ENSAIO TEMÁTICO
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As ruas de São Paulo:
Memória do cinema nos logradouros da cidade
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O cinema brasileiro nas ruas da cidade
Abordar as referências à história do cinema brasileiro parece revelar em parte procedimentos similares ao bloco anterior como o condicionamento à historiografia disponível.
Neste aspecto as ocorrências dependiam também de um campo de pesquisa em seu início, de modo consistente, na década de 1970 e seguinte. Por outro lado, aqui se
introduz um aspecto evidente em cada menção: a homenagem.
Não é possível responder de forma completa todos os aspectos inclusos nesse ponto. Aparentemente como no caso do cinema internacional boa parte das denominações parecem
ter origem também no Banco de Nomes. No entanto, aqui e ali, o que exigiria um levantamento mais demorado, surgem evidências de homenagens imediatas. Quase todas
que podem ser referenciadas não remetem diretamente aos principais diretores ou agentes, mas muitas vezes a personalidades como atores reconhecidos mais em outros meios,
sem que sejam por isso de presença irrelevente no cinema.
È possível assim citar a Avenida Hebe Camargo, a Praça Ronald Golias ou a Rua Waldemar Seyssel (Arrelia). Mas retomemos o mesmo procedimento do bloco anterior.
Quem são os pioneiros reverenciados? Aqui o conjunto parece impressionar pelas ausências, mas apontemos no período mudo a Rua Vittorio Capellaro,
diretor que estreia em 1915, menção isolada apenas rompida pela presença da Avenida Adhemar Gonzaga, associado à introdução do cinema em modelo industrial através da
Cinédia. Dos atores do período, em si raros pela dificuldade de estabelecerem uma carreira, há menção na Rua Irene Rudner, que estreia em O descrente em 1927.
Destaque-se as referências a homens de imprensa da década de 1930, críticos ou cronistas que terão eventualmente participação em outros momentos como Guilherme de Almeida,
escritor mencionado em denominações de Rua, Viaduto e Escola de Ensino Fundamental, ou Gabus Mendes (Rua). E também Vinicius de Moraes (Praça), crítico especializado,
além do compositor e músico que todos conhecem, ou, no período posterior, o crítico e professor Paulo Emílio Salles Gomes (Rua).
Especial menção recebe o diretor Humberto Mauro, não só de forma direta em rua homônima, mas também na Rua Primavera da Vida, título de seu filme de estreia em
1926, sob o pseudônimo Reinaldo Mazzei.
Surpreende sim a ausência para o período de ocorrências relativas a personalidades como o diretor José Medina, por exemplo, ou seu parceiro o cinegrafista Gilberto Rossi.
Ao menos, um dos diretores de filme central para a construção simbólica da imagem da cidade – Adalberto Kemeny (Rua), codiretor de São Paulo sinfonia da metrópole
(1929) é lembrado.
O cinema brasileiro, da fase sonora, em especial ao redor de eventos como o modelo industrial aplicado nos estúdios Vera Cruz e assimilados em outras experiências próximas
recebe um conjunto mais expressivo de denominações. A Avenida Abílio Pereira de Almeida é um desses nomes, bem como as Ruas Vitor Lima Barreto ou
Alberto Cavalcanti. Até mesmo produtores podem ser localizados como Antonio Assumpção (Rua) ou Franco Zampari, em rara homenagem realizada logo após a sua morte.
Atores no entanto dominam o período. De Grande Otelo, que denomina o conjunto do Polo Cultural e Esportivo do Anhembi, o mesmo que abriga a Passarela Adoniran Barbosa,
a Sérgio Hingst, entre tantos profissionais do período. Aqui é oportuno lembrare como muitos deles a partir da década de 1960 conseguem estabelecer carreiras no cinema e
na televisão, como antes outros fizeram entre o rádio e o cinema.
Caso isolado, mas referência excepcional é o caso da Rua Cine Favela, no Sacomã, que registra assim, em 2007, o movimento cultural local.
Movimentos recentes do cinema nacional recebem menção como o Cinema Novo, aqui identificado em especial na Rua Glauber Rocha. Até mesmo uma homenagem ao superoitista
Moysés Baumstein (Rua) pode ser encontrada.
Uma momento final deve ser dedicado aos próprios municipais – edifícios ou parte deles – que concentram menções ao cinema nacional. Destacam-se aqui conjuntos como
as Salas Lima Barreto, Paulo Emílio Salles Gomes, Daniel Filho, Adoniran Barbosa e Leon Hirszman no Centro Cultural São Paulo. É o caso de destacar o
Auditório Luiz Sergio Person, na Biblioteca Viriato Correia, homenagem realizada em 2009, ou da Biblioteca Temática Roberto Santos,
única unidade da rede especializada em cinema, novas denominação e orientação adotadas em 2008.
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Conclusão: primeiras impressões
Aos desavisados é oportuno lembrar que São Paulo não é propriamente uma cidade de cinéfilos. Um processo peculiar adotado na década de 1970 para gerenciamento das
ações de denominação acabou gerando um conjunto tão complexo de referências ao cinema. A identificação de situação similar em outras áreas como a música ou as artes visuais
é uma pergunta que parece a partir de agora necessário responder.
Sob a ótica da modernidade, esse panorama pode ser interpretado como resultado de um sistema sem controle e mesmo surpreendente,
homenagens duvidosas enfim. No entanto, sob um apreciação contemporânea, mais focada no resultado e menos no processo, o conjunto final é paradoxal.
Remete às formas de constituição da memória coletiva e evoca, para um cinéfilo, imagens de um clássico sobre o direito à memória: Farenheit 451, filme
realizado em 1966 pelo diretor francês François Truffaut.
Há pouco mais de cem anos os principais logradouros refletiam ou ocorrências próximas como Rua da Cruz Preta ou homenagens a políticos como Rua do Imperador ou
eventos pátrios (Rua Vitória) em meio ao grande número de referências sacras. É bom lembrar que desde o primeiro momento salas de cinema são abertas por quase um
século ao longo da Rua de São João, um santo.
São Paulo participa de uma tradição em que suas vias adotam nomes que referenciam os mais diversos personagens. Instrumento secundário de formação cultural,
mas poderoso. Outras cidades, por vezes próximas como Brasília por exemplo, adotaram outros formatos mais abstratos para dar unicidade e referência aos locais de morada e
trabalho. Como gestos humanos, aquele, mais próximo, merece interpretação. Talvez, como ponto de partida, a partir da imagem da Avenida Frederico Fellini, no Jaguara,
possivelmente a melhor interpretação local de sua leitura de uma cidade como Roma transferida para o contexto paulistano: construção e destruição, sonho e estranha beleza.
Luiz Felipe Miranda
Ricardo Mendes
Pesquisadores do Núcleo de Produção Editorial
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