A greve de 1917
No ano de 1917 ocorreu um movimento popular inédito em São Paulo: uma greve geral, deflagrada no mês de julho, conseguiu paralisar durante três dias todas as atividades essenciais da Capital. A população paulistana, que já deveria estar acostumada aos tumultos resultantes de movimentos grevistas, tais como os ocorridos durante as paralisações de 1906 e de 1907, testemunhou, aturdida, uma seqüência progressiva de incidentes graves que desembocaram na maior greve da história da cidade de São Paulo.
A carestia de vida, que vinha assolando a população pobre da cidade desde 1916, e as péssimas condições do trabalho operário, que vigiam na época, foram as principais razões desencadeadoras do movimento. Além do aumento contínuo nos preços dos produtos alimentícios, os trabalhadores tinham de enfrentar a constante adulteração e falsificação dos alimentos, que naquele ano atingiu proporções alarmantes. As condições de trabalho dentro das fábricas eram igualmente indescritíveis: salários de fome; mais da metade da mão-de-obra empregada nas fábricas constituída de mulheres e crianças e crianças menores de 14 anos freqüentemente recrutadas para desempenhar tarefas noturnas.
Em março de 1917, os anarquistas, reunidos no
Centro Libertário de São Paulo, decidiram deflagrar um movimento popular de indignação e protesto contra a exploração do trabalho do menor. A presença de um número expressivo de operários nas manifestações animou os anarquistas a organizarem os trabalhadores com o objetivo de tornar eficaz a ação política coletiva.
A primeira liga operária foi constituída no mês de maio na Mooca, bairro fabril onde funcionavam importantes indústrias têxteis. Depois, surgiram em outros bairros de trabalhadores: Belenzinho, Lapa, Água Branca, Brás, Cambuci, Bom Retiro, Vila Mariana e Ipiranga.
A grande greve começou com o seguinte incidente: os tecelões do Cotonifício Crespi, a maior fábrica têxtil da cidade, localizada na Mooca, reivindicaram à direção da fábrica um aumento entre 10 e 15 % e o fim do desconto de 2% mensais em favor do
Comitato Italiano Pro-Patria, um tributo de guerra criado durante a Primeira Grande Guerra pelos industriais italianos e imposto aos seus trabalhadores de toda e qualquer nacionalidade. Diante da recusa da direção em atender os reclamos dos operários, estes decidiram paralisar o trabalho.
Operários de outras indústrias, inclusive de algumas situadas no interior do Estado, resolveram aderir ao movimento, levando vários estabelecimentos fabris a ficarem sem atividade durante os meses de maio e junho. A partir daí, o movimento grevista foi-se expandindo e os confrontos entre grevistas e a polícia tornaram-se freqüentes. Numa assembléia realizada em 8 de julho, os anarquistas conseguiram que fosse declarada greve geral em São Paulo e, no dia seguinte, durante as hostilidades entre grevistas e forças da ordem pública sucedidas no Brás, em frente da fábrica de tecidos Mariângela, de propriedade de Francisco Matarazzo, foi mortalmente ferido a bala o sapateiro espanhol José Ineguez Martinez.
Militantes anarquistas e socialistas decidiram então aproveitar o clima de comoção que se espalhara pela cidade para transformar o enterro do jovem anarquista de 21 anos em uma grande manifestação popular de repúdio à brutalidade policial.
Na manhã de 11 de julho, uma multidão de cerca de 10.000 pessoas, a pé, acompanhou o féretro, que, saindo do Brás, atravessou o centro da cidade em direção ao Cemitério do Araçá. Na frente do cortejo, havia uma comissão formada por mulheres que carregavam bandeiras vermelhas. O percurso incluiu a Avenida Rangel Pestana, a antiga Ladeira do Carmo, as Ruas 15 de Novembro e São Bento, o Viaduto do Chá, a Rua Barão de Itapetininga, a Praça da República e as Ruas Ipiranga e Consolação. O cortejo foi vigiado o tempo todo de perto por tropas policiais.
A cerimônia fúnebre teve início ao meio-dia, com vários oradores discursando em português, espanhol e italiano, já que naquela época quase a totalidade do operariado paulistano era de origem imigrante. Dentre os que discursaram se destacaram Edgar Leuenroth, redator do jornal A Plebe, periódico então recém-lançado e que se tornaria veículo muito importante de divulgação de idéias anarquistas, e Teodoro Monicelli, redator de um jornal socialista chamado Avanti. Depois do enterro, muitos dos participantes do cortejo se dirigiram à Praça da Sé, onde foi realizado um comício assistido por cerca de 3.000 pessoas. Após o evento, manifestantes enfrentaram a polícia e cenas de violência varreram a Capital, com apedrejamentos, tiros, saques, espancamentos e prisões.
Diante do agravamento da situação, o Secretário da Justiça e da Segurança Pública, Elói Chaves, procurou adotar um tom conciliatório, assumindo o papel de mediador entre os operários grevistas e os patrões.O industrial Jorge Street reconheceu publicamente como justas as reivindicações do operariado, no que foi seguido por outros industriais. O Comendador Rodolfo Crespi, no entanto, dono do cotonifício onde explodira o estopim da greve, manteve-se inflexível.
O
Comitê de Defesa Proletária reuniu-se na noite do dia 11 de julho, com representantes de 36 associações operárias com o objetivo de reunir num único memorial as reivindicações comuns a todas as categorias profissionais.A pauta incluiu não só as aspirações dos grevistas, mas também as da população paulistana ”angustiada por prementes necessidades, considerando a insuficiência do Estado no providenciar de outra forma que não seja a repressão violenta”.
Quando a pauta de reivindicações do
CDP se tornou pública em 12 de julho por intermédio dos jornais, São Paulo simplesmente parou. A Capital amanheceu sem víveres, sem energia e sem transporte. O comércio fechou as portas e toda a atividade industrial foi interrompida. Nunca um acontecimento de tal ordem ocorrera no Brasil.
Entre os dias 9 e 16 de julho, cerca de 100.000 trabalhadores de uma grande variedade de categorias cruzaram os braços. Muitos não tinham o que reivindicar, paralisaram apenas por solidariedade. Embora historiadores de hoje interpretem a mobilização do operariado de 1917 como o resultado de uma luta conjunta, arquitetada pela enérgica militância anarquista, o próprio Edgar Leuenroth definiria, mais tarde, a greve desse ano como um movimento espontâneo, uma manifestação explosiva, decorrente “de um longo período de vida tormentosa que então levava a classe trabalhadora”.
Em conseqüência da paralisação, uma agitada multidão invadiu as ruas e o Delegado Geral transferiu-se para o Brás, principal bairro operário, para aí instalar seu quartel-general. O Centro foi ocupado pelas forças policiais e, mais tarde, 7000 praças do Exército foram trazidas do interior para conter as massas. O deslocamento de tropas federais para auxiliar as forças paulistas, além de criar apreensão na população, demonstrou bem a dificuldade que as autoridades estaduais encontravam para retomar o controle da situação.O próprio presidente do Brasil, Wenceslau Brás (1914-1918), pediu para ser mantido informado acerca do desenrolar dos acontecimentos na capital paulista.
O dia 13 foi o mais sangrento da semana de paralisações. Uma menina de 12 anos que se encontrava no portão de casa foi vítima de uma bala perdida durante um conflito sucedido no bairro de Santa Cecília. Também o pedreiro Nicola Salerno, de 28 anos, recebeu um tiro fatal nas desordens ocorridas na Rua Augusta e mais um homem morreu na Rua Oriente. Houve ainda outros incidentes, entre eles um sucedido na Praça da Sé. A imprensa operária garantia, no entanto, que inúmeras haviam sido as mortes provocadas pela truculência policial.
Os jornalistas resolveram então tomar partido dos grevistas, constituindo a Comissão de Imprensa. Essa comissão publicou nos jornais um manifesto simpático à causa operária e se prontificou a intermediar as negociações entre o capital e o trabalho. Por outro lado, o comício operário realizado no dia 14 de julho no Hipódromo da Mooca, que contou com cerca de 3.000 participantes, decidiu persistir na continuação do movimento grevista até a vitória final.
As negociações começaram no sábado, dia 14, e prosseguiram no dia seguinte. O presidente do Estado, Altino Arantes (1916-1920), e o secretário da Justiça assumiram o compromisso de libertar todos nos indivíduos presos por terem participado da greve, reconhecer o direito de associação e de reunião, desde que exercido dentro da lei e da ordem pública e de envidar esforços para impedir a alta desenfreada dos preços, bem como a adulteração e falsificação dos gêneros alimentícios. O Governo se comprometeu também a fazer cumprir a legislação vigente que regulamentava o trabalho nas fábricas e estudar medidas para impedir a ocupação de mulheres e crianças em trabalhos noturnos.
O prefeito da Capital, Washington Luís (1914-1919), por sua vez, comprometeu-se a aumentar o número de feiras livres, nas quais os trabalhadores conseguiam comprar por menos, e fazê-las funcionar duas vezes por semana. Segundo seu relatório datado de 1918, porém, não se dispôs a controlar os preços dos artigos de primeira necessidade, com a alegação de que a medida só seria eficaz se fosse tomada na esfera federal.
As concessões feitas pelos industriais foram discutidas pela
Comissão de Imprensa com os seis representantes escolhidos pelo
Comitê de Defesa Proletária para negociar um acordo. Esse comitê, informado das concessões e das promessas feitas pelos industriais e pelos representantes do Governo, decidiu aceitar a proposta conciliatória e submetê-la aos grevistas.O acordo foi firmado por 13 representantes dos jornais paulistanos, 11 industriais, o presidente do Estado, o prefeito da Capital e o secretario da Segurança Pública. Os demais patrões envolvidos no conflito de classes foram convidados a comparecer na sede
d’O Estado de São Paulo para assinar o “compromisso do dia 14”. Os signatários se obrigavam a cumprir as resoluções e designaram a comissão de jornalistas para fiscalizar o cumprimento do acordo.
Pela primeira e única vez, a imprensa teve um papel singular e decisivo na resolução de um conflito de classes. Foi investida de um poder moderador para mediar um acordo entre patrões e empregados.
O
Comitê de Defesa Proletária aconselhou por meio de um manifesto a aceitação do acordo por parte dos trabalhadores, reconhecendo que as concessões representavam uma vitória proletária.
Na segunda-feira, dia 16, 10.000 trabalhadores se reuniram ao meio-dia em frente ao Teatro Colombo, no Largo da Concórdia, no Brás, para deliberar sobre a proposta do
CDP de aceitar o acordo. Às 16 horas, outro comício foi realizado no Pavilhão da Lapa. Ao mesmo tempo, no bairro do Ipiranga, outras 1.500 pessoas acatavam a proposta de retorno ao trabalho feita pela
CDP.
A suspensão da greve foi anunciada com alarde pela imprensa. O jornal anarquista
Guerra Sociale assinalou a vitória dos trabalhadores sobre o governo e os industriais, mas principalmente sobre si mesmos, pois na luta encontraram sua própria consciência.
Depois de uma semana de conflitos e trágicos acontecimentos, a cidade de São Paulo foi aos poucos retomando sua vida normal. No dia 16, o comércio reabriu as portas e os bondes tornaram a circular plenamente. Quanto às fabricas, seus apitos só voltaram a soar na manhã do dia 17, de acordo com a deliberação dos grevistas.
A grande greve de 1917 finalmente acabara e São Paulo nunca mais veria uma movimentação grevista de tamanha envergadura. As conquistas dos trabalhadores foram, contudo, efêmeras. O Estado se aparelhou e a partir de setembro desencadeou uma operação de desmantelamento do movimento operário, por meio de detenções, espancamentos, fechamento de organizações e, sobretudo, esforços para expulsar lideres estrangeiros do País.
Eudes Campos
Veja ainda o link:
1917: os olhares de um empresário e do chefe do executivo municipal
Documentação primária
SÃO PAULO (Estado). FUNDAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO DA ENERGIA E SANEAMENTO. MACCONNEL,W. G. Annual Report 1917. São Paulo: São Paulo Tramway, Light & Power Co. Ltd, 1918. p.1-3. (Relatório datilografado em inglês, datado de 24 de janeiro de 1918, assinado pelo
superintendente da época e submetido ao Vice-Presidente da Companhia, no Rio de Janeiro.)
Obras de referência consultadas
HALL, Michael. O movimento operário na cidade de São Paulo, 1890-1954. In: PORTA, Paula (org.).
História da cidade de São Paulo. São Paulo: Paz e Terra, 2004. 3v. v.3.
LOPREATO, Christina da Silva Roquette.
A semana trágica; a greve geral anarquista de 1917. São Paulo: Museu da Imigração, 1997.
SOUSA, Washington Luis Pereira de.
Relatorio de 1917 apresentado á Camara Municipal de São Paulo pelo Prefeito Washington Luis Pereira de Sousa. São Paulo : Casa Vanorden, 1918. p. VIII e IX.
A gripe de 1918
Entre as imagens simbólicas de maior força e longa permanência no imaginário humano encontram-se as
referências a doenças e epidemias repentinas e devastadoras. E talvez sejam elas, as que todos nós
partilhamos através de experiências próximas e de grande intensidade.
Não é necessário, no caso brasileiro, o deslocamento temporal de alguns séculos, para reencontrar os
surtos de cólera, da peste bubônica... Basta um quarto de século para enfrentar todo o estigma da
fase inicial da AIDS, entremeado por tabus e obscurantismo. Ou mesmo, nos últimos anos, toda a
especulação ao redor da gripe aviária. A fragilidade do Estado e da sociedade civil parecem similares
a qualquer outro momento ao longo de cinco milênios de história ocidental ao enfrentar antes das causas
reais as imagens míticas.
O episódio da gripe de 1918, conhecida também como a gripe espanhola, instaurou em todo o mundo em seu
curto período de expansão uma alteração excepcional da rotina diária. Apesar disso, apenas num período
recente a bibliografia disponível pode contar com estudos detalhados, entre eles, no caso paulistano, o
livro
A gripe espanhola em Sâo Paulo, 1918: epidemia e sociedade, a partir da dissertação de
mestrado pela USP (História) de Claudio Bertolli Filho (2003, Paz e Terra). Estudos do gênero integram
toda uma produção das últimas décadas voltadas para as condições de saúde e higiene, e a difusão de novos
conceitos, ideologias e técnicas a partir do final do século XIX.
Entre os documentos disponíveis, na esfera do governo municipal, sobre a epidemia é relativamente
referenciado o relatório do prefeito Washington Luís (1870-1957), cujo período administrativo cobre o
intervalo 1913-1919. Denominado
Officio n.477, o relato apresenta “as providências tomadas
pela municipalidade durante a epidemia de grippe, e de acordo com a resolução n.131, de 26 de outubro
de 1918, da Câmara”.
Incluso no
Relatório de 1918 apresentado a Camara Municipal de São Paulo pelo prefeito Washington
Luis Pereira de Sousa (1919, Casa Vanorden, p.80-127), o documento teve ainda uma edição isolada,
publicada pelo mesmo editor no ano de 1918. Uma cópia desta versão está disponível no
link abaixo,
em formato PDF, cedida pelo Museu Republicano, de Itú (MRCI-USP). A versão inclusa nos relatórios dos
prefeitos pode ser consultada no acervo do AHMWL.
A leitura do documento, que apresenta as providências tomadas pelo Executivo a partir da resolução n.131,
de 26.10.1918, que dá ao prefeito “poderes extraordinários e excepcionaes”, permite recuperar parte da
situação em que se encontrava a cidade e como o governo respondeu às demandas. Criticado por pesquisadores
como Claudio Bertolli, que vêem o registro em sua parcialidade, ainda assim o relatório de Washington Luis
permite identificar a magnitude dos acontecimentos e as alterações das dinâmicas urbanas ocorridas entre
17 de outubro e 30 de novembro.
Eis o que foi feito neste período de seis semanas. Em melhores mãos, mais promptas, mais efficazes,
mais intelligentes teriam sido as providências postas em pratica. A cidade de São Paulo tem que se
contentar com o Prefeito que escolheu. (1918, p.29).
O tom com que Washington Luis finaliza o seu relato é surpreendente, talvez uma pista para compreender o
impacto da epidemia. A qualidade do texto permite, mais do que um simples relatório administrativo,
entender a progressão da doença, o número de mortes, a estratégia adotada. Qualidade que pode ser
entendida considerando o perfil intelectual do seu autor, conhecido também por sua produção historiográfica
sobre São Paulo colonial. Nesta perspectiva, poucos estudos como o ensaio "O historiador Washington Luis",
de Celio Debes, publicado na
Revista do IHGBSP, em 1990, apresentam alguma reflexão. Os
remanescentes de sua biblioteca pessoal, depositados no Arquivo do Estado, juntamente com sua documentação
textual, basicamente epistolográfica, além do conjunto sob a guarda do MRCI-USP, que inclui registros de
pesquisas, catálogos da biblioteca pessoal, todo esse conjunto aguarda investigação detalhada.
O teor literário do relato, nas devidas proporções, remete ao texto clássico de Daniel Dafoe (1660-1731), um dos
marcos precursores do romance -
Um diário do ano da peste-, que esboça o quadro londrino do século
XVIII. Em uma narrativa que procura apresentar registros dos acontecimentos, sob rigor administrativo,
desenvolve-se uma história, um foco paralelo, que revela as concepções ideológicas na escolha da perspectiva de ação.
Cinco dias, conforme indica o texto, marcam o intervalo de difusão da gripe entre as cidades do Rio de
Janeiro e de São Paulo. O foco da ação é evitar a interrupção de serviços, através de medidas como a
contratação imediata de substitutos dos empregados municipais impossibilitados de comparecer ou vítimas
da doença. A estimativa inicial era de 6 a 8 mil casos/dia numa população com 500 mil habitantes.
Entre os itens aos quais a prefeitura dedicou esforços imediatos estavam a alimentação da população,
visando garantir o abastecimentos de carnes, aves, leite e lenha, a limpeza pública (cujos empregados
receberam um aumento salarial emergencial de 10 a 15 por cento), além da manutenção de serviços
terceirizados como iluminação pública, telefonia e serviços funerários.
Os enterramentos/dia subiram de 27 para 300, num total de 8.040 vítimas (corrigido para 7.103 na errata)
em 45 dias de duração da epidemia, ao invés do patamar esperado de 1.350 mortes no mesmo período.
Além da resolução n.131, de 26.10.1918, emitida pela Câmara Municipal, que deu ao prefeito poderes
excepcionais, basicamente voltados a aplicação de recursos e aumento de agilidade administrativa,
sucedem-se outros na esfera do Executivo:
- ato n.1269, de 15.10.1918, que cassa, “por motivos de interesse público, todas as licenças especiaes concedidas pela Prefeitura para o funccionamento de bilhares e botequins com diversões”;
- ato n.1270, de 25.10.1918, que dá “instruções para substituições de empregados municipaes”, permitindo a substituição imediata dos servidores e a obrigatoridade dos empregados comunicarem a ausência em caso de moléstia;
- ato n.1274, de 07.11.1918, que suspende “temporariamente, as tabellas de preços e classes para a execução do serviço funerário”, e garante a quem não tiver recursos o fornecimento de caixão e transporte gratuito ate os cemitérios para os enterramentos, suprime temporariamente os carros para transportes de coroas e restringe o acompanhamento dos cortejos às pessoas da família dos falecidos;
- ato n.1276, de 16.11.1918, que cria a Diretoria de Salubridade Municipal, cujas atribuições incluíam a fiscalização dos serviços contratados para enterramento (Irmandade da Santa Casa e empresa Rodovalho Junior, Horta & Companhia), o fornecimento gratuito de caixões a indigentes, bem como o transporte dos caixões; e
- ato n.1278, de 18.11.1918, que declara de utilidade pública, para desapropriação judicial, áreas para expansão do Cemitério do Araçá.
Em 30.11.1918, o ato n.1284, revogaria todos os atos provisórios gerados pelo combate à epidemia.
Veja o texto completo (PDF):
Ofício n.477 (62p.)
Ricardo Mendes
A revolução de 1924
Tal como o levante do Forte Copacabana ocorrido no Rio de Janeiro em 1922, o movimento armado deflagrado dois anos mais tarde em São Paulo tinha por meta derrubar o governo federal e instaurar uma república depurada, livre dos desmandos cometidos pelas oligarquias instaladas no poder. Liderados pelo tenente-coronel Isidoro Dias Lopes, hoje nome de rua paulistana, os revoltosos entraram em São Paulo em 5 de julho, permanecendo na cidade até a madrugada do dia 28 do mesmo mês, na esperança de que reforços aliados engrossassem a marcha que fariam sobre a Capital Federal para depor o presidente Artur Bernardes. Os reforços jamais chegaram e durante esses vinte e três dias São Paulo tornou-se alvo das tropas legalistas que começaram a bombardeá-la de modo indiscriminado.
O clima de terror estabeleceu-se rápido. Os revoltosos fizeram do quartel da Luz o seu quartel-general e expulsaram o presidente do Estado de São Paulo do Palácio dos Campos Elísios. Com o recrudescer da violência, os paulistanos que não fugiram para o interior ficaram a mercê de todo tipo de desordem: bombardeios, tiroteios, saques, roubos, incêndios e até estupros. Tentando evitar o pior, uma comissão liderada pelo Prefeito Firmiano Pinto (1920-1926) e José Carlos de Macedo Soares, presidente da Associação Comercial de São Paulo, procurou estabelecer o diálogo com os revoltosos e com as forças legalistas, no esforço de não perder de vez o controle sobre o maior centro econômico do País.
O clima, no entanto, era de verdadeira guerra. As tropas legalistas estacionadas desde a Penha até o Cambuci disparavam obuses sobre vários bairros periféricos e o Centro e aviões despejavam bombas sobre a população desarmada. Entrincheirados, os revoltosos acabaram por atrair a simpatia de parte dos paulistanos, que atribuíam toda sorte de abusos às forças da legalidade. Os dias foram-se passando e, pouco a pouco, a situação começou a favorecer as tropas leais ao Governo Federal. Por fim, diante da terminante negativa expressa pelas forças legais de interromperem os bombardeios, os revoltosos retiraram-se da cidade à noite, de trem em direção ao interior, sem terem sido percebidos pelo inimigo.
O saldo dos combates foi dramático: cerca de 500 mortos, 4.800 feridos, edifícios públicos e privados danificados ou arruinados, indústrias incendiadas, sedes de empresas e armazéns saqueados, praças e jardins públicos devastados, calçamento a paralelepípedos desmanchado por ter sido usado na formação de trincheiras, animais mortos pelas ruas, grave ameaça de desabastecimento. A vida cotidiana da cidade ficou suspensa durante os dias de conflito e o pavor de uma possível sublevação das camadas mais desfavorecidas, que viesse subverter a ordem social à maneira da Revolução Russa (1917), atormentou os setores conservadores.
Afinal, restabeleceu-se a paz, mas os principais interlocutores que procuraram manter a ordem na Capital acabaram acusados pelo Governo Federal de terem sido coniventes com os revoltosos. Macedo Soares, por exemplo, foi preso e seguiu para o exílio, só retornando três anos depois. Quanto a Isidoro Dias Lopes, estaria de volta à cidade em 1930, onde aguardaria com as forças armadas sulistas a chegada de Getúlio Vargas, vencedor da revolução que pôs fim à autoritária e elitista Primeira República.
Ainda hoje é possível admirar as marcas das balas e granadas na velha chaminé da antiga usina de força e luz ao lado do Quartel do Batalhão Tobias de Aguiar, local onde se aquartelaram os militares sediciosos. A construção, situada na Rua João Teodoro, é tombada e permanece como símbolo dos tumultuosos acontecimentos de 1924.
Eudes Campos
Veja ainda o link:
1924: imagens da revolução
Obra de referência consultada
História & energia. A Light e a Revolução de 1924. São Paulo, Departamento do Patrimônio Histórico/ Eletropaulo, n.4, setembro de 1987.