Largo Municipal, atual Praça João Mendes, o primeiro logradouro ajardinado da cidade
Segundo conjecturas nossas expressas em estudo datado de alguns anos, a origem do velho Largo de São Gonçalo remontaria a tempos
pré-cabralinos, tendo esse espaço público procedido da intercessão de remotas trilhas indígenas. A que vinha do sul, de Jeribatiba
(Avenida da Liberdade e Rua Dr. Rodrigo Silva), e se dirigia para o nordeste (antiga Rua de São Gonçalo e Rua Quinze de Novembro) se
subdividia na altura desse largo, de onde partia um galho que se desviava para nor-noroeste (Ruas Quintino Bocaiuva, Álvares Penteado e
do Seminário) encaminhando-se para a lendária região de Piratininga, região talvez situada à margem sul do Rio Anhembi (Tietê), na
altura do atual bairro do Bom Retiro.
As redondezas do futuro largo permaneceram por séculos distantes da minúscula área urbanizada de São Paulo, só sendo a ela incorporada
no século XVIII, quando uma capela de pardos, hoje Igreja de São Gonçalo, foi construída (1757) junto do caminho de Santo Amaro
(Rua Dr. Rodrigo Silva). Em fins do setecentismo, decidiram os vereadores paulistanos erguer a nova Casa de Câmara e Cadeia no
então chamado Largo de São Gonçalo. Essa atitude contrariava a tradição, na medida em que a nova sede do governo municipal se
posicionaria em área descentralizada, ao contrario do que normalmente ocorria na maioria das aglomerações coloniais luso-brasileiras.
Mais curiosa era a localização do novo pelourinho que não estava alevantado, como de hábito, defronte ao Paço Municipal, mas
chantado em um logradouro vizinho, desde então denominado Largo do Pelourinho, hoje Sete de Setembro.
A explicação que temos para esse fato é que o Largo de São Gonçalo dava passagem a dois caminhos muito importantes, constantemente
percorridos por tropas de muares e carros de bois: o Caminho de Santos, que cruzava o largo em diagonal, saindo pela atual Rua
da Glória, e o Caminho de Santo Amaro que seguia pela atual Avenida da Liberdade. Sendo o largo do São Gonçalo uma saída da
cidade muito movimentada, às vezes usada como ponto de celebração das festas reais no final dos Setecentos, teriam os
vereadores paulistanos escolhido para o Pelourinho de 1812 um local um pouco menos agitado, ainda que situado à beira do Caminho do Mar.
A Casa de Câmara e Cadeia foi erguida a partir de 1783. Como é sabido, o engenheiro militar João da Costa Ferreira (1750-1822) teria feito
uma intervenção na fachada do prédio com propósito de aperfeiçoá-lo esteticamente por volta de 1791 (fig.1). O edifício permaneceu
praticamente intocado até 1877, quando a Assembleia Provincial decidiu transferir sua sede para ele, dividindo o espaço com a
Câmara dos Vereadores. Foi criado assim o Paço da Assembleia Provincial e Câmara Municipal, por cujas adaptações se responsabilizou
Eusébio Stevaux (fig. 2). Dentro do quadro de precariedade que aos poucos se dissipava em São Paulo, Stevaux procurou conferir um ar
de civilidade cosmopolita ao edifício, ao introduzir nele uma aparência de
hotel de ville ou
mairie francesa.
O resultado do ponto de vista estritamente estético não deixou de ser medíocre, mas os contemporâneos ainda inabituados com os padrões
da arquitetura eclética internacional receberam o predinho com teto coberto com placas de ardósia como o supra-sumo
da Arquitetura. Uma vez concluído, ocorreu aos edis mandarem instalar um jardim no espaço árido do largo para a valorização da
sede da Assembléia, o que foi realizado em 1879, pelo engenheiro Fernando de Albuquerque, na época servindo como engenheiro da
Província a serviço da Câmara Municipal. O lugar foi então arborizado; construiu-se nele um coreto de ferro, que logo se cobriu de
verdura; distribuíram-se bancos para os passantes e gradeou-se o pequeno jardim, como era moda fazer na Europa. Infelizmente, o
local era totalmente inadequado para isso. Nas noites em que funcionava o Teatro São José (1864-1898), erguido no fundo da catedral,
via-se formar em torno do logradouro um grande congestionamento de carruagens.
Fig.1- Casa de Câmara e Cadeia.
Foto de Militão Augusto de Azevedo, por volta de 1862.
Fig.2- Jardim público do Largo Municipal.
Projeto do engenheiro municipal Fernando de Albuquerque,
datado de 1879. Vista tomada a partir
de uma das janelas da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios.
Foto de Militão Augusto de Azevedo (1837- 1905),
datada de 1887.
AZEVEDO, Militão Augusto de.
Album comparativo da cidade de São Paulo, 1862-1887.
São Paulo: DPH (SMC), 1981.
Como na passagem do século XX saiu de moda o gradeamento de praças públicas, logo o Largo Municipal perdeu o seu. Depois da morte do
famoso jurista maranhense João Mendes de Almeida (1831-1898), morador do largo, o logradouro passou a se chamar em sua homenagem,
Praça Dr. João Mendes. E no tempo do prefeito Prestes Maia (1938-1945), a sede da antiga Assembleia Legislativa foi
finalmente demolida (1943) para a construção do Viaduto D. Paulina, uma etapa na formação do anel radioconcêntrico
chamado Perímetro de Irradiação, concebido por esse prefeito para desafogar o intenso trânsito de automóveis que congestionava
a área central da nascente metrópole paulistana.
Eudes Campos
Seção de Estudos e Pesquisas
BIBLIOGRAFIA
- CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. 1997. Tese (Doutorado em Arquitetura) – FAU USP, São Paulo. 4v.v.2.
- ______. A vila de São Paulo do Campo e seus caminhos. Revista do Arquivo Municipal. São Paulo, Departamento do Patrimônio Histórico, v.204, 11-34, 2006.
Disponível em:
Acesso em: 4 de janeiro de 2009.
Para citação adote:
CAMPOS, Eudes. Largo Municipal, atual Praça João Mendes,
o primeiro logradouro ajardinado da cidade.
INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL, 4 (23): mar/abr.2009 <http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>