Engenheiro Eusébio Stevaux (1826-1904)
Os dados de caráter pessoal da biografia que vem a seguir foram extraídos em grande parte do Processo n.° 2.363, de 1965, da Prefeitura do
Município de São Paulo, hoje depositado no Arquivo Geral. Esse processo contém dados sobre a vida do engenheiro Stevaux que justificaram
a atribuição de seu nome a uma avenida paulistana situada no distrito de Santo Amaro, o que se deu por meio do Decreto n.º 6.139,
de 21 de maio de 1965. Mais tarde, seu nome foi também conferido a um viaduto localizado no Vale do Anhangabaú, na região central da
cidade, conforme Decreto n.° 9.761, de 21 de dezembro de 1971.
A origem dessas e de outras informações veiculadas neste
Informativo é a documentação acumulada pela família Stevaux.
Do arquivo familiar constam transcrições de inúmeros documentos da mais diversificada espécie: artigos de jornais de época,
trechos de diversas obras em que se faz menção a Eusébio Stevaux, além de memórias publicadas em periódico de São Paulo.
A fonte mais antiga a que pertencem os dados pessoais do engenheiro é o diário de sua esposa, Léonie, escrito em 1889.
O industrial Orlando Stevaux (?-1982), sobrinho-neto do engenheiro, foi o responsável por essa recolha, tendo acumulado
uma quantidade apreciável de documentos relativos a seu tio. Embora importante, essa documentação traz por vezes dados
incorretos acerca da vida e da atuação profissional de Stevaux, dados esses que tiveram de ser cotejados com outras fontes,
sobretudo relatórios de Presidentes da Província de São Paulo e documentos custodiados pelo Arquivo Público do Estado. Ademais,
Orlando Stevaux quase não conseguiu nenhuma informação relativa à atuação do engenheiro Stevaux no campo da Arquitetura,
especificamente da Arquitetura Oficial, pela qual o engenheiro deve, a nosso ver, ser mais merecidamente lembrado.
Agradecemos postumamente à D. Adelaide, viúva de Orlando Stevaux, a gentileza de ter posto à nossa disposição, há quase 20 anos
atrás, parte da documentação arquivada.
Principais dados biográficos
Marie François Eusèbe Stevaux nasceu em 14 de agosto de 1826, na cidade francesa de Allègre (Haute Loire), filho de Jules Modeste Stevaux
e Marie Magdalaine Julie Stevaux.
Após concluir seus estudos na reputada
Ecole des Ponts e Chaussées, em Paris, começou a trabalhar na estrada de ferro de Paris a
Estrasburgo. Contratado para serviços de engenharia na Califórnia, partiu da França pelo porto do Havre, embarcando na galera Elisa,
acompanhado de sua mulher Léonie.
Depois de uma longa viagem contornando a América Latina, pois na época ainda não existia o Canal do Panamá, o navio chegou ao Rio de
Janeiro, um dos portos de reabastecimento e reparos. Enquanto o casal estava em terra, fazendo a entrega de uma encomenda de um
amigo ao Imperador D. Pedro II, a embarcação, surta no porto, afundou rapidamente após uma explosão (8 de fevereiro de 1851).
Perdendo toda a bagagem, Eusébio conseguiu ser contratado para trabalhar na abertura de um canal em Campos. Mais tarde,
voltou ao Rio de Janeiro e participou da construção da Estrada D. Pedro II.
A seguir, deu prosseguimento à carreira nas Províncias do Rio, de Minas Gerais e de São Paulo, adotando a cidadania brasileira
em 18 de maio de 1870. No ano subsequente, já em São Paulo, assumiu os estudos preliminares da linha ferroviária sorocabana no
trecho de São Roque a Sorocaba. Nessa ocasião fundou um estabelecimento industrial e agrícola de grande valor em sua fazenda do
Pantojo. Daí, mais tarde, extrairia cal hidráulica e renomados mármores de várias cores para a construção civil.
Em 1876 ou no início de 1877, Stevaux passa a prestar serviços para o governo da Província de São Paulo. A nosso ver,
começa nesse ponto a fase mais relevante de sua carreira, pois, como veremos adiante, foi graças ao prestígio granjeado
anteriormente que teve a oportunidade de renovar vários edifícios públicos paulistanos, então em mau estado de conservação,
numa época em que a Capital começava a sofrer incipientes transformações urbanas.
Após nove anos de trabalhos públicos, mais ou menos, durante os quais desenvolveu projetos ligados à Arquitetura e a diversos
ramos da engenharia, foi exonerado a pedido em 1885, retirando-se para São Roque, onde se tornou muito querido. Aí,
participou do Conselho de Intendência no período 1890-1892 e, eleito vereador, chegou a ocupar o cargo de vice-presidente da
Câmara. Projetou gratuitamente a rede de abastecimento de águas daquela cidade entre 1891 e 1893. Recebeu justa homenagem dos
cidadãos sanroquenses em 1894, sendo-lhe oferecido na oportunidade um retrato a óleo executado pelo insigne pintor José
Ferraz Almeida Júnior (1850-1899), obra hoje incorporada ao acervo da Pinacoteca do Estado (fig.1).
Fig.1 - Pormenor do retrato de Eusébio Stevaux,
datado de 1894 e executado pelo pintor José Ferraz Almeida Júnior (1850-1899), obra hoje
incorporada ao acervo da Pinacoteca do Estado.
SÂO PAULO (estado).Pinacoteca do Estado. Catálogo geral de obras.
São Paulo: IMESP, 1988.
No seu grande estabelecimento do Pantojo, onde dispunha de uma linha de estrada de ferro que interligava a propriedade à
Sorocaba, além de explorar cal e mármores, dedicou-se à vitivinicultura e às culturas de aspargos e alcachofras, nas quais se
afirma ter sido pioneiro. Dizem ainda que estudara Medicina na França, chegando a receitar homeopatia.
Faleceu em 21 de fevereiro de 1904, na casa da família no Largo dos Guaianases (hoje Praça Princesa Isabel), em São Paulo.
Depois de morto, sua fazenda do Pantojo foi a leilão, por estar hipotecada. Segundo depoimento constante do Arquivo da Família
Stevaux, as renomadas jazidas de mármore encontravam-se completamente inutilizadas por volta de 1940, por terem sido desde
longa data tratadas à dinamite.
Obras comprovadas
Durante sua permanência no serviço público da Província de São Paulo no período de oito ou nove anos, ocupou sucessivamente o
cargo de engenheiro responsável pelo 2º distrito (Vale do Paraíba); pelo 5º distrito (região de Itu e Sorocaba) e pelo 1°
distrito de Obras Públicas (Capital e região circundante). Após a extinção dos distritos por Ato de 1884 continuou como
engenheiro provincial até o pedido de exoneração.
Dos diversos trabalhos executados para a Província, recuperamos comprovadamente os que se seguem – de natureza variada, refletem a
versatilidade de atuação dos engenheiros numa época em que ainda não estava estabelecida a especialização profissional: projeto de
reforma da Casa de Câmara e Cadeia da Capital para adaptá-la à sede da Assembleia Provincial (1877) (fig.2); obras de
abastecimento de água para a Penitenciária (Casa de Correção) e o Jardim Público (1879); relatório sobre o traçado do prolongamento
da linha férrea da Companhia Paulista, passando pelo Morro do Pelado (1879); projeto da nova sede da Tesouraria de Fazenda (1881),
deixada inconclusa; plano de reconhecimento de um traçado para a estrada de Pindamonhangaba aos Campos do Jordão (1881), trabalho
em que auxiliou o Diretor de Obras Públicas Elias Fausto Pacheco Jordão (1849-1901), e projeto de melhoramentos do primeiro edifício
da Hospedaria do Imigrante, localizado no Bom Retiro (1882-1883).
Fig.2 - Foto da Assembleia Provincial (1877-1879) por volta de 1890.
Projeto de reforma a cargo de Eusébio Stevaux.
Fotógrafo não identificado.
KOSSOY, Boris. Album de photographias do Estado de São Paulo.
São Paulo: CBPO/Kosmos, 1984.
Paralelamente a essa atividade realizada dentro da estrutura administrativa da Província, realizou trabalhos para a iniciativa privada,
tais como: o projeto de estrada de ferro de São Paulo a Mato Grosso, juntamente com o engenheiro França Leite (1879); os planos
do
boulevard do Chá, para o empresário e litógrafo Jules Martin (1880) (fig.3); o levantamento do terreno e o cálculo da força
motriz da cachoeira Votorantim para estabelecimento de uma fábrica de tecidos (1883) e a carta da Província de São Paulo,
publicada por ele mesmo (1883). Foi professor do Liceu de Artes e Ofícios, de 1882 a 1900, sócio fundador do Instituto
Politécnico de São Paulo (1876) e ainda vice-presidente do Clube Paulista de Engenharia e Indústria (1883). Segundo o
necrológio publicado no Diário Popular, era apontado como autor da matriz de Jundiaí, mas isso é um equivoco, pois documentos
depositados no Arquivo Público do Estado comprovam que o verdadeiro autor da obra executada em 1882 era o engenheiro Antônio
Cândido Rodrigues, irmão do vigário daquela paróquia. João Fernando (Yan) de Almeida Prado (1898-1991), por seu turno, num de
seus textos sobre a arquitetura paulistana oitocentista, atribuía a ele a concepção do palacete de Augusto de Sousa Queirós
(c.1878-c.1880) (fig.4), sito no antigo Largo Sete de Abril (Praça da República) – no lugar onde hoje se ergue o conhecido
Edifício Ester –, residência já assinalada na planta da cidade datada de 1881, executada pela Companhia Cantareira e Esgotos.
É possível que essa rica moradia tenha sido uma das primeiras em São Paulo a ser idealizada por profissional diplomado, realizada,
supomos, mais ou menos na mesma época da intervenção na Casa de Câmara e Cadeia (1877-1879). Infelizmente, de toda a sua produção
relativa à arquitetura privada só esse exemplar sobreviveu na memória das gerações mais recentes. Talvez não incorrêssemos em erro
se também atribuíssemos a Stevaux o projeto da casa vizinha a essa, pertencente a Luís Antônio de Sousa Queirós,
já que ambas possuem características arquitetônicas comuns, embora a residência de Luís seja alguns anos mais recente do que a casa de
seu irmão Augusto e, do ponto de vista estilístico, seja mais avançada ().
Fig.3 - Projeto do
boulevard do Chá. Empreendimento proposto por Jules Martin (1832-1906) em 1880, no qual trabalhou Eusébio Stevaux.
TOLEDO, Benedito L. Anhangabahu. São Paulo, Federeção das Indústrias do Estado de São Paulo, 1989.
Fig.4 - Residência de Augusto de Sousa Queirós (1844-1900),
projeto atribuído a Eusébio Stevaux.
Foto de Axel Frisch, por volta de 1895.
KOENIGSWALD, Gustavo. São Paulo. São Paulo: s.n., 1895.
Concebeu ainda um chafariz de mármore branco extraído de suas jazidas do Pantojo, que ofertou à cidade de São Roque por volta de
1893. Sabe-se também que na residência de sua propriedade agrícola havia uma lareira de mármore local, cujo desenho deve ser
igualmente atribuído à sua autoria.
Eudes Campos
Seção de Estudos e Pesquisas
Fontes consultadas
- Arquivo da Família Stevaux
Compilação de fontes diversas, primárias e secundárias, sobre Eusébio Stevaux, em parte usada para alicerçar a solicitação feita no
Processo n.° 2363/1965, da Prefeitura do Município de São Paulo, de conferir o nome do engenheiro a uma via pública paulistana.
- SÃO PAULO. ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Obras Públicas. Ordem 5194. Do diretor geral ao presidente da Província.
Segundo o diretor, Eusébio Stevaux solicitava pagamento das despesas feitas com as obras do palácio do governo. 12 de novembro de 1885.
Bibliografia
- CAMPOS, Eudes. São Paulo: desenvolvimento urbano e arquitetura sob o Império. In: PORTA, Paula (org.) A história da cidade de
São Paulo. São Paulo: Paz e Terra, 2004.3v. v.2.
- ______. Arquitetura paulistana sob o Império: aspectos da formação da cultura burguesa em São Paulo. 1997. Tese (Doutorado em Arquitetura) – FAUUSP, São Paulo. 4v.
- PRADO, J.F. de A. (Yan de Almeida). S. Paulo antigo e sua arquitetura. Illustração Brasileira. Rio de Janeiro, n.109, s.p., set.1929.
- SÃO PAULO (cidade). Prefeitura. Secretaria Municipal de Modernização, Gestão e Desburocratização. DIVISÃO DO ARQUIVO MUNICIPAL DE PROCESSOS. Processo n° 2363/1965.
Para citação adote:
CAMPOS, Eudes. Engenheiro Eusébio Stevaux (1826-1904).
INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL, 4 (23): mar/abr.2009 <http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>