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A condição de invisibilidade no recorte documental do AHSP é traço comum a várias temáticas, muito embora o "circo" seja segmento regulado e fiscalizado pela municipalidade.
Arquitetura efêmera por
excelência, montagem precária em grande parte das ocorrências etc são aspectos que acabaram por gerar um registro sumário, quase um apagamento.
A imagem acima, que integra o álbum Diretoria de Obras e Viação: 1ª Seção Técnica:1926-1930, relativo a obras durante a administração J. Pires do Rio, é assim surpreendente. Em primeiro plano,
a escada de acesso às "instalações sanitárias subterrâneas", obra realizada no Largo do Paiçandu, surge quase de forma enigmática, com seu gradil de acesso, cercado pelo gramado.
Atrás, um "não assunto"
se revela: o Circo Piolin, no local que estaria erguido por anos.
Hoje, ali está o edifício que já abrigou o Cine Paiçandu, entre a Rua do Seminário e
a atual Rua Abelardo Pinto (Piolin).
PMSP. Diretoria de Obras e Viação: 1ª Seção Técnica: 1926-1930.
São Paulo: PMSP/DOV, [1930].
Acervo AHSP
Sobre o longo período posterior, numa cidade que avança rumo à metropolização, a presença do circo, a partir de uma leitura das leis municipais, parece enfrentar um apagamento definitivo. Quanto a impostos,
aspecto significativo porque revela de certa forma um reconhecimento da atividade, apenas em 1931, o ato nº 285, que estabelece as tabelas, mantem no imposto de licença o tópico:
"Espetáculos de cavalinhos, ginásticas, acrobacia, etc" – em circos e teatros, por companhias estrangeiras e nacionais.
Seria necessário a partir desse ano, checar outras fontes para traçar as alterações posteriores
de impostos relativas à atividade circense e conexas (como publicidade de terceiros nos locais etc).
Em meados da década de 1930, o ato nº 1.004, de 24 de janeiro de 1936, apresenta nova regulamentação dos divertimentos públicos, após duas décadas da aprovação do ato nº 701. Surge aqui rara observação
sobre vistorias, revista e mantida pelo ato nº 1.154, seis meses depois: "Art. 19 – A vistoria nos circos, pavilhões, barracões de lona ou de madeira, será feita bimestralmente e sempre que
modificadas as instalações ou transferidas de local."
As normas posteriores são raras, quando muito de ordem sanitária aplicadas ao conjunto de locais públicos como uso de inseticidas (lei 4.076/1951, decreto 1.500/1951, lei 5.033/1956, lei 7.032/1967) ou
a proibição do fumo (lei nº 9.120/1980), etc.
Dos textos legais são diretamente relevantes apenas a lei nº 3.707, de 1948, que “isenta de todos os impostos municipais os espetáculos teatrais e circenses" e o decreto nº 2.505/1954, que "regulamenta a
cessão de terrenos de propriedade municipal a companhias circenses". Isenções de itens adicionais podem estar presentes em outras normativas gerais posteriores.
Impacto mais evidente sobre a atividade circense, sem julgamento de valor, ocorre no século XXI, através da regulação numa primeira fase das apresentações de "animais ferozes"
(lei 13.595/2003 e sua regulamentação pelo decreto 44.026/2003). Dois anos depois, a municipalidade proibe expressamente a "utilização de animais de qualquer espécie em apresentação de circos e congêneres"
(lei 14.014/2005, decreto 46.987/2006, de regulamentação, e decreto 47.803/2006).
Homenagens e valorizações do segmento surgem tardiamente (excetuando eventuais e raras homenagens nos logradouros da cidade como Ruas Waldemar Seyssel – Palhaço Arrelia ou
Abelardo Pinto – Piolin)
através da instituição, pela lei nº 12.723/1998 (lei 14.485/2007), do "dia do artista circense e do circo", e a criação em 2010 do Centro de Memória do Circo, através do decreto 51.478, hoje instalado
na Galeria Olido, à Avenida São João nº 473 (<>). Nesse mesmo quadro inserem-se as ações de fomento ao circo lançado em 2014 pela
Secretaria Municipal de Cultura e a criação, em abril de 2015, pela lei nº 16.162, do Programa Circo Popular, voltado ao ensino das modalidades aéreas, solo, malabares, cama elástica e trampolim
acrobático, além de aulas sobre cultura circense, costumes e contexto histórico.
Existe um conjunto pontual de atos legais, na forma de portarias e despachos, que merecem avaliação, embora não tenham tido desdobramento. É o caso da determinação de estudos sobre incentivo às atividades
circenses (Portaria 426/PREF-1975) ou a análise sobre a criação de uma escola de arte circense e um museu do circo (despacho 91.004/PREF-1986), do qual resultou o decreto 22.815/1986 relativo à escola.
Quanto a normas de montagem ou cessões de uso, apenas registram-se ordens internas isoladas como grupo de estudo, no âmbito do CONTRU/SEHAB, em 1993, sobre legislação de "parques e circos como
locais de reunião", e a portaria 305 (PREF), de 1990, sobre normas de uso de áreas municipais destinadas à instalação de circos.
Assim, até a criação recente do Centro de Memória do Circo e as primeiras ações de fomento, nada parece ter ecoado as palavras de Yan de Almeida Prado (1898-1987), jornalista e historiador, citadas por
Ernani da Silva Bruno, em 1954:
"Se eu fosse autoridade" – escrevia Ian de Almeida Prado – "proporia que os circos de São Paulo fossem subvencionados. Os Queirolo e Piolim são divertimentos que possuimos a exclusividade,
ao passo que a tropa cantante que aqui aparece anualmente já vem estafada e desfalcada de Buenos Aires e Rio, quando não
também de Montevidéu. Poderia São Paulo ser a capital do riso como Hollywood é a capital do filme. A Pauliceia poderia se tornar uma espécie de Bayreuth do circo”.
Prado, Ian de Almeida – Circo de Cavalinhos (Crônica paulistana de 1929) – São Paulo, 1931.
BRUNO, E.S. Opus cit., v.3, p.1367
A lei, ora bolas !
Se para o projeto sobre salas de cinema a legislação municipal estabeleceu uma diretriz de pesquisa, recuperando documentos textuais e gráficos complexos, para o pesquisador sobre o
panorama circense, embora estejam os circos sujeitos aos mesmos princípios, os documentos parecem revelar um universo mais árido à primeira vista. Ainda assim, muito inspirado no
resultado positivo para as interações entre circo e cinema em São Paulo no início do século XX, foi realizada em 2012 um primeira varredura extensiva sobre a documentação.
Parte do desafio estava no fato de como acessar os processos! Na ausência de instrumentos de pesquisas que permitissem o acesso item a item, restava apenas avaliar os grupos documentais de maior
potencialidade.
A opção mais imediata seria o Grupo Edificações Particulares, o mesmo utilizado no projeto Salas de Cinema. A busca exigiria a consulta rua a rua, de forma contínua e demorada, ou, no caso
particular, de sabermos da presença de determinado circo, em local e data precisos, tentando recuperar eventual pedido de solicitação. Ainda assim, como pavilhões temporários, seria baixa
a expectativa de sucesso.
Esses encaminhamentos são, ainda hoje, impraticáveis. Duas oportunidades de acesso surgiram então, permitindo uma recuperação extensiva de informações (não dos processos) cobrindo um intervalo
longo entre 1915 e 1975 aproximadamente, e rastreando outros conjuntos como o Grupo Polícia Administrativa.
O primeiro caminho constituiu-se ao redor dos "livros de protocolos" (livros de requerimentos) da Diretoria de Obras e Viação, a grande unidade administrativa municipal na década de 1910, responsável
entre tantos atribuições, por autorizações de obras. Praticamente não utilizados, mas disponíveis agora para consulta, era possível recuperar nesses protocolos os dados relativos ao período entre
1915 e 1925.
Os requerimentos, tantos de origem interna (outras repartições municipais) como externa, eram enviados à 5ª seção de DOV pelo protocolo geral da prefeitura. São listados então em ordem cronológica,
organizados por logradouro. Ao lado de um primeiro número de registro provisório e data de entrada, as solicitações são descritas de forma sumária com nome do interessado, local e solicitação propriamente.
Os requerimentos recebem posteriormente um dado adicional: o número de processo, o que permite que seja rastreado.
Entre o rico manancial de dados que os livros de protocolos e o acesso efetivo aos processos existe uma distância que a pesquisa desenvolvida decidiu conscientemente não percorrer. Os documentos custodiados
pelo AHSP não podem no momento serem acessados diretamente pelo número de processo, nem a existência de registro em protocolo implica necessariamente na eventual conservação dos mesmos. Políticas de
descarte documental ao longo do tempo, bem como perdas pelas mais diversas razões, podem ocasionar a inexistência de documentos remanescentes.
Em março de 1922,
o Circo Pierre é objeto de requerimento solicitando autorização para colocar tabuletas indicando sua localização na Rua Carlos Botelho.
O registro informal, em papel almaço, apenas com o texto, é característico, sendo exigência da municipalidade introduzida há pouco visando controlar a natureza dos textos e taxar essa modalidade de anúncio.
Fundo PMSP. [Grupo Polícia Administrativa]. Processo 48.671/1922
Acervo AHSP
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O segundo caminho a percorrer é também fruto do acaso, uma oportunidade. No início da década de 2010, a Divisão do Arquivo Municipal de Processos (CGDP/SMG), responsável pela gestão da documentação
posterior a 1921, decidiu transferir os dados presentes no sistema de controle de documentos vigentes entre as décadas de 1920 a 1970, que antecede às primeiras versões de gerenciamento eletrônico,
ainda empregando fichas de papel, para uma base de trabalho de uso interno. Esse banco de dados incorporou as informações (interessado, local, assunto) sem tratamento. A decisão parece acertada. Um tópico
como assunto exigiria um esforço de longo prazo para uma padronização efetiva.
As estratégias para consulta foram em parte dadas pela coleta realizada nos livros de protocolos, tanto pela relação de interessados (proprietários ou empresários de circos) como por nome de circos, cuja
ocorrência é possível no campo "interessado". Uma consulta suplementar, baseado na historiografia, permitiu ampliar os resultados, numa proporção geométrica. Esse segundo caminho permitiu rastrear
documentos relativos a outras unidades administrativas, como Polícia Administrativa, cuja consulta manual seria inexequível a médio prazo.
Para o período posterior, a partir de meados da década de 1970, fez-se um rastreamento através do SIMPROC – Sistema Municipal de Processos. No entanto, além do declínio da presença do circo frente
a outros momentos do século XX, a recuperação deste primeiro sistema de gerenciamento eletrônico utilizado pela municipalidade é severamente restrito para a pesquisa realizada.
Mas em termos efetivos, o que foi possível recuperar considerando a natureza sumária dos registros, a recuperação ainda mínima dos processos inventariados? Pouco, muito pouco, no qual as exceções
comprovam a regra. As ilustrações presentes são raros casos encontrados ao longo da pesquisa. Assim como avançar?
Criando uma massa de dados
Um primeira observação sobre o conjunto de informações reunidas é relevante. A fonte constituida pelos diversos grupos documentais do Fundo PMSP tem características "desejáveis" para a
pesquisa científica. São registros
regulares, relativos a uma cobertura extensa geográfica e temporalmente. A pesquisa permitiu estabelecer, em agosto de 2015, um total de 871 registros, entre 1915 e 1980. É um total temporário.
Não inclui nem os processos sobre as interfaces entre circo e cinema comentados inicialmente, quase todas anteriores a 1915, nem portarias de cessões na década de 1990, identificadas
há pouco em fontes como a Base Legis, mantida pela Câmara Municipal.
A natureza dos processos, quanto a complexidade da informação, como comentada, é frágil, pelo número restrito de dados etc. A estratégia encontrada foi estabelecer um primeiro instrumento de pesquisa,
que gerasse um adensamento, o referenciamento cruzado e a recuperação abrangente. Esses parâmetros nortearam a criação da base de dados lançada agora. Há necessidade de consulta atenta
pois há eventualmente erros de anotações,
considerando que muitos interessados eram empresas em turnes pela cidade, indicando endereços incompletos ou dúbios. Um exemplo é o caso dos logradouros –
Rua Rodrigues de Barros (processo 09.232/1920) e Rua Rodrigo de Barros (processo 12.160/1920), que tratam do mesmo local.
Não foi possível avançar, como previsto, para uma transposição desses dados em uma interface cartográfica, que permitisse mapear ao longo desse período a distribuição e deslocamentos dos circos pela cidade,
eventuais circuitos descritos por determinadas companhias ou áreas de atuação de empresários, aspectos potenciais do conjunto levantado.
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"Deferido em termos", o texto encima a folha inicial do requerimento apresentado por Ricardo Fernandez em 1922 para que o Grande Circo Norte Americano Schipp [&] Feltus realize um passeio
com sua trupe pelas ruas da cidade. Trata-se do único registro oficial dessa forma de divulgação localizado na documentação. Jacob Penteado, em Belenzinho, 1910 (1962, 2003), descreve
um desses passeios para atrair o público em outra ocorrência local.
“Esta licença ya nos fue concedida a 6 y 4 anños atrís, por tratarse de uma presentação elegante e seria" diz Fernandez em sua solicitação.
A companhia não era uma novidade na cidade. Em 1913, como aponta Vicente Araujo (1981), ela se apresenta no Teatro Colombo em 1 de julho. Desde 1911 já realiza turnês pela América Central,
e no ano seguinte pela América do Sul. Sociedade de Edward Shipp e Foy Feltus, ambos se desligaram em 1910 do Barnum & Balley para realizar essas viagens, a primeira por mais de 3 anos.
Fundo PMSP. Grupo Polícia Administrativa. Processo 56.206/1922
Acervo AHSP
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Para finalizar, como forma primeira para uma compreensão do potencial dessa ferramenta, traçaremos apenas um comentário a partir de recorte, arbitrário, dos registros. Optou-se, simbolicamente, por
avaliar o ano de 1922, dados coletados basicamente a partir do livro de protocolos. Chama a atenção o total de registros: 110 processos, dos quais seria efetivo adotar 104 solicitiações, considerando
que parte inclui pedidos de período anterior. Eliminando-se casos com informações genéricas ("diversões" ou "carrossel"), temos 98 processos relativos a vistorias e licenças para "armar" circos.
Como comparativo imediato temos apenas um inventário possível, a partir de notas na imprensa, realizado por Vicente Araújo, em seu clássico publicado em 1981:
Salões, circos e cinemas de São Paulo (Perspectiva). Para o intervalo entre 1897 e 1914, contabilizam-se 114 ocorrências. O primeiro intervalo – 1897-1899 – corresponde a 17
circos referenciados. A década seguinte totaliza 70, numa média de 7 por ano, pouco acima da anterior. O último intervalo coberto indica uma queda, mantendo-se perto da média inicial com
27 ocorrências em 5 anos. A distribuição geográfica ainda está concentrada, em especial na parte inicial da cobertura aos largos de regiões ao redor da zona central como Largo da Luz ou da República,
pontos que na década de 1920 não serão mais ocupados, certamente pelo crescimento da cidade e diminuição de espaços para cessão.
Retomando nossa breve análise sobre o ano de 1922, é possivel conhecer a distribuição temporal dessas solicitações, tomando como referência que os pedidos se referem a solicitações para montagens
quase imediatas. Das 104 registros, numa leitura direta, cinco não indicam data precisa ou dizem respeito a solicitações secundárias (derrubar muro do terreno para acesso de público, por exemplo). Para
o restante há concentração nos meses de março a maio com 8 a 10 pedidos cada, seguidos por um pico em julho com 12 requerimentos e novamente dois meses - setembro e outubro - com 10 a 13 registros.
Sem avaliar, que parcela dos pedidos correspondem a itinerâncias de uma mesma empresa pela cidade, há concentração nos meses de outono e primavera. Algumas ocorrências menores como 4 pedidos
em fevereiro e o mesmo número em junho podem refletir a influência de feriados como carnaval (28 de fevereiro), Páscoa (16 de abril), quando a média cai para baixo de 10 pedidos, e
Corpus Christi (15 de junho).
Quanto a empresas itinerando na capital, a fonte utilizada acaba por gerar uma redução do total a analisar, pois apenas 68 registros indicam nomes das companhias. Aqui estão com destaque o Circo Americano,
agenciado por Ballesteros & Ciociola, com 7 registros, número excepcional, seguido por 6 entradas para Circo Soares (Pinto Soares, Salvador Soares) e 5 para Circo Pinheiro (Aristides Pinheiro). Segue-se
uma relação maior de empresas, aquelas com 4 registros, as companhias Circo Alcebiades (Ballesteros & Ciociola), Circo François
(Ballesteros, Florencio Destefano), Circo Olimecha (Salvador & Soares) e Pavilhão Centenário
(João François).
A referência dupla – empresa/interessado – permite identificar que provavelmente parte dos "interessados" atua como agenciadores ou mediadores na relação com a municipalidade. Observe
que Ballesteros & Ciociola mediam os Circos Alcebíades (4 pedidos), Americano (7), Cruzeiro do Sul (3), Nerino (3) e Serrano (3), para não mencionar 3 registros de Ballesteros relativo ao Circo François e igual
número para Circo Irmãos Queirolo/Circo Queirolo por Manoel Ballesteros.
Sobre distribuição geográfica e itinerâncias pela cidade, bem como sazonalidade ou periodicidade relativa ao retorno aos mesmo locais, constituem estes
pontos perspectivas em aberto, possíveis agora a partir da estratégia de tratar documentos
de natureza sumária, não de forma isolada, mas integrados a uma massa densa como forma de agregar valor.
Conheça a >
Ricardo Mendes
Pesquisador do
Núcleo de Produção Editorial/SPD/AHSP
e-mail:
Com o suporte em pesquisa de
Sueli Noemia Diogo (NPE)
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Para citação adote:
MENDES, Ricardo. Circo em São Paulo: a contribuição do AHSP para sua história.
INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO, 11 (38): ago.2015
<http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>
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