Outra geografia pode ser identificada na cidade se focarmos o setor da produção cinematográfica. Embora seja possível
identificarmos algumas áreas de concentração de produtoras no período recente como por exemplo a região da Vila Madalena
ao longo da década de 1980 e Vila Leopoldina na última década, talvez o setor da cidade que teve maior expressão e visibilidade sob esse aspecto seja aquele
conhecido entre as décadas de 1960 e 1980 como a "Boca do Lixo".
Ocupando ruas do bairro de Santa Ifigênia, a área reunia produtores e distribuidores de cinema. A concentração,
em parte justificada pela proximidade com as estações ferroviárias da Sorocabana e da Luz, junto à antiga rodoviária,
que facilitavam a remessa de filmes para o interior do estado, ocupava trechos das Ruas Vitória, Aurora e Triunfo.
As denominações das ruas, vias em parte já ocupadas também pelo meretrício, remetem à Guerra do Paraguai (1864-1870).
A região até o início da década de 1960 era fronteiriça à parte elegante da Avenida São João de um lado e de outro
vizinha ao antigo Palácio dos Campos Elísios, ocupado pelo governo estadual.
Duas pesquisas sobre a região são de menção obrigatória. Em 1981, mais uma vez, Inimá Ferreira Simões lança pelo
antigo IDART, unidade da Secretaria Municipal de Cultura, o livro
O imaginário da boca. Entrevistas com produtores
e realizadores, realizadas em bares e escritórios da região permitem traçar um quadro diversificado sobre o período
entre 1978 e 1980. A publicação é rica também pelos registros fotográficos do bairro e suas principais personalidades cinematográficas.
Contudo, o mais expressivo registro da Boca foi realizado por um dos seus diretores de destaque: Ozualdo Candeias (1922-2007).
Realizador importante, na verdade diretor inaugural do “Cinema Marginal”, Candeias lança em 2001 o livro
Uma rua chamada Triumpho. Edição limitada, com apenas 200 exemplares, teve no ano seguinte nova tiragem pelo interesse
despertado. Aqui, Candeias, fotógrafo e íntimo participante da comunidade apresenta uma leitura "antropológica" radical.
Bares, eventos e retratos de personalidades delineiam a Boca do Lixo. Os retratos são talvez uma das marcas distintivas da produção do autor;
neles Candeias produz fotomontagens que expressam graficamente a carreira dos principais realizadores do Cinema da Boca.
Essas imagens foram expostas em 1984 na exposição
A boca, realizada na sede da Imprensa Oficial. Cinco anos depois,
o Museu da Imagem e do SOM (MIS) recebe a mostra
Uma rua chamado Triumpho, apresentando o resultado de 20 anos de
documentação da Boca.
Em 2002, a
Retrospetiva Ozualdo Candeias – 80 anos apresenta em seu catálogo um dos primeiros artigos
sobre esse segmento da produção do autor:
Candeias, fotógrafo, escrito pelo pesquisador Ricardo Mendes. O organizador deste
evento, Eugênio Pupo, será o responsável pela exposição
Rua do Triumpho, realizada no MIS, em 2012 durante o evento
Maio fotografia, talvez a mais ampla retrospectiva sobre essa faceta do cineasta falecido em 2007.
O cinema das ruas
Data da primeira metade do século XIX a percepção de que se impunha pouco a pouco a necessidade de providências para estabelecer algum controle sobre a
numeração dos prédios e a denominação das ruas na cidade de São Paulo.
Nomes de caminhos e ruas de toda espécie foram definindo-se ao longo dos séculos XVII e XVIII de modo informal em quase sua totalidade.
Com o crescimento acelerado da cidade na segunda metade do século XIX, e em especial, na última década, a situação se tornaria, contudo, um elemento de pertubação da
rotina urbana.
O aumento da população em escala nunca vista na cidade e a consequente expansão física, seja em número de edifícios, seja a área urbana em crescimento,
indicavam um momento de aceleração igualmente das relações de troca e comunicação de toda espécie. Com o século XX o problema era evidente, frente ao número de logradouros
com nomes não oficiais ou sem denominação simplesmente.
Ainda que problema “menor” frente às demais necessidades de intervenção e a estruturação de um sistema de gerenciamento urbano, as dificuldades decorrentes
eram claras no dia a dia.
Para compreender melhor esse processo histórico, recomenda-se a consulta ao
, página do
site institucional que traz
amplo panorama sobre esse aspecto. Nesta edição temática, basta indicar alguns momentos significativos desse processo para a presente abordagem.
No momento inicial do século passado, o governo municipal realiza empreitadas na tentativa de solucionar a questão, ao menos temporariamente. Episódios
de denominação em massa de logradouros ocorrem assim em anos como 1914 e 1916.
Em 1936, o ato 1013 estabelece “normas para denominação das vias públicas, numeração dos imóveis, emplacamento e registro de ruas particulares”.
Um aspecto notável é que essa legislação, através do artigo sexto, integra a esse processo a equipe do recém-criado Departamento de Cultura para avaliação do
mérito das proposições.
Quase oitenta anos depois, o Arquivo Histórico de São Paulo continua a auxiliar outros órgãos do Executivo nessa ação como também o Legislativo. Responde
também por difundir junto à população dados sobre a questão, para o que faz uso em especial do serviço
Dicionário de ruas,
disponibilizado na internet a partir de dezembro de 2003.
Os problemas relativos à ausência de denominação, ruas não oficiais ou homonímias, no entanto, acompanharam a passo apertado o crescimento paulistano.
Na segunda metade do século XX, novamente o poder público promoveu denominações em massa (1953, 1955, 1962, 1968, 1972, 1973 e 1974).
Além das necessidades em questão, a legislação brasileira imporá claramente essa obrigação aos municípios. Em 1969, através de decreto-lei estadual, conhecido como
Lei Orgânica dos Municípios, reforçasse essa tarefa que se estende agora até mesmo aos próprios municipais, em outras palavras construções que abrigam serviços da cidade.
Em 1975, como informa o
Dicionário de Ruas, a imprensa registrava que vinte mil logradouros não tinham denominação oficial num total 45 mil vias.
Nesse contexto imediato é implantado em 1977 o
Banco de Nomes, gerenciado pela Secretaria da Habitação (SEHAB). O projeto contava com três consultores: o
arquiteto Benedito Lima de Toledo, o professor Flávio Di Giorgi e o jornalista Lauro Machado Coelho.
A base de dados atinge assim um universo de 25 mil sugestões com indicações relativas aos mais diversos campos do conhecimento. Ao final da década de 1980,
o então Arquivo Histórico Municipal passa a colaborar na apresentação de sugestões para o banco.
Continua >
|
|
|
| |
Para citação adote:
MENDES, Ricardo, MIRANDA, Luiz Felipe. As ruas de São Paulo:
Memória do cinema nos logradouros da cidade.
INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO, 8 (31): dez.2012
<http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>