Que história resulta dessas referências?
Quais são seus aspectos predominantes?
Antes de tudo, essa via de interpretação se justifica. A relação é extensa e permite narrar uma história do cinema. Comecemos pelos inventores e pioneiros.
As ausências surpreendem paradoxalmente. Não há referência a nomes centrais como os Irmãos Lumière, por exemplo, nem Méliès. Mas deste último, surge ocorrência de forma
enviesada: a Via de Pedestre Sonho de Natal, em Vila Medeiros, cujo nome remete ao filme do diretor realizado em 1900.
Essa descoberta já denuncia o que parece justificar um conjunto tão grande de referências. É possível identificar esses nomes através de fichamento original
gerado pelo Banco de Ruas. Uma seleção remanescente, sob o tema do cinema, fornecida pelo setor responsável do AHSP, reúne 108 registros, aspecto que comentaremos adiante.
Desse modo surgem nomes fundamentais como Thomas Edison (Avenida) e George Eastman (Rua), logradouros dos distritos da Barra Funda e Morumbi, que colaboraram no aperfeiçoamento
do equipamentos de captação ou, como Eastman, por ter introduzido o filme em suporte flexível, o que tornou possível o cinema como o conhecemos durante o século XX.
Pioneiros dedicados ao estudo do movimento humano e animal são lembrados como: George Demeny (Travessa), Pedro Roget (Rua) e Marey (Rua). Ou ainda Augusto Baron (Travessa),
dedicado às pesquisas relativas ao cinema sonoro.
Entre os atores, restringindo-se agora ao cinema mudo, Charles Spencer Chaplin (Rua) seria uma denominação existente a destacar. O Carlitos, que não surge em nenhum logradouro
sob esta alcunha, é ainda reverenciado na Rua Tempos Modernos, dedicada ao seu filme realizado em 1936, parábola sobre o mundo industrial e a sociedade de massas
na ótica dos anos 30.
Há tantas ocorrências sobre atores que se torna um percalço qualquer destaque. Certamente, são referências pouco usuais na cultura brasileira no período em que parecem ter
ocorrido boa parte dessas indicações: o final da década de 1970 e seguinte. Uma justificativa, evidenciada nos registros tomados no
Banco de Nomes,
é a bibliografia sobre cinema internacional disponível então. Surgem claramente nos registros duas obras em espanhol: Georges Sadoul, na versão intitulada
Diccionario del Cine ([Iistmo], 1977) e J. Luis Guarner, em
Enciclopedia ilustrada del Cine (Labor, 1974).
Assim os atores do cinema mudo cobrem o
mainstream americano e as mais diversas cinematografias europeias. De um lado Mabel Normando (Rua), atriz que atuou nas
produções de Sennett, de outro, Rene Falconetti (Rua), célebre por sua participação no clássico dinamarquês
A paixão de Joana D'Arc (1928).
Entre os diretores, cuja seleção parece concentrar os italianos e espanhóis, surgem pioneiros como Alberto Cappelani (Rua), francês que se radicará nos EUA, os
italianos Arthur Ambrosio (Rua) e Augusto Guenina (sic) (Rua) ou pioneiros do cinema dinamarquês como Augusto Blon (Rua) ou do argentino como Mario Gallo (Travessa).
Há espaço ainda para citar as primeiras mulheres a atuar na função de direção ou roteiro como Germana Dulac (Travessa) e June Mathis (Travessa).
Movimentos renovadores como o Expressionimso alemão, para não lembrar também da atuação de Dulac na vanguarda francesa, surgem através de Frederico Murnau (Rua) e
Fritz Lang (Rua). Note que em vários casos essas referências surgem com prenomes aportuguesados ou com flagrantes erros ortográficos.
É importante ressaltar que no caso de Fritz Lang, a homenagem é peculiar pois a denominação foi atribuída pela lei 4.371, de 1953, precedendo em décadas bom partes das
demais menções.
Das vanguardas, em especial as sediadas em Paris, temos a Rua Fernando Leger, a Travessa Marcel Duchamp e, aquele que também colaborou com o diretor espanhol L. Buñuel,
através da Rua Salvador Dali. Não faltam nem mesmo os principais teóricos como Bela Balaz (Rua), André Bazin (Rua) e Umberto Barbaro (Rua), este de período mais
recente crítico próximo ao neo-realismo.
Entrando no cinema sonoro, surge preciosa referência ao cinema documental de meados do século passado na figura de Joris Ivens (Rua).
O gênero cinematográfico parece só retornar em menções a período posterior, se considerarmos as menções feitas no Viveiro e no Parque Municipal Jacques Cousteau.
As demais ocorrências do conjuntos são, porém, muito isoladas. De Vitor Fleming (Rua), diretor de
O vento levou, a recorrentes referências ao cinema italiano,
do mais comercial ao experimental como Carmino Gallone (Travessa), conhecido pela série de filmes com o personagem Don Camilo, ou Pasolini (Travessa),
o que inclui ainda a Rua Teorema.
Através do uso dos títulos de filmes na denominação de logradouros, em mais de três dezenas de casos, é possível a indicação de obras de diretores orientais ou russos,
entre outros. Essas ocorrências parecem corresponde a um conjunto de obras e autores plenamente referenciados na bibliografia da década de 1970, muitos descobertos no
Ocidente quase 20 anos antes.
São os casos do japonês Yasujiro Ozu na Rua Aves ao Vento, filme de 1948, ou do chinês Tasi Tsu Sen na Rua Canção do Pescador, título traduzido de filme realizado em 1934.
Mais referências surgem, por exemplo, ao cinema malaio na Praça Cisne Errante, no Tatuapé, ou à diretora alemã Leni Riefenstahl na Travessa Luz Azul, no Tucuruvi.
A variedade de títulos, dominada pelo cinema internacional é necessário lembrar, é tal que pode nos levar a questionar sua motivação, levando-nos a estabelecer associações talvez
desnecessárias.
Qual seria o motivo dessas escolhas, que elos os une? Um exemplo: a atuação de Victor Sjöstrom, sueco, a quem o
Dicionário de Ruas atribui a direção do filme,
realizado em 1914,
Torre Vermelha (Travessa), ou sua presença como ator em
Morangos Silvestres, denominação de via de pedestres no distrito do Jaçanã.
Difícil pensar em alguma compreensão a curto prazo do processo que gerou esse conjunto. Curiosidade histórica à primeira vista, no entanto o
fenômeno estabeleceu uma condição que não pode ser desprezada.
Fiquemos por enquanto como conclusão temporária na lembrança que talvez as mais sinceras e adequadas homenagens ocorrem de forma quase
naif.
É o que parece expressar as Ruas Hollywood, no distrito do Itam Bibi, ou ainda a Rua Jardim Hollywood, cuja denominação parece estar diretamente relacionada
a Angelo Bortolo, proprietário do Cinema Hollywood, inaugurado na década de 1940, marco cinematográfico por décadas na Rua Voluntários da Pátria.
Continua >
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Para citação adote:
MENDES, Ricardo, MIRANDA, Luiz Felipe. As ruas de São Paulo:
Memória do cinema nos logradouros da cidade.
INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO, 8 (31): dez.2012
<http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>