento à Prefeitura por 30 dias em 11/6/1908.
No dia 13, o funcionário municipal Alberto da Costa deu a licença, desde que pagasse a taxa devida (guia nº. 51 emitida a 19/6/1908). O circo permaneceu até setembro,
tendo o proprietário pago outra taxa por mais 30 dias em 6/8/1908 (guia nº. 72). É possível que a empresa exibidora Rosa e Oliveira tenha mudado o seu cinematógrafo do
Salão Luso-Brasileiro para este circo, segundo pedido de transferência de 21 de setembro.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "PARAÍSO - Rua Dr. Abranches, 45" - 00094)
Os registros exigiriam, contudo, uma nova leitura. Tudo leva a crer que esses locais já estejam exibindo fitas exclusivamente. Por outro lado, abre-se nova perspectiva para uma
arquitetura cinematográfica distante do formato do cine-teatro que começa a delinear-se. Sobre o tópico, veremos exemplos melhores adiante.
As únicas informações sobre este circo (American Pavilhão) referem-se à empresa Rosa e Oliveira, que depois de começar suas exibições no Salão Luso-Brasileiro da rua da Graça, 116,
mudou-se para a rua Dr. Abranches, onde trabalhou com um cinematógrafo a partir do final de setembro de 1908, provavelmente no Pavilhão Paraíso. (...)
No ano seguinte, a administração municipal perguntava se o cinematógrafo estava ainda aberto. O fiscal Rafael Fortunato de Oliveira respondeu a 11/1/1909 que ele “ainda não está funcionando”.
Em 13/11/1908, entretanto, um certo Joaquim Rosa tinha pedido um alvará para “espetáculos cinematográficos” num “circo” naquele endereço, que continuava aberto no ano seguinte
(guia de licença nº. 78, de 7 a 31/12/1908). Segundo a revista A Faísca (nº. 2, 10/1/1909), quinzenário do bairro de Santa Cecília, havia um American Pavilhão instalado na rua
Dr. Abranches, 45 nesta época.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "AMERICAN" - 00129)
Seria possível pensar a mesma situação dos "cinemas" acima para o Pavilhão do Brás?
Instalado na avenida Rangel Pestana, 335, em agosto ou setembro de 1909, seu proprietário tem vínculos com mercado exibidor cinematográfico. Em verdade
Labieno da Costa Machado de Souza tem perfil inesperado para o setor. Nascido em 1879 em São José do Rio Pardo, embarca em 1900 para estudar engenharia na Alemanha. Sobre esses estudos
nada se sabe, mas em seu retorno acabaria por formar-se em 1909 pela Faculdade de Direito de São Paulo.
Ele era quartanista de Direito quando adquiriu o Cinematógrafo Mignon, situado na travessa do Seminário, 10-12 (ou largo do Mercadinho próximo à Brigadeiro Tobias, segundo Araújo),
aberto inicialmente pelo empresário Royal Edgar Demaret, em agosto de 1908. Além de dirigir o cinema, Labieno inaugurou a tradição de publicação de revistas ilustradas de propaganda específica,
editando o Mignon Ilustrado, chegando a lançar cinco números entre outubro e novembro de 1908. (...)
O pedido para o Pavilhão do Brás, no entanto, é fundamental por apresentar uma descrição de sua estrutura espacial.
No seu requerimento à Prefeitura, afirmou que o pavilhão era construído de “[...] pano e rodeado de zinco, sem arquibancadas (grifo do requerente) e munido de bancos
colocados sobre o solo e não de arquibancada (nosso negrito); e, desejando inaugurá-lo com espetáculos cinematográficos [...]”, pediu a licença necessária em 1/8/1909. O processo foi enviado ao
engenheiro Arthur Saboya que informou em 3 de agosto não haver inconveniente algum, já que a instalação do projetor oferecia toda a segurança. O requerimento foi deferido no
mesmo dia, emitindo-se a guia nº. 877 para o pagamento da taxa mensal. A Polícia publicou a autorização para funcionamento em 19 de agosto.
Labieno não permaneceu de posse do circo por muito tempo. Em 27/10/1909 ele declarou à Prefeitura ter “[...] vendido o mencionado pavilhão ao sr. Ibrahim de Almeida Nobre, que
continuou a explorar o mesmo cinematógrafo e que é o único responsável pelo pagamento dos impostos a partir da terminação da licença [...]”. Não há registros de pagamentos de
impostos municipais por Ibrahim Nobre.
Em dezembro de 1909 entrou no terreno o circo de João Alves.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "LABIENO DA COSTA MACHADO" - 00098; verbete "PAVILHÃO DO BRÁS" - 00160, respectivamente; veja também verbete
"IBRAHIM NOBRE" - 00161)
Em 1909, estamos novamente de volta à Av. Rangel Pestana nº 335. E aos "espetáculos híbridos", em exemplo clássico. Observe ao final a referência à iluminação a gás do circo, aspecto que vai contra
à exigência já vigente do uso da eletricidade.
Em 12/4/1909, Rafael Spinelli, possivelmente proprietário do Circo Variedades, requereu licença para uma “série de espetáculos eqüestre, ginásticos, cinematográficos” no terreno particular da
avenida Rangel Pestana, 335 em frente, ou na esquina da rua do Hipódromo. Vicente de Paula Araújo registra uma Empresa R. Spinelli com o Circo Americano, de passagem pela cidade em janeiro de 1897,
mas não sabemos se o mesmo está ligado ao Circo Spinelli, em geral citado como de propriedade de Afonso Spinelli.
O processo foi despachado para o engenheiro José de Sá Rocha, que em 15 de abril declarou ser possível a concessão da licença, posto que ele já tinha instruído os encarregados circenses
sobre a segurança da arquibancada. Para o funcionamento emitiu-se a guia nº. 1.642 em 16 de abril.
Segundo o Correio Paulistano, o circo estreou em 18 de abril com ginastas, uma “troça fantástica”, O Chico e o diabo, e um aparelho de projeções Pathé com as “últimas fitas desta casa”
(produtora), encerrando o programa. O circo deve ter permanecido no endereço por 30 dias, mudando-se depois para a avenida Brigadeiro Luiz Antonio. Vicente de Paula Araújo transcreveu notícia
d’O Comércio de S. Paulo em que é dito: “fitas no final do espetáculo muito apreciadas, pois eram de uma nitidez esplêndida, apesar do cinema ser iluminado a gás!”.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "LABIENO DA COSTA MACHADO" - 00098)
Dois meses depois, em junho de 1909, novo pedido de licença irá trazer novo detalhe sobre a "arquitetura" desses espaços circenses utilizados para exibições de fitas. Aqui fica clara as modificações
que se tornam necessárias, todas relacionadas à questão da cabine do projetor e o conceito inicial que se impõe: garantir seu isolamento e incombustibilidade no contexto do circo, estrutura composta
de lonas, madeiras etc.
Moacir de Albuquerque, sobre quem não sabemos nada, “[...] desejando instalar um pavilhão para dar espetáculos cinematográficos, em um terreno particular, situado na rua Major Diogo,
entre as de 14 de Julho e São Domingos [...]”, pediu a respectiva licença em 15/6/1909. O requerimento foi enviado ao engenheiro Arthur Saboya que, quatro dias depois, informou o seguinte:
“Parece-me que a intenção da parte é pedir a licença para a construção do pavilhão e de que é necessário para o funcionamento do cinematógrafo. Quanto à primeira parte trata-se de um galpão,
isolado do circo, fechado lateralmente por panos e coberto com telhas de zinco (nosso negrito).
Avalio-o em Rs 200$000 [200 mil réis]. Quanto à instalação do aparelho nada posso dizer por que ele ainda não se
acha instalado. Parece-me, porém, que, tratando-se de uma construção completamente isolada, não haverá o menor risco para os espectadores e vizinhança; nessas condições, penso que
se pode dar licença”.
O funcionário municipal Alberto da Costa pediu o pagamento da taxa e emolumentos devidos pela construção do pavilhão; o mesmo funcionário informou a 25 de junho que se tinha dado a
licença para o funcionamento do projetor de cinema. Não se sabe se o cinema chegou a funcionar no circo de Moacir de Albuquerque.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "SEM ID - Rua Major Diogo, sn" - 00156)
Caso similar surge no mês seguinte, agora em outro pavilhão na Rua da Consolação. Garantido o isolamento do projetor, a licença para uso temporário era possível.
A empresa Andrade e Cia. “[...] desejando montar um cinematógrafo dentro do terreno na rua Consolação nº. 115, sendo o pavilhão coberto de pano [...]”, pediu a necessária licença à
Prefeitura em 9/7/1909 (talvez houvesse um pedido anterior de junho, mas não foi localizado). O processo foi despachado para o engenheiro Arthur Saboya que
informou a 17 de julho achar-se o projetor “[...] montado em uma cabine isolada do pavilhão onde se realizam as sessões. Por esse motivo a licença poderá ser dada sem
inconveniente”. O requerimento foi deferido a 20 daquele mês, emitindo-se a guia nº. 833 para o pagamento da taxa de funcionamento por 30 dias. O 4º.
Delegado de Polícia também recebeu o pedido de licença da empresa Andrade e Cia.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "SEM ID - Rua da Consolação, 115" - 00159)
Caso assemelhado tem lugar em outubro de 1910, quando o Circo Soares, da empresa Rodrigo S. Soares e Cia, está montado no Largo do Cambuci.
Em 18/10/1910, o Circo Soares, da empresa Rodrigo S. Soares e Cia., “[...] tendo levantado um circo para o funcionamento de um cinematógrafo na Av. da Independência
(Largo do Cambuci) requer a V. Excia. se digne mandar ver se o mesmo oferece segurança pública e está apto para começar a funcionar”. O requerimento foi enviado ao engenheiro
Arthur Saboya que declarou a 22 de outubro: “O aparelho [projetor] vai ser instalado em um pequeno barraco de paredes de zinco independente do pavilhão onde serão feitas as projeções.
Não há pois perigo de incêndio”. O pedido foi deferido a 26 de outubro, emitindo-se a guia nº. 445 para o pagamento da taxa mensal de funcionamento.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "CIRCO SOARES" - 00192)
Aluguel de terrenos municipais, barracões "inestéticos"...
Ano profícuo de pedidos, em agosto de 1909, é a vez de outro "pavilhão de pano", cuja solicitação será indeferida por não haver vantagem para os cofres, já que como em muitos casos se refere
a tema conexo –
aluguel ou cessão de terreno municipal para uso de circos e pavilhões temporários.
Relevante, também, é que importante motivo de recusa se explicita: a aparência precária. Na década seguinte, em
especial, após a introdução da legislação específica para salas de cinema, o aspecto canhestro dos pavilhões, cujo grande exemplo seria o velho Politeama, ganha contraste frente às novas
edificações com alto padrão. (SOUZA, 2012, idem, verbete "SEM ID - Rua da Assembleia, sn" - 00162).
O panorama parece estável com circos e pavilhões utilizados para exibição cinematográfica, exclusivamente ou não, no intervalo de troca de trupes.
Referências conhecidas se sucedem. O Circo Martinelli permanece entre
abril e julho de 1909 no terreno à Rua Frederico Abranches nº 45, que vimos há pouco.
Tem-se notícia da circulação do circo Martinelli por Santos em 1904, já equipado com cinematógrafo e luz elétrica; em Araraquara, segundo Cláudia Regina Vargas, as primeiras exibições na
cidade teriam sido proporcionadas pelo circo.
Antonio Pinto da Costa assinou o requerimento de instalação do circo em São Paulo, no terreno da rua Dr. Abranches, 45 (atual rua Frederico Abranches), em 14/4/1909 (...). Porém,
em 22/7/1909 ele entrou com o pedido de transferência do Martinelli com o “sinematógrapho” para a avenida Tiradentes, 31. O processo foi enviado ao engenheiro Arthur Saboya, que
concedeu a licença em 24 de julho. No mesmo dia se emitiu a guia nº. 843 para o pagamento da taxa mensal.
Antonio Pinto da Costa ainda foi empresário do Pavilhão Paulistano e do Rink.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "MARTINELLI" - 00167)
Ainda em julho, próximo dali, no Largo Coração de Jesus, há requerimento para montagem de outro circo: o Pavilhão dos Campos Elíseos. Aqui surge, ao lado do aspecto "inestético",
outros temas recorrentes: a má conservação dos locais, o barulho do público... Observe a presença de Francisco Serrador, figura eminente da exibição cinematográfica, que em 1910 pede licença
para o Cia Equestre Circo Americano atuar no local, evidência mais evidente da atuação de empresários simultaneamente nos dois segmentos de diversões.
A urbanização do largo Coração de Jesus começou com a demolição de casebres fora do alinhamento, mas não se completou. Com o terreno vazio, um circo, sobre o qual não se sabe a denominação,
alugou o próprio municipal por Rs 150$000 mensais (cento e cinqüenta mil réis). Ele também oferecia espetáculos cinematográficos. Os moradores do bairro começaram a reclamar da
algazarra provocada pelos freqüentadores, conforme noticiou O Estado de S. Paulo em 11/7/1909. No início do ano seguinte, aumentou a reclamação, pois o largo tinha se transformado em
banheiro público em “volta do célebre barracão”. O fiscal municipal Ismael Braga já tinha informado a Polícia Administrativa e Higiene de que a fiscalização dos espetáculos e freqüentadores era
da alçada da polícia do Estado. Além do mais, a documentação sobre os melhoramentos do largo ainda estavam na Câmara Municipal. Em 29/3/1910, o
fiscal do 26º. Distrito informou que junto ao pavilhão cinematográfico o solo tinha solapado de tal modo que havia necessidade de reparo urgente.
Segundo Vicente de Paula Araújo, o circo pertencia em 1910 ao empresário Antonio Álvares Leite Penteado. Em 24/11/1910, Francisco Serrador, que não sabemos se era o
arrendatário do circo desde 1909, pediu licença para a instalação no local da Cia. Eqüestre Circo Americano. Também se deram campeonatos de luta romana, como o
acontecido em novembro de 1910; em 1911, aconteciam espetáculos de palco (cantores) e tela (filmes). Em abril do ano seguinte, anunciava-se que o pavilhão encontrava-se situado na
Alameda Barão do Rio Branco (antiga Alameda dos Bambus) com a Alameda Nothmann. As sessões eram corridas acontecendo a partir das 19 horas. Tinha como gerente,
Camacho.
O Pavilhão dos Campos Elíseos foi reformado, abrindo com o nome de Coliseu dos Campos Elíseos, em 1911.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "PAVILHÃO DOS CAMPOS ELÍSEOS" - 00193)
O mau comportamento do público é ocorrência registrada novamente em 1912 quanto ao Pavilhão Halley, instalado na Rua da Consolação nº 371.
O circo estava funcionando com licença em janeiro de 1912, quando se publicou em O Estado de S. Paulo uma reclamação sobre a falta de mictórios no pavilhão. Fez-se uma
vistoria em 19 de janeiro, constatando-se as más condições do circo. O processo foi despachado, então, para o engenheiro Arthur Saboya. Ele declarou que a parte que lhe competia,
segurança e instalação da cabine de projeções já tinha sido examinada. O fato de se urinar em qualquer lugar, era uma questão de polícia, porém nada impedia de se exigir que o
proprietário instalasse um “mictório público em lugar conveniente”. Alberto da Costa, concordou com o engenheiro, declarando que
“É verdade que é proibido urinar fora dos mictórios, mas isto cabe à polícia impedir”.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "HALLEY" - 00193)
Precariedade da edificação e das instalações e falta de manutenção são temas correntes nos requerimentos relativos a cinema nos primeiros quinze anos. Na ausência de uma primeira legislação
específica os casos se desdobram. Cada aprovação acaba por justificar iniciativas similares, num perigoso efeito cascata.
Cabe curiosamente ao final de 1909 ao empresário do mesmo Circo Martinelli, acima mencionado, pedido para instalar novo pavilhão no
Largo de Setembro, na Liberdade. A solicitação será indeferida, mas inclui
raro registro
gráfico disponível na documentação sobre circo – observe que este é o termo utilizado pelo funcionário municipal – utilizado para espetáculos de cinema.
Traços característicos dos processos relativos a requerimentos de empresários de circo são a brevidade dos textos mencionando apenas local, interessado e vagamente,
quando muito, o prazo de funcionamento, e a ausência de pranchas gráficas.
Em 9/12/1909, Antonio Pinto da Costa, empresário do Circo Martinelli instalado na rua Dr. Abranches, requereu alvará à Prefeitura para “[...] provisoriamente estabelecer um pavilhão no Largo 7
de Setembro para espetáculos cinematográficos. O suplicante se obriga a armar o pavilhão independente de qualquer [ilegível], e de modo a não interromper o trânsito de pedestre e veículos,
conservando a parte ocupada em perfeito estado de limpeza, obrigando-se, quando for removido o pavilhão, a repor tudo no estado em que se acha”.
O funcionário Alberto da Costa informou que a licença devia ser negada, já que o lugar era impróprio, ocasionando ainda “[...] grande prejuízo para o trânsito de veículos”. No dia 13 de
agosto outro funcionário, João José Vaz de Oliveira, analisou a planta do local. O circo, com 20 metros de diâmetro, ocuparia o “[...] único espaço livre onde poderia ser levantado, junto ao
ponto onde há o estacionamento de carroças, e junto a uma árvore” (nosso negrito). Neste local, ele ficaria próximo da linha de bondes cerca de três metros.
Diante dos problemas apontados pela Administração municipal, o processo não teve continuidade.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "SEM ID - Largo Sete de Setembro, sn" - 00171)
Detalhe da prancha apresentada em requerimento de Antonio Pinto da Costa no mês de dezembro de 1909 para montar pavilhão no Largo Sete de Setembro na Liberdade. Na parte superior vê-se
indicada a posição da Igreja dos Remédios, fronteira à Praça João Mendes delineada à esquerda. O esquema é claro indicando a proximidade perigosa do pavilhão à linha de bondes.
Fundo PMSP/Grupo Polícia Administrativa e Higiene, caixa 38, requerimento 32.300/1909
Acervo AHSP
Embora das solicitações para os circos não fossem exigidas pranchas técnicas com projetos, apenas quando ganhavam forma "mais permanente" com os pavilhões de zinco, madeira e pano, as
observações dos engenheiros e fiscais acabam por ajudar na reconstituição física desses espaços. Em 20 de novembro de 1911, Rodrigo Soares, responsável pelo Circo Soares, adquire
em leilão os bens do Pavilhão Halley.
Nesse mesmo dia, Soares pediu à Prefeitura a transferência de titularidade para a empresa Carvalho, Medeiros e Cia., provável arrematador do pavilhão. O funcionário da Polícia Administrativa e Higiene,
Alberto da Costa, deferiu o pedido, fazendo notar que o “pavilhão tem servido já para funções cinematográficas”. Em 17 de novembro daquele ano, o fiscal Alfredo Augusto Silva solicitou a vistoria do circo,
“[...] onde se realizavam espetáculos cinematográficos”, posto que se processavam reformas. O engenheiro Lúcio Martins Rodrigues afirmou que era um “circo de cavalinhos”, impróprio para
espetáculos cinematográficos por falta de higiene e conforto para o público. A Polícia Administrativa e Higiene inquiriu o engenheiro sobre quais medidas seriam necessárias para que o circo
funcionasse com projeções cinematográficas. O engenheiro Martins Rodrigues declarou que o proprietário faria o “apedregulhamento da arena” (nosso negrito), e com isso poderia ser dada a licença
para funcionamento. O diretor da Diretoria de Obras e Viação, Adelmar de Melo Franco, perguntou se a instalação do aparelho projetor estava de acordo com o “Regulamento Policial”.
O engenheiro Arthur Saboya dirimiu a questão em 28 de dezembro informando que o “aparelho [projetor] acha-se instalado convenientemente, isto é, sem oferecer perigo algum.
As arquibancadas são sólidas e também oferecem segurança. Falta o apedregulhamento do solo, mas creio que esta parte é toda secundária e diz mas respeito à Repartição
Sanitária que continua insistindo nesse assunto. [...] A instalação é feita parte em zinco e parte em pano."
(SOUZA, 2012, idem, verbete "HALLEY" - 00228)
Além das palavras dos fiscais, o anúncio do leilão, no qual Soares adquire os bens do pavilhão, promovido por Albino de Morais nos auxilia na reconstrução: "'completo aparelho Pathé, 400 telhas de zinco,
grande pano de cobertura com 16 metros de raio. Esplêndida arquibancada de madeira de lei, toda de desarmar, quantidade de madeira, instalações elétricas, sino grande, campainhas,
cadeiras de palha; coreto para música [...]” (Pavilhão Halley.
O Estado de S.Paulo, 20 de setembro de 1911, p.10).
Anúncio em O Estado de S.Paulo, em 20 de setembro de 1911,
descreve os bens em leilão do Pavilhão Halley.
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Na virada do ano, em 1910, surge novo pedido, feito pelo proprietário do Pavilhão Americano, que introduz aqui outro ponto tradicional para instalação de circos ou assemelhados:
o trecho inicial da Av. Brigadeiro Luís Antonio. Mais à frente veremos que algumas dessas edificações temporárias acabam ganhando ares permanentes.
O Pavilhão Americano de propriedade de Carlos Menzel estava instalado na avenida Brigadeiro Luiz Antonio, 31, em 5/1/1910. Desejando realizar projeções
cinematográficas no circo, Menzel pediu a necessária licença à Prefeitura. O processo foi enviado ao engenheiro Joaquim O. Nébias, que no dia 7 de janeiro
informou ter o “círculo” se transferido da avenida Tiradentes para a Brigadeiro Luiz Antonio, oferecendo condições para prosseguir “para o fim a que se destina”. O
requerimento foi deferido no mesmo dia, porém falta a guia para o pagamento da taxa mensal.
Em maio o Pavilhão Americano ainda estava na Brigadeiro Luiz Antonio, porque pediu para incluir um circo de cavalinhos entre as suas atrações, pelo qual pagou a
taxa de Rs 50$000 (cinqüenta mil réis) por espetáculo. Em agosto, o mesmo empresário afirmou que tinha construído um circo com alvará da Prefeitura na
praça São Paulo, 18, requerendo a licença para continuar com o cinematógrafo. O processo foi mandado ao engenheiro José de Sá Rocha, que se eximiu, já que
deveria ser enviado ao engenheiro que aprovara a planta. No dia 16 de agosto, ele foi posto nas mãos do engenheiro Nébias, em substituição, porém não há
continuidade no processo.
Em 14/10/1910, o endereço da avenida Brigadeiro Luiz Antonio, 31, ainda estava ocupado pelo Pavilhão Americano, agora com a empresa Barbosa e Oliveira que,
“tendo licença de cinematógrafo e desejando dar um número de variedades gratuitamente nos intervalos”, pedia alteração da licença.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "AMERICANO" - 00178)
O pavilhão de madeira com modelo para a exibição cinematográfica
Menzel voltará em junho de 1910 com outro pedido para pavilhão, no Largo São Paulo nº 18 (verbete 00207): Pavilhão São Paulo, ou ainda Teatro São Paulo, que antecede o teatro homônimo da década seguinte.
Fica evidente que a figura do pavilhão de madeira se estabelecera como alternativa ao espaço de exibição cinematográfica, antes do domínio do modelo do cine-teatro nos anos seguintes já
num momento completamente distinto do circuito exibidor.
Ao mesmo tempo esses espaços parecem progressivamente destinados ao uso exclusivo do cinema, reservando-se os intervalos para números de acrobacia, música etc. As fitas em si mudaram,
ganhando em duração e estrutura complexa. As sessões, de início, breves, formadas por séries de filmes curtos de todos os gêneros, irão dar lugar a médias e longa-metragens a curto prazo.
Cinema e circo logo deixarão de partilhar espaço.
As pranchas apresentadas por Menzel revelam uma distribuição inesperada. As arquibancadas, herança do circo e de eventos provisórios, surgem em forma peculiar, misto de arena com
um prolongamento, ao ponto aqui de não sabermos a real forma de ocupação da sala, pois a tela não está indicada na prancha, reproduzida abaixo, nem a cabine, embora a legenda seja claro: "Projeto de
um barracão, para espetáculos cinematográficos".
Se o exemplo é máximo, a ocorrência parece disseminada. Veja o caso do Skating Palace, à Praça da República,
construído em 1911 e inaugurado como rink de patinação no ano seguinte, que inclui ao fundo da grande arena uma tela para projeção (verbete 00334).
Pavilhão São Paulo, no largo homônimo na Liberdade, 1910. Detalhe da prancha, ao alto corte evidencia as arquibancadas; na parte inferior, planta apresenta a disposição em arena da plateia.
Grupo
Fundo PMSP/Grupo Edificações Particulares, caixa OP74, OP.1910.000.757
Acervo AHSP
Quanto à presença de arquibancadas de madeira, entre os diversos pavilhões veja o Recreio, na Rua Barra Funda sn, em 1911 (verbete 00213), o Pavilhão Oriente, na Rua Henrique Dias, no Brás, no mesmo ano
(verbete 00217), e mesmo o Cinema Belém, em 1910 (verberte 00210).
Essa "permanência" não é pacífica, pois traz consigo problemas de projeto. No caso do Oriente, em "12/12/1911, a empresa exibidora, desejando inaugurar em 16 de dezembro o cinema,
requereu a licença para o funcionamento. O pedido foi enviado novamente ao engenheiro Sá Rocha." Em sua apreciação, o engenheiro, figura importante poucos anos depois na proposição
de uma legislação normativa para construção para salas de cinema, caracteriza as arquibancadas utilizadas: "Há ainda outros defeitos. As arquibancadas laterais são demasiadamente altas,
e não sendo fechadas, podem tornar-se perigosas, verdadeiras armadilhas para o público, pois é facílima uma queda, principalmente de menores, que naturalmente procurarão de preferência esses
lugares, por serem de preço mais reduzidos. As portas de acesso para tais bancadas devem ter no mínimo 1,50 m de largura e não estão assim feitas. Entendo ainda que o solo do local
dessas bancadas deve ser convenientemente socado ou comprimido, de modo a dar-lhe suficiente consistência" (verbete 00217).
As arquibancadas, de uma forma ou de outra sua herança, serão identificadas em casos como o Cine-Teatro República (verbete 00465),
que ocupa em 1921 o antigo Skating Palace, na praça homônima. Completamente
reformado, o novo cinema preserva nas galerias, ao alto, as arquibancadas de madeira, reservadas aos ingressos mais baratos.
Outro traço peculiar em vários casos desses pavilhões, decorrente talvez da estrutura efêmera com fechamento vertical em pano ou zinco, é que a ocupação do lote ocorre sempre com afastamento lateral.
Esse procedimento é antes consequência estrutural, não sendo registrado em nenhuma parte como regra formal de segurança em caso de incêndio, por exemplo, embora a legislação posterior
busque de início introduzí-la para as edificações permanentes, decisão superada a médio prazo.
Se o exemplo do São Paulo é caso extremo, o usual será que novas salas de cinema adotem provisoriamente o caráter do pavilhão, mantendo algumas vezes a planta circular, e aqui e ali incorporado elementos
da arquitetura teatral como camarotes. Entre eles, em 1911 o Rink na Av. Brigadeiro Luís Antonio nº 69, um pouco acima do Pavilhão Americano já mencionado.
Em 17/7/1911, o empresário circense voltou à Prefeitura com novo requerimento, posto que tendo obtido licença para a “[...] construção de um pavilhão à avenida Brigadeiro Luiz Antonio,
em caráter provisório, sendo cercado de zinco e do mesmo sendo coberto, em grande parte, acontece, porém, que a fim de dar mais comodidade aos espectadores e atendendo a pedidos feitos,
quer fazer o [ilegível] da cobertura, que atualmente é de pano, de telhas de zinco”. Antes disso, porém, em 7 de junho, apontando para o adiantado da obra, ele entrou com um pedido para fazer
a ligação de água na avenida Brigadeiro Luiz Antonio, 69-A, no Rink. O alvará nº. 1.866 foi concedido no dia seguinte,
pagando-se pela abertura da vala Rs 65$000 (sessenta e cinco mil réis) pela guia nº. 1.764.
O requerimento para o “pavilhão provisório” foi enviado ao engenheiro Arthur Saboya que a 19 de julho informou: “Se não me engana a memória o requerente a pouco tempo pediu
licença para o funcionamento do cinematógrafo instalado naquele pavilhão e, parece-me alegou que se tratava simplesmente da mudança do cinematógrafo existente um pouco mais abaixo e do outro lado.
Além disso, parece-me que por ser o pavilhão coberto a pano, como os circos de cavalinhos, não foi paga a licença devida pela construção do pavilhão [...].
Julgo que se deve cobrar a licença correspondente à área ocupada pelo pavilhão. Não se pode considerar tal construção como provisória; não se trata de
um circo que constantemente muda de lugar, mas sim de uma casa de diversão de caráter definitivo, embora possa a mesma vir a ser fechada em poucos dias se não houver freqüência”.
O empresário recebeu a licença para “cobrir com zinco o pavilhão existente à Av. Bo. Luiz Antonio nº. 69-A (cinematógrafo)” em 29 de julho.
A Diretoria de Obras e Viação concordou com o parecer do engenheiro, dando-se o alvará de licença de funcionamento dentro dos parâmetros aos concedidos para a Elisa Brose
(Circo União Artística) na rua Apa. A área do barracão sem divisão foi calculada em aproximadamente 852 m2, recebendo o alvará nº. 2.030 de 26/7/1911. Os emolumentos no valor de
Rs 15$000 (quinze mil réis) foram pagos pela guia nº. 2.223.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "RINK" - 00221)
Em 1913, o Rink daria lugar ao Palace, totalmente reconstruído, nem por isso teria condições adequadas, seja na opinião do público, seja na avaliação dos engenheiros da prefeitura. A situação
persistiria mesmo com a legislação para salas de cinema em 1916. Ainda assim será possível, pelo banimento que os circos sofrerão na zona central da cidade, primeiro de modo informal,
mais tarde em 1929 legalmente, que esse velho pavilhão
seja reformado em 1919 para receber companhias equestres, com a instalação de picadeiro, quando reabre em 27 de março com o American French Circus. Seria essa forma do público
local ter acesso a espetáculos que pouco a pouco seriam oferecidos em menos locais, mais distantes. Agora, como em outros grandes centros era o circo que iria
se acomodar a espaços mais sofisticados, embora aqui o Palace não fosse o melhor exemplo.
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Elegante circo ocupa, em 1919, o Palácio Teatro, o velho Palace, ele mesmo um pavilhão de zinco, madeira e pano na Av.Brigadeiro Luiz Antonio. O programa do espetáculo caracteriza um
modelo de espetáculo circense do período: "Grande companhia equestre, cômica, acrobática e de bailados".
Palácio Teatro. O Estado de S.Paulo, 28 de março de 1919, p.9.
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O desafio de reconstituir a natureza da estrutura física dos pavilhões, caracterizando assim a edificação,
é grande perante à baixa presença de registros gráficos e aos parcos dados registrados nos
requerimentos de licenças de funcionamento (também referenciados como alvarás, alvarás de licença...). Caso único ocorre em 1922, no processo entrado em 8 de julho, por João François,
circense reconhecido, que voltaremos a mencionar adiante.
Aqui, no processo 59.633, recuperado ao longo da pesquisa para elaboração da presente edição do
Informativo AHSP, é possível avançar pois surpreendentemente inclui memorial descritivo com 2 folhas
e a prancha do projeto! François prentede construir um "pavilhão de variedades atrações etc", como indica na folha inicial, para uso nas festividades do primeiro centenário da Independência do Brasil.
Não há menção ao caráter dos espetáculos, mas não é este o ponto que interessa no momento. A intenção de François é montá-lo, por 60 dias, no terreno municipal junto ao Cine Central,
grande edifício que "fechava" o vale do Anhangabaú, junto à Avenida São João.
O requerimento caracteriza o pavilhão a ser erguido, "similar" aos armados no Rio de Janeiro.
O Pavilhão não é um simples circo, igual aos que outrora foram apresentados no referido local, e sim uma construção toda em madeira e ferro coberta de folha de zinco, completamente assoalhada,
tendo serviço de bar bonboniére[,] privadas para ambos os sexos, dando um aspecto de um verdadeiro Teatro, desmontável no prazo máximo de 48 horas, que poderá ser armado em outros pontos,
ou Cidades...
Fundo PMSP/Grupo Edificações Particulares - processo 59.633/1922
O memorial, peça única no conjunto pesquisado, assinado pelo proprietário e não um empreiteiro ou engenheiro, repete parte da descrição acima. E avança: a estrutura é composta por 48 colunas
de tubos de ferro galvanizado, 60 colunas “ao contorno” de madeira peroba e demais madeiramento em pinho de riga. A cobertura é feita com telhas de zinco e o fechamento do "contorno" por "tábuas
artisticamente pintadas, com venezianas em todo redor para ventilação e claridade", havendo cinco portas para entrada e saída do público (processo 59.633/22, folha 3). Este tinha à sua disposição 40 frisas,
além das reservadas para a prefeitura e a polícia, 607 cadeiras na platéia e 1.500 lugares na "geral".
O encaminhamento de análise ocorre em menos de duas semanas, com pareceres negativos, que parecem postergar uma decisão que fica clara. Argumenta-se sobre a inconveniência do local,
apontando ser o terreno "fora de nível", com mato, além da montagem do pavilhão poder eventualmente perturbar o funcionamento do Teatro Municipal, a imponente e nova edificação junto ao vale.
Hoje, fica claro, que apesar dos vários circos que ocuparam o espaço anteriormente o contexto urbanístico mudara. Lembre-se que se trata exatamente do espaço ocupado até dez anos antes
pelo Politeama. A construção do Teatro Municipal, inaugurado em 1911 e as novas construções ao redor – basta lembrar que pouco mais de seis meses após o pedido de François
será inaugurado o primeiro
grande hotel de São Paulo, numa configuração compatível com empreendimentos estrangeiros, o Esplanada, a poucos metros do terreno solicitado por François (veja a edição 33 do
) – tornava indesejável para a municipalidade a presença do pavilhão em meio ao Anhangabaú,
às vésperas dos festejos do Centenário.
O processo é interrompido, sendo a planta retirada pelo interessado – perda irreparável –, prática comum então, usual quando havia interesse ou pedido específico para modificações de projeto.
Na ausência de registros gráficos nos processos de licenciamento de circos, existem poucas possibilidades de avaliar a estrutura das tendas, seja as de lona, seja as com telhas de zinco.
Raras são as imagens de interiores de circo, em especial nas primeiras três décadas do século XX. Aqui, numa imagem de 1919, vê-se a arena do Circo Jardim Zoológico,
do qual não há registro de exibição de filmes, foto que permite conhecer a estrutura de montagem da tenda e a presença de camarotes.
Clique na imagem para ver outros registros do mesmo circo.
A Cigarra, n.120, 15 de agosto de 1919, p.42.
Acervo APESP
O hibridismo dos espetáculos, por sua vez, trouxe um problema adicional aos fiscais municipais: como taxá-los? Esse tópico é recorrente.
O "imbroglio" ganha, contudo, ares cômicos. É o caso de pedido do Circo Tavares,
montado entre setembro e novembro de 1913, na Rua da Cantareira, na Luz. A localização, em si, é indicativa, oportunamente para nós, para entender a lógica "do negócio".
Em 3/9/1913, Manoel Tavares e Oliveira, empresário do Circo Tavares, “[...] tendo licença [do proprietário do terreno] para armar um circo de variedades e cinema na margem do mercado
em frente à estação da Cantareira entre o rio [Tamanduateí] e o mercado [...]”, pediu a respectiva licença de funcionamento para a Prefeitura. No âmbito da cobrança da taxa, estabeleceu-se
uma pequena polêmica entre os funcionários porque o valor cobrado de um “circo para cinema” era de Rs 215$000 (duzentos e quinze mil réis), embora cada espetáculo de circo pagasse de
Rs 50$000 a Rs 80$000 (cinquenta a oitenta mil réis) por espetáculo em terreno particular ou público. Alberto da Costa, pela Polícia Administrativa, desconhecia a taxa de Rs 215$000.
O lançador de impostos Vallim em 23 de outubro argumentou que “[...] se o circo der só espetáculos cinematográficos e um ou dois números de variedades, no palco, pode pagar 215$000
por mês, como, por exemplo, o cinematógrafo à al. Barão do Rio Branco, nº. 57, que, entre a 1ª e a 2ª sessão, dá sempre 2 números de variedades, tais como: cantos, ginástica etc.
O peticionário tem pago 80$000 por espetáculo”.
A 13 de novembro, Manoel Tavares entrou novamente com um requerimento para o circo, declarando que em vez de circo de cavalinhos, cuja taxa era muito alta, pedia
somente para cinema e variedades, prontificando-se a pagar pelo terreno municipal Rs 100$000 (cem mil réis) mensais. Não há informação de que tivesse mudado de lugar.
No dia seguinte, em novo requerimento, explicitava que o terreno era na rua da Cantareira, esquina com João Teodoro. Ambos os pedidos foram indeferidos, porque Alberto da
Costa pleiteava Rs 200$000 ou Rs 300$000 de aluguel por mês.
Em 22 de novembro despachou-se o requerimento de 3 de setembro para a Diretoria de Obras. O parecer do engenheiro José de Sá Rocha era que se poderia conceder a licença, posto que
a “[...] cabine reúne condições satisfatórias de segurança, obedecendo ao que é exigido pela Polícia do Estado”.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "CIRCO TAVARES" - 00289)
O autor – José Inácio Melo Souza – registra que o processo não tem continuidade, o que impede saber do efetivo funcionamento do pavilhão. Outro Circo Tavares, da Empresa Tavares,
talvez o mesmo, é registrado entre abril e maio de 1912, na Rua Maria Marcolina s/nº.
A única informação sobre as exibições do Circo Tavares encontra-se na coluna “Os Nossos Bairros” do Correio Paulistano, de 4/4/1912, quando anuncia a presença do circo na rua Maria Marcolina,
esquina da rua Chavantes, Brás. “O pavilhão acha-se muito bem instalado, dispondo de um seleto elenco artístico e de um grande número de animais amestrados. Além disso, há
ainda um cinematógrafo anexo ao pavilhão”. Anunciado para 6 de abril, o circo só estreou a 21 daquele mês.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "CIRCO TAVARES" - 00244)
Breve interlúdio
A partir de meados da década de 1910 a distância entre circo e cinema, em espaços compartilhados, em formas híbridas de parte a parte, se torna extrema. Uma observação ligeira sobre a distribuição
de cinemas e circos, em parte baseada no projeto
Salas de cinema em São Paulo e na base de dados sobre circo nesta edição, revela a ausência de circos na área central, a colina histórica por excelência,
e a presença de pontos nos bairros mais centrais cada vez em menor número. Alguns desses pontos darão lugar a salas de cinema. A rede crescente de cinemas em bairros mais distantes, mesmo os populares,
parece afastar os circos para os mais distantes pontos da mancha edificada da cidade. Essa distribuição de cinemas e circos é um campo aberto para estudos futuros.
Quanto à estrutura dos espetáculos em circos, a presença de filmes parece ter um fim, no que toca aos registros da municipalidade, antes de 1920. Tudo indica, porém, que o hibridismo das atrações será aqui
ainda comum, agora na década de 1920 como espaço para novas "modas" como a luta livre.
Além das mudanças do mercado cinematográfico, seria oportuno lembrar que condições externas conjunturais como a I Guerra Mundial devem ter reduzido a dinâmica da economia local, com menor
circulação de ofertas em todos os segmentos. Estas restrições podem explicar o que ocorre com o Pavilhão Paulista, em 1915, instalado no Largo da Memória.
As únicas informações são do jornal O Estado de S. Paulo quando anunciou a inauguração do Pavilhão Paulista, instalado no Largo da Memória, ou Ladeira do Piques, em 1/1/1915.
Propriedade do empresário Nicanor Checa. Os filmes da abertura foram fornecidos pela Companhia Cinematográfica Brasileira. Os preços dos ingressos eram de Rs 3$000 para os camarotes com 4 entradas,
500 réis a cadeira e 300 a geral. Como informava o anúncio, as sessões cinematográficas permaneceriam na programação enquanto o empresário não conseguisse “organizar uma companhia de Circo completa”.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "PAULISTA - Largo da Memória, sn" - 00365)
O anúncio citado é claro apontando que o empresário resolveu abrir as portas com as sessões de cinema "até que possa organizar uma Companhia de Circo completa, que esteja em harmonia com a cultura e
adiantamento de São Paulo". Nada se sabe sobre as instalações, exceto pelo trecho "o mais cômodo, amplo, elegante e ventilado local" (vírgulas nossa).
Mais de cinco anos se passam antes de encontrarmos as últimas interações entre circo e cinema em São Paulo, registradas em nossa fonte.
Em 1923, como é possível saber pelos jornais, o Politeama Centenário, na Rua das Palmeiras,
permite identificar nome significativo: Jean François.
As únicas informações sobre as projeções efetuadas pelo Politeama Centenário da empresa circense Irmãos François, instalado na rua das Palmeiras, sn, Santa Cecília, é de A Gazeta
que se refere ao fato do “moderno e confortável circo coberto de zinco e forrado de tábuas” ter começado com uma orquestra, exibido peças com Benjamin de Oliveira vindo do Rio de Janeiro,
exibindo filmes na sessão do dia 22/2/1923, já em fase final de carreira.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "POLITEAMA CENTENÁRIO RUA DAS PALMEIRAS" - 00451)
O mesmo Politeama Centenário já fora registrado uma década antes, com exibição de fitas, então situado na Avenida Rangel Pestana nº 298.
O empresário circense Jean (João) François (?-?-1935), diretor da Companhia Equestre Sinimatographica de Novidades (Circo François) (sic), requereu em 7/10/1912 licença à Prefeitura
para dar espetáculos na avenida Rangel Pestana, 298. O alvará foi concedido a 11 de outubro, emitindo-se a guia nº. 794 para o pagamento da taxa mensal de funcionamento.
Jean François e Anna Stavanovich fundaram o circo François na França em 1881. A família Stavanovich estava no meio circense havia gerações. Após rodarem por toda a Europa e Oriente Médio,
imigraram para a América do Sul. Em 1903 a família circense passou por São Paulo (largo da Sé). Quatro anos depois foram para o Uruguai e Argentina de onde retornaram com uma tropa de 18
cavalos dos pampas. Pai de uma prole extensa, François transformou seus 14 filhos em cavaleiros equilibristas.
Em data não precisada importou um gerador Otto da Alemanha, passando a exibir filmes da Pathé Frères. Segundo Vicente de Paula Araújo, o Circo François tinha cobertura impermeável,
iluminação elétrica gerada por motor próprio e “excelentes acomodações”. Suas entradas custavam: camarotes de 5 lugares, 15$000 (quinze mil réis), cadeiras reservadas, Rs 3$000 (três mil réis);
cadeiras a Rs 2$000 (dois mil réis) e geral a Rs 1$000 (mil réis).
(SOUZA, 2012, idem, verbete "CIRCO FRANÇOIS" - 00262)
Consta ainda no mapeamento realizado pelo projeto
Salas de cinema em São Paulo, em 1920, a presença do Circo Francês-Japonês, de João François, em terreno na Avenida Celso Garcia nº 53 (hoje,
223) com as ruas Progresso (atual Costa Valente) e Carlos Botelho. O ponto parece ter sido por algum tempo local de estacionamento de circos, para usar uma expressão de época. É aqui
que se encontram outros empreendedores circenses: Paschoal Ciocciola, José Canuto de Oliveira e Hypolito Rocha.
A sociedade Canuto, Ciocciola e Rocha só se formalizaria em 1923,
quando se registrou na Junta Comercial com o capital de Rs 10:000$000 (dez contos de réis) divididos em partes iguais entre os sócios". Estão eles plenamente integrados ao mundo do circo,
pois formam anos depois, em 1925, diretoria da Federação Circense. Nesse terreno, no Belém, irão construir o Brás Politeama (Eden Polieama), gigantesco cine-teatro com 3.225 assentos,
ativo até início da década de 1960, do qual se afastam contudo um ano após a abertura em junho de 1922.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "POLITEAMA - Avenida Celso Garcia, 53" - 00348)
Num último balanço sobre empresários de circo, além de Ciocciola e seus sócios no Politeama, seria oportuno lembrar de Manuel Ballesteros, que atua em 1914 como administrador do Teatro Variedades (no
local onde hoje funciona a Galeria Olido, no Largo do Paissandu, antigo Cine Olido) (verbete 00224),
figura de longa presença no panorama circense paulistano. Entre outros menos conhecidos, como vários citados, também registrado no
levantamento em questão, está Antonio Cacchione.
Antonio Cacchione estava no ramo de diversões desde 1906 quando trabalhou com circo de cavalinhos no largo Coração de Jesus. Tinha sido sócio da empresa Irmãos Sorba e Cia.
num cinema da avenida Tiradentes que faliu. Em agosto de 1912 pediu licença para um cinema na rua São João, 389. Logo em seguida encaminhou novo pedido à Prefeitura para “[...]
estabelecer um salão para um cinematógrafo, [precisando] para isso construir um barracão à rua Duque de Caxias, 46, assim, pois vem requerer o preciso alinhamento e
guia para pagar o imposto devido” (24/9/1912).
(SOUZA, 2012, idem, verbete "SEM ID - Avenida Tiradentes, 31" - 00179)
Última ocorrência, cuja excepcionalidade confirma a regra, é a inauguração do Coliseu Paulista, no Largo do Arouche nº 63, em outubro de 1926.
A empresa D’Errico, Bruno, Lopes e Figueiredo, proprietária dos prédios números 80 e 82 do largo do Arouche, esquina com rua Dona Maria Tereza
(atual avenida Duque de Caxias, onde está hoje localizado o edifício Maria Tereza), com 45,6 m de frente e 42,1 m pelo lado da praça (corrigidos no alvará para 40,3 m no largo e 43 m
na rua Dona Maria Tereza), entrou com pedido para a demolição dos imóveis em 9/5/1923. (...) O projeto era para um music hall, fato comprovado mais tarde com a abertura por
um espetáculo circense, não se falando em nenhum momento em cinema.
(...)
O inicialmente chamado Teatro São Carlos foi inaugurado em 5/10/1926 com o nome de Coliseu Paulista, já sob a administração da Empresas Cinematográficas Reunidas Ltda.
Os espetáculos de estreia foram do Circo Holdelm, vindo de Berlim, com programa dividido em duas partes. A orquestra de 20 “professores” era conduzida pelo maestro Armando Bellardi.
Para a temporada de inauguração, frisas e camarotes custavam salgados Rs 60$000 (sessenta mil réis), poltronas e balcões, Rs 12$000 (doze mil réis), arquibancadas numeradas,
Rs 10$000 (dez mil réis), galeria numerada, 5$000 (cinco mil réis) e geral a três mil réis. Tinha 1997 lugares distribuídos por 910 na plateia, 460 nas frisas e
camarotes, 127 no balcão e 600 nas galerias. Washington Luiz e outras autoridades compareceram à abertura.
O Coliseu começou a funcionar como cinema somente no final do ano de 1927. Passou a exibir filmes da produtora alemã UFA, distribuídos no Brasil por Gustavo Zieglitz (Programa Urânia).
Para a estreia no cinema do largo do Arouche foi programado A gata borralheira, filme de 1923 baseado em contos de E.T.A. Hoffmann, dirigido por Ludwig Berger.
As entradas custavam Rs 18$000 (dezoito mil réis) para frisas e camarotes; Rs 3$000 (três mil réis) para plateia; Rs 1$500 (mil e quinhentos réis) para crianças e gerais a mil réis.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "COLISEU - Rua Dona Maria Tereza, 80-82" - 00392)
Anúncio de inauguração do Coliseu Paulista, em outubro de 1926,
com o espetáculo do Circo Holdelm.
O Estado de S.Paulo, 5 de outubro de 1926, p.15
O espetáculo inaugural do Coliseu parece ser exemplo da rara oportunidade dos grandes circos se apresentarem em regiões mais centrais, próximas a um público afluente, aqui
os bairros de Higienópolis e Santa Cecília, por exemplo. Os pontos de conexão entre os circuitos do circo e do cinema parecem algo distante, embora apenas um levantamento
a médio prazo possa confirmar a hipótese. Um lacônico requerimento, do Circo Ventura, em março de 1927, parece ser o último pedido, por hora, nessa direção. Indeferido, contudo.
Carlos Lopes, diretor do Circo Ventura instalado na rua do Comércio, 60, atual rua Butantã, pediu em 22/3/1927 para “[...] poder passar, no intervalo do referido circo, duas partes de
fitas cinematográficas”. Completava o pedido garantindo que não alteraria o preço dos ingressos com as exibições, e que a localização do projetor era provisória mas oferecia garantia.
O processo foi mandado ao auxiliar Aranha em 25 de março que pediu para Carlos Lopes atender às exigências do Ato 1.235 quase um mês depois, sem o qual não poderia ser dada a licença.
O engenheiro Regino Aragão completou declarando que o requerimento era “caso de indeferimento”. Em 11/5/1927 o prefeito Pires do Rio assinou o indeferimento do processo.
(SOUZA, 2012, idem, verbete "CIRCO VENTURA" - 00441)
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Para citação adote:
MENDES, Ricardo. Circo em São Paulo: a contribuição do AHSP para sua história.
INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO, 11 (38): ago.2015
<http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>