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PMSP/SMC
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São Paulo, agosto de 2014
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Ano 10 N.36
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ENSAIO TEMÁTICO
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PASOLINI PASSOU AQUI
notas para uma história do Cine Belas Artes
e a formação do circuito paulistano de cinema de arte
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O jornalista Edison Veiga, de O Estado de S. Paulo, publicou um rodapé em 5/12/2011 sobre a recusa do
Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado
em relação ao tombamento do cine Belas Artes, situado na Rua da Consolação,
2.423, da cidade de São Paulo.
O mote para a matéria foi a frase pixada na marquise do cinema,
“Pasolini passou aqui”, em letras garrafais. As três palavras destacavam-se do conjunto de pixações no
prédio abandonado, ocupando a face da marquise voltada para a rua, como a indicar o
título de um último filme exibido pelo conjunto de
salas.
A intervenção sobre a fachada do velho cinema pode ser vista como um entre tantos indicadores da
importância do espaço cinematográfico como mediador para os segmentos da sociedade que tem o
cinema como produto cultural e artístico, em
especial. É nessa direção – a
constituição de circuitos de exibição para o “cinema de arte” em
São Paulo – que uma breve história sobre o Belas Artes e
sua inserção no panorama cultural paulistano traz a oportunidade de recuperar esse panorama maior,
do cinema e as relações entre indústria e cultura.
Antes era o Trianon
A família de origem libanesa Azer Maluf (Phelippe, Jorge e Nagib) fora proprietária da Tecelagem de
Seda Santa Terezinha S.A., situada na Rua Orville Derby, 277, na
Mooca.
Durante a II Guerra Mundial a família começou a aquisição de imóveis na Rua da Consolação,
quase esquina da Avenida Paulista. A expansão dos negócios para o ramo imobiliário visava à
construção de um prédio de apartamentos, com face para a Paulista, e um cinema, com
frente para a Consolação. A estratégia de localização dos prédios era óbvia: enquanto os apartamentos
tinham entrada pela prestigiosa avenida, o cinema instalava-se numa área com uma longa tradição
no campo da exibição e dos espetáculos circenses.
No número vizinho ao da Rua da Consolação onde se ergueria o Trianon (um nome que apelava à
francofilia, tão cara até então à cultura paulistana e brasileira), funcionara entre 1928 e 1939 o
Astúrias, imóvel de Alberto Penteado, porém arrendado ao exibidor José
Nahas e Irmãos e Cia.
Em direção ao centro da cidade, na esquina com o cemitério da Consolação, fora aberto em 1911 o América,
cineminha frequentado pela família da escritora Zélia Gattai, que dele guardou uma viva lembrança.
Quase em frente ao América, em terreno desocupado da Rua Fernando de Albuquerque, provavelmente de
propriedade do conde Armando Álvares Penteado, vários circos foram armados para a alegria
dos moradores do bairro. Na mesma quadra do futuro Trianon, desde 1943 funcionava o Ritz Consolação
(Rua da Consolação, 2.403), fechado pela Empresa Sul de Paulo de Sá Pinto em 1961
(demolido somente cinco anos depois).
Detalhe do projeto da fachada
do Cine América, de 1914, um duradouro ponto de exibição cinematográfica na
Rua da Consolação, no trecho abaixo da Av. Paulista.
Acervo AHSP
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Phelippe Azer Maluf
comprou os imóveis da Rua da Consolação de números 2.425 a 2.453 (antigos 469 a 475)
em 23/9/1943, formando um lote de 43,5 m x 70,0, isto é,
3.045 m2 .
A aquisição englobava o “barracão” do
antigo Astúrias, mais “casas velhas” de Carolina Rudge Ramos Parada e outros, recebidos em herança
do Dr. Juvenal Parada. A escritura foi
lavrada no Tabelionato Veiga em 8/8/1946 (11º. Tabelionato) pelo valor de Cr$ 4.350.000,00
(quatro milhões e trezentos e cinquenta mil cruzeiros). Somente em 4/12/1947 a Construtora
Alfredo Mathias, instalada na Rua João Brícola, 24, 18º. andar, deu entrada no projeto para dois prédios
de apartamentos e um cinema.
Alfredo Mathias também devia pertencer à mesma geração de imigrantes sírio-libaneses de Azer Maluf, já que,
nascido em 1906, formara-se engenheiro arquiteto em 1929 pela Escola Politécnica da
USP. Entre as suas obras mais
significativas estão o Edifício Conde Prates, situado no Vale do Anhangabaú, a Câmara Municipal
(Palácio Anchieta), e o pioneiro Shopping Center Iguatemi, na Avenida Brigadeiro Faria Lima.
O prédio residencial previa um subsolo para a caixa d’água, no térreo a entrada de serviço e social, e do primeiro ao
14º. pavimentos quatro apartamentos por andar, com um ático para as zeladorias. O desenho do escritório
de engenharia era assinado unicamente por Alfredo Mathias, assim como os subsequentes, e divergia
de um anteriormente apresentado que incluía lojas, acompanhando a altura do cinema,
nos primeiro e segundo andares.
A fachada aprovada era eclética, procurando oferecer aos futuros clientes um ar de nobreza e
conservadorismo. O total de apartamentos foi declarado em 58, divididos em dois
blocos contíguos (o número final seria de 52 unidades, como aparece nos registros sobre o
incêndio do cine Belas Artes de 1982). A área ocupada pelos prédios era de 33 m para a
Consolação e 50,5 m para a Paulista. Pagou-se de emolumentos para a Prefeitura a quantia de
Cr$ 14.195,00 (quatorze mil e cento e noventa e cinco cruzeiros).
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Trecho da Rua da Consolação, na sua confluência com o trecho final da Av. Paulista, em sua conformação em 1930
registrada no mapeamento realizado pela S.A.R.A. Brasil.
O Cemitério da Consolação, no canto superior direito, e o Cemitério do Araçá, à Av. Dr. Arnaldo, no lado oposto, delimitam
os terrenos que começam a ser ocupados pelo casario do Pacaembu. Área de grande confluência,
articulando o centro da cidade aos bairros de Pinheiros e Perdizes, ela permite ainda a conexão, pela Av. Paulista, ao Paraíso e
Vila Mariana. Essa configuração especial, bem como a ocupação local por residências de padrão médio, em contraste
com os casarões da grande avenida, criará condições para estabelecimento de ofertas no ramo de entretenimento.
Acervo AHSP
Até 1950 pouco foi feito no local além da demolição dos prédios remanescentes e
preparação do terreno. Isso motivou o pedido de renovação do alvará de construção em
17/4/1950.
Um contratempo ocorreu nesse ano com a aprovação do alargamento da Rua da Consolação
(Decreto nº. 1.208, de 28/9/1950). Azer Maluf foi desapropriado em 272 m2, posto que a ampliação da
via pública que começava do lado direito na parte inicial (centro-bairro), virava
para a esquerda depois do cemitério, engolindo 16 m de frente por 17 m de fundo do terreno a ser
ocupado pelo cinema.
Somente em 21/3/1955 foi que a Construtora Alfredo Mathias entrou com substituição de plantas
para o prédio de apartamentos.
Elas alteravam completamente o projeto anterior, inscrevendo o edifício no quadro da modernidade.
Ficher e outros autores acompanham o artigo da revista Habitat, de 1952, que se refere
ao projeto como de Giancarlo Palanti e Alfredo Mathias.
Palanti (Milão, 1906; São Paulo, 1977) imigrara da Itália no pós-guerra, trabalhando entre 1952-1954
como diretor da Seção de Projetos da Construtora Alfredo Mathias. Como não tinha título de arquiteto
reconhecido no Brasil, estava impedido de assiná-los, caso do Edifício Conde de Prates da mesma época,
daí a rubrica única de Alfredo Mathias nas plantas apresentadas à aprovação da Prefeitura. Aline Coelho
Sanchez Corato, que estudou a trajetória profissional do arquiteto, notou que Palanti escreveu nos “[...]
seus currículos ter realizado outra radical reforma de projeto
[...]”. Os agora denominados
edifícios Chipre e Gibraltar ganharam uma fachada contemporânea, vendo-se como traços
estilísticos de Palanti a mesma marquise de acesso do Edifício Lily, construído na Rua Barão de Tatui,
também presente no desenho de perspectiva do prédio de Azer Maluf, porém não edificada
(hoje existe uma simplória marquise de concreto sobre cada entrada).
O proprietário do edifício de apartamentos pediu o “habite-se” em
14/7/1955.
O fiscal da Prefeitura anotou no processo que o cinema ainda estava em construção.
No ano seguinte, Alfredo Mathias encaminhou o requerimento de “habite-se” para o cinema, contudo obras
em andamento adiaram a liberação. O auto de vistoria só foi emitido em
21/6/1956.
O primeiro projeto para o Trianon fazia da fachada um jogo de volumes entre quadrados e retângulos.
As três portas de entrada retangulares abrigavam a bilheteria à esquerda. Em cada extremidade,
retângulos com treliças delimitavam o cinema ao nível da rua, anunciando
o elemento em forma de T invertido que cobria o restante superior da fachada, também com treliças.
Fechando cada lado da base do T invertido foram projetadas duas áreas quadradas, cada uma delas
com 30 elementos. Não há discriminação dos materiais a serem empregados.
Estudo para fachada de cinema e edifício de apartamentos, na Rua da Consolação.
Observe que esta última construção apresenta elementos de
referência neoclássica, que seriam abandonados na versão final.
Processo 99.587/47
Acervo DAMP/SEMPLA/PMSP
Um esboço intermediário, localizado por Aline Corato (2004), mantinha os três blocos verticais com a
bilheteria, inserindo duas colunas na entrada. Acima desta área, círculos esboçados sem muita convicção
subiam pela parede em substituição ao antigo T invertido. Destacava-se do conjunto um antiquado anúncio
de metal com a chamada para o “Cine Metro”, cópia do colocado no edifício do cine Metro da
Avenida São João, aberto em 1938.
Já o terceiro desenho apresenta lâminas inclinadas de concreto, dando movimento ondeado à fachada,
como uma cascata. Além de esconder a parede da sala de projeções, forneciam um certo abstracionismo
ao conjunto, como anotou Aline Corato. O anúncio vertical permaneceu, agora
corrigido para “Cine Trianon”. Também acompanhavam o projeto final as colunas ladeando a bilheteria,
com três blocos quadrados ao nível do passeio direcionando as filas de entrada dos espectadores.
As portas de acesso eram envidraçadas, permitindo, da rua, a visualização da escadaria
que conduzia ao balcão. Sob a marquise, globos circulares embutidos e espaçados regularmente
forneciam a iluminação para os espectadores que chegavam para as sessões noturnas. A área do cinema era
de 21 m de frente por 49,5 de fundo (1.040 m 2) com 2.076 m 2 de área construída.
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Estudo substitutivo para fachada do Cine Trianon, 1955.
Processo 66.947/55
Acervo DAMP/SEMPLA/PMSP
Dois anos antes da inauguração, o cinema já fora alugado à Companhia Serrador por um período de dez anos.
A data escolhida para a abertura solene do “Palácio da Avenida Paulista” (e não da Consolação, já
ocupada pelo Ritz) foi o sábado de 14/7/1956. O filme selecionado pela Cia. Serrador em pré-estreia
foi da United Artists, Eles se casam com as morenas (Gentlemen merry brunettes), estrelado por
Jane Russell e Jeanne Crain, que somente em agosto entrou em circuito. A projeção era feita por meio
de aparelhos Simplex fornecidos pela R. Ekerman, que atendia aos vários sistemas de tela panorâmica em
operação na época ( cinemascope, vistavision e superscope). Os espectadores
se sentavam em poltronas Cimo para admirarem a decoração projetada pelo Escritório Técnico de Decorações
Internas Prof. Giulio Rosso. O Trianon fazia parte do circuito encabeçado pelos cinemas Art-Palácio e Ópera.
A sala possuía, entre plateia e balcão, 1.380 lugares.
Continua >
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Para citação adote:
SOUZA, José Inácio de Melo. Pasolini passou por aqui: notas para uma história do
Cine Belas Artes e a formação do circuito paulistano de cinema de arte.
INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO, 10 (36): ago.2014.
<http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>
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