MANUSCRITOS
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Edifício do Mercado Novo (1873), Palácio da Escola Normal (1874), Palácio do Tesouro Provincial (1876) ou
Palácio da Câmara Municipal (1897) ...
Sem dúvida nenhuma, a obra mais polêmica executada na cidade São Paulo durante a gestão de João Teodoro foi o Mercado de Verduras.
A indicação da Câmara Municipal paulistana foi apresentada ao presidente da Província no início de 1873 e ele, na tentativa de auxiliar a
administração da Capital, acabou por assumir a construção do mercado, associando a este equipamento um uso de interesse provincial:
a Escola Normal, depois a esta juntando o Tesouro Provincial.
A planta baixa da construção foi fornecida pela Câmara Municipal de São Paulo, que a mandara executar para uma concorrência que
não se realizou. O documento foi então remetido a João Teodoro e supomos que a autoria do risco deva ser atribuída ao engenheiro
alemão Carlos Rath (c.1801-1876) que havia sido colocado à disposição da administração municipal pelo governo da Provincia naquele
ano de 1873.
Se a ideia de juntar um mercado de verduras e uma escola num mesmo edifício se mostrava bastante infeliz, as coisas ficaram piores
quando o capitão Antônio Bernardo Quartim assumiu a responsabilidade pela construção do prédio. Na execução da obra – a primeira
sede de repartição pública especialmente erguida na capital paulista durante o Império –, empregaram-se tijolos, de provável fabricação
local, e pedras de cantaria, provenientes dos morros de Santos. Tratava-se de uma construção extremamente simples, só se distinguindo
pelas arcadas suportadas por colunas, de ordem aparentemente toscana ou dórica. Na opinião geral, as arcadas foram consideradas muito
altas e as colunas, extremamente robustas.
Os tijolos de barro cozido vinham sendo habitualmente usados na cidade desde os primeiros anos de 1850, mas o emprego da técnica construtiva
da alvenaria autoportante de tijolos, sem estar associada a nenhuma técnica auxiliar, como as estruturas de madeira, era um pouco mais
recente e sua execução ainda inspirava cuidados na década de 1870. De fato, escrúpulos excessivos eram partilhados tanto pelos
construtores empíricos, quanto pelos engenheiros diplomados.
Quando o engenheiro militar Azevedo Marques notou fissuras na estrutura murária do “mercado novo”, foi aos jornais denunciar o iminente
perigo. Segundo seu modo de ver, o edifício construído sobre arcadas tinha como pontos fracos sobretudo as colunas das esquinas.
Aí a tendência dos suportes era no sentido de se afastarem da vertical, “cedendo no sentido da diagonal do paralelogrammo das forças
convergentes representadas pela pressão dos arcos fechados sobre a columna em angulo recto”.
E acrescentava:
A esta consideração fundamental accresce a circunstancia de que tanto as arcadas como as columnas, feitas de tijolo, são por isso mesmo
frageis, e suscetiveis de ceder por esmagamento, abrindo perigoso ensejo à acção permanente do peso em desiquilibrio. [...]
A possibilidade de esboroamento desta [coluna de esquina], ou por sua fragilidade, ou pelo desiquilibrio de pressão dos arcos,
é portanto ameaçadora, se não inevitavel.
Essas denúncias resultariam nas medidas de segurança tomadas pelo presidente da Província após ouvir vários engenheiros que se achavam
em São Paulo, entre os quais alguns eminentes profissionais estrangeiros, episódio que já tivemos oportunidade de relatar em outro ponto
deste Informativo.
Além desses aspectos técnicos preocupantes, a aparência da construção inspirava aversão à população da cidade porque havia clara
desproporção entre a altura das arcadas do rés do chão e a altura das janelas singelas do pavimento superior. Mas o defeito principal
era que o edifício estava desprovido de platibandas, numa época em que a nova arquitetura que nos chegava da Corte vinha sempre acompanhada
desses elementos decorativos e simbólicos, cuja única função prática se resumia em esconder os telhados.
Baseando-nos em fotos e desenhos do edifício em reforma ou concluído, ensaiamos uma reconstituição gráfica regressiva (figs. 1 e 2),
na tentativa de visualizar o prédio em sua aparência original, tal como teria sido inicialmente construído por Quartim.
Fig.1- Reconstituição gráfica aproximada da fachada principal do Mercado Novo, tal como teria sido executada pelo capitão
Antônio Bernardo Quartim, entre 1874 e 1875.
Arq. Eudes Campos, 2010.
Fig.2- Reconstituição gráfica aproximada da fachada do Mercado Novo voltada para a Rua da Imperatriz, tal como teria sido
construída pelo capitão Antônio Bernardo Quartim, entre 1874 e 1875.
Arq. Eudes Campos, 2010.
Após a demissão de João Teodoro, o presidente Sebastião José Pereira suspendeu os trabalhos e designou o engenheiro provincial
Felipe Hermes Fernandes Trigo de Loureiro para rever os planos da construção. A ele atribuímos a configuração neoclássica que o
edifício adquiriu a partir de então, com platibandas inteiriças, antecorpo central coroado por frontão e arcadas do térreo tapadas por
inúteis, já que a edificação deveria abrigar agora a Escola Normal no piso inferior e o Tesouro Provincial no superior. Não existem
imagens fotográficas da construção neste estágio, por isso tivemos de nos basear para a sua reconstrução gráfica em desenhos sumários
feitos na época (figs. 3 e 4).
Fig.3-Reconstituição gráfica aproximada da fachada principal do Palácio do Tesouro, tal como teria sido realizada pelo engenheiro
provincial Felipe Hermes Fernandes Trigo de Loureiro, entre 1876 e 1877.
Arq. Eudes Campos, 2010.
Fig.4-Reconstituição gráfica aproximada da fachada do Palácio do Tesouro voltada para a Rua da Imperatriz,
depois da reforma realizada entre 1876 e 1877.
Arq. Eudes Campos, 2010.
Já no tempo da República, o Palácio do Tesouro seria submetido a nova reforma. Em 1891 decidiu-se regularizar um trecho da Rua 15
de Novembro. Para tanto foi necessário cortar o edifício do Tesouro em cerca de quatro metros. O projeto ficou a cargo do
engenheiro municipal Artur Silva. Como o estilo neoclássico do tempo do Império estava,
havia muito, superado, nova modenatura, agora de sabor neorrenascentista, foi imposta à construção. Uma clássica foto do edifício foi
tomada por Guilherme Gaensly no princípio do século XX, mostrando-o a partir do Largo do Tesouro. Mas como a Rua do Tesouro era
muito estreita, não existem imagens da fachada principal da construção, o que nos obrigou a intentar uma reconstrução gráfica
aproximada dessa elevação ( figs. 5 e 6). Em 1897, o Tesouro abandonou o prédio, passando a construção a abrigar a sede da Câmara
Municipal e Prefeitura, esta última só criada em fins do ano seguinte. Em 1914 a Câmara e a Prefeitura se mudariam para Rua Líbero Badaró,
então recém-alargada, e ao prédio do antigo Tesouro foram atribuídas outras funções. Em 1937, segundo Antônio Cursino de Moura, foi
finalmente derrubado para a ereção do edifício que hoje se vê no local.
Fig.5-Reconstituição gráfica aproximada da fachada principal do Palácio do Tesouro, tal como teria sido projetada e executada
pelo engenheiro municipal Artur Dias, a partir de 1891.
Arq. Eudes Campos, 2010.
Fig.6- Reconstituição gráfica aproximada da fachada do
Palácio do Tesouro voltada para a Rua Quinze de Novembro,
conforme projeto de 1891.
Arq. Eudes Campos, 2010.
Do tempo em que funcionaram a Câmara e a Prefeitura no antigo Palácio do Tesouro provêm algumas plantas hoje conservadas no Arquivo
Histórico Municipal. Por esses desenhos técnicos se verifica que o mercado de 1874 apresentava planimetria muito irregular, cheia de
ângulos e tortuosidades, inconcebíveis em plantas corretamente neoclássicas. Irregularidades produzidas sobretudo em razão das
desigualdades existentes no parcelamento colonial paulistano. No tempo de João Teodoro várias edificações foram desapropriadas e
demolidas para dar lugar à nova construção, mas a ninguém do Executivo e do Legislativo paulista parece ter ocorrido criar
condições para que fossem adquiridas propriedades fundiárias em número suficiente que tornassem viável a realização de um projeto com
planta perfeitamente regular. Constata-se assim que a secular falta de recursos da cidade e do governo paulista gerara, por inércia,
um modo de pensar mesquinho e sem grandeza, que não tinha mais sentido num momento em que a Província de São Paulo enriquecia a olhos
vistos à custa da agricultura de exportação.
Na planta aqui exibida (fig. 7) é possível distinguir que o nível da planta baixa acompanhava a geomorfologia do terreno,
mais alto para o lado da Rua do Comércio, o que implicava na existência de degraus internos, que elevavam o piso térreo à medida que
este se aproximava da citada rua. Podemos notar também que as colunas que sustentavam o antigo pórtico possuíam pedestais regularmente
espaçados. A coluna que teria existido originalmente no lugar da escadaria encomendada em 1876 pelo engenheiro Trigo de Loureiro foi
substituída por duas colunas de ferro, de seção bem menor e com bases de pedra. As pedras de cantaria empregadas nesse serviço foram,
curiosamente, fornecidas por José Coelho Pamplona (1843-1906), proprietário de um depósito desse tipo de material de construção no Morro do
Chá.
Fig.7- Planta demonstrativa dos pontos correspondentes aos novos serviços constantes do orçamento de 4-12-99 no
Palacio Municipal. Esc. de 0 , 01 p. metro [esc. 1:100]. S. Paulo, 4 de Dezembro de 1899. Organisado pelo Engenheiro Luiz
Bianchi Betoldi.
Nesta planta o antigo Mercado de Verduras, depois transformado em Palácio do Tesouro, aparece reformado em 1891 e
adaptado em 1897 para receber a Câmara Municipal. Apesar das transformações, é possível reconhecer a estrutura original do
pórtico sustentado por grossas colunas de alvenaria. À esquerda, observa-se degraus que elevavam o piso à medida que ele se
aproximava da Rua do Comércio. À direita, vemos a perda de um tramo da planta, provocada pelo alargamento da Rua Quinze de
Novembro naquele ponto, realizado em 1891.
Acervo AHMWL
Açoriano, Pamplona se tornaria depois um personagem de grande destaque na sociedade paulistana finissecular. Nascido na Freguesia de
Porto Martins, Concelho de Praia da Vitória, na Ilha Terceira, José veio aos 13 anos morar com meios-irmãos mais velhos, estabelecidos
no Rio de Janeiro, onde exploravam pedreiras na Gamboa, fornecendo material para as obras do porto da cidade.
Desse negócio proveio seu tirocínio de 18 anos, lidando com pedras graníticas de construção, como afirmava em anúncio que mandou
publicar em jornal paulistano de 1875. Diziam seus contemporâneos que manejava pedras com grande destreza, munido apenas de uma
barra de ferro.
Em 1874, transferiu-se para São Paulo, porque a expansão econômica da região oferecia grandes oportunidades a homens de iniciativa como
ele. Fez-se industrial com fábricas de sabões e de velas e assim se tornou rico. Passou então a dedicar-se a negócios imobiliários, que
o transformaram em milionário. Os terrenos da Avenida Paulista loteados na ocasião da abertura dessa importante via em 1891 eram,
em grande parte, de sua propriedade. Devotou-se durante anos ao Hospital de São Joaquim, da Beneficência Portuguesa, e aplicou-se
em obras filantrópicas em sua terra, nos Açores, conquistando com isso o título nobiliárquico de Visconde de Porto Martim, conferido em
1905 pelo Rei de Portugal. Na documentação que compulsamos, traía sua origem portuguesa ao grafar clunas em vez de columnas
em recibo hoje arquivado no Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Arq. Eudes Campos
Seção Técnica de Estudos e Pesquisas
Notas
- NOTICIARIO. A Provincia de São Paulo. São Paulo, 22 de janeiro de 1875. p.2.
- Em ofício datado de l° de setembro de 1890 o governo do Estado declarou que o Palácio do Tesouro seria cortado em quatro metros
para alargamento da Rua Quinze de Novembro e que as obras correriam pela Intendência da Capital. No Arquivo Público do Estado acham-se
até hoje depositados os desenhos da fachada principal e da fachada lateral do edifício então reformado. Cf.:
ATAS, 1890. p. l9l e 192.
SÃO PAULO (ESTADO). ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Ofícios diversos da Capital. Ordem 4129. Ofício da Intendência Municipal
de São Paulo, solicitando o início das obras de corte do edifício, datado de 17 de junho de 1891 e acompanhado de dois desenhos
copiados a nanquim sobre papel linho. Esc. 1:100. Embaixo à esquerda, lê-se: “S. Paulo, 6 de Julho de 1891” (nome do desenhista,
ilegível); à direita: “S. Paulo, 20 de Junho de 1891”. Assinado por “Arthur Silva, engº Ajudante [da Intendência]”.
- MOURA, Paulo Cursino de. São Paulo de outrora. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1980. p. 211.
- A respeito de José Coelho Pamplona, consulte-se, por exemplo, na Internet:
<>
Acesso em 18 de outubro de 2009.
- SÃO PAULO (ESTADO). ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Ofícios diversos da Capital. Obras públicas. Ordem 5169. Documentos relativos ao Palácio do Tesouro Provincial. Conta de José Coelho Pamplona referente a 62 palmos cúbicos de cantaria com moldura para os pedestais das colunas grandes de ferro encomendadas para a escada pelo Dr. Trigo de Loureiro. Recebeu no dia 2 de junho de 1876.
REFERÊNCIAS
DOCUMENTAÇÃO PRIMÁRIA MANUSCRITA
- SÃO PAULO (ESTADO). ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Ofícios diversos da Capital. Obras públicas. Ordem 5169. Documentos relativos ao Palácio do Tesouro Provincial. Conta de José Coelho Pamplona referente a 62 palmos cúbicos de cantaria com moldura para os pedestais das colunas grandes de ferro encomendadas para a escada pelo Dr. Trigo de Loureiro. Recebeu no dia 2 de junho de 1876.
ARTIGOS EM PERIÓDICOS DE ÉPOCA
- NOTICIARIO. A Provincia de São Paulo. São Paulo, 22 de janeiro de 1875. p.2.
DOCUMENTAÇÃO ELETRÔNICA
- Biografia de José Coelho Pamplona - disponível em:
<>
Acesso em 18 de outubro de 2009
FONTES SECUNDÁRIAS
- MOURA, Paulo Cursino de. São Paulo de outrora. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1980.
FONTES SECUNDÁRIAS
- SÃO PAULO (CIDADE). ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL WASHINGTON LUIS. Planta demonstrativa dos pontos correspondentes aos
novos serviços constantes do orçamento de 4-12-99 no Palácio Municipal. Esc. 0 ,01 p metro. S. Paulo, 4 de Dezembro de 1899. Organisado pelo Engenheiro Luiz Bianchi Betoldi. O.Pu.Pl.Av.nº. Map. 5. Gav.3.VIII.C.1.D.
Para citação adote:
CAMPOS, Eudes. Edifício do Mercado Novo (1873), Palácio da Escola Normal (1874), Palácio do Tesouro Provincial (1876) ou
Palácio da Câmara Municipal (1897) ....
INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL, 5 (25-26): jul/out.2009 <http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>
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Serviços: A Seção Técnica de Manuscritos atende de segunda-feira à sábado, das 9 às 17 horas.
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