Luz e Bom Retiro
No princípio do século XIX, o bairro paulistano da Luz mantinha-se com uma acentuada configuração semi-rural. Situado ao norte da cidade, limitava-se a leste com os meandros do Rio Tamanduateí e a norte com o curso do Rio Tietê. A oeste confinava com os valos da Chácara do Bom Retiro, naquela época pertencente ao capitão-general Antônio José da Franca e Horta, governador da capitania de São Paulo (1802-1811).
A parte setentrional da cidade era constituída por campos férteis, regularmente inundados com o crescimento das águas do Tietê e Tamanduateí, ocorrido durante o verão. Quando a casa jesuítica de São Paulo passou à condição de vila em 1560, os portugueses transferidos de Santo André trouxeram suas cabeças de gado para pastar na região da Luz, então denominada Guaré ou Guarepe. Ainda no século XVI uma pequena ermida foi construída à beira da trilha indígena que seguia em direção ao norte. Como sua invocação era de Nossa Senhora da Luz, essa denominação acabou estendida a toda circunvizinhança. Mesmo quando, no século XVIII, se construiu um recolhimento feminino próximo do local da ermida, parte do antigo orago acabou conservado na invocação da nova instituição religiosa – Mosteiro da Imaculada Conceição da Luz –, cuja sede abriga hoje o conhecido
Museu de Arte Sacra de São Paulo.
A exemplo do que ocorria com todo o planalto paulistano, Luz e Bom Retiro eram regiões contíguas
atravessadas por sendas que remontavam a eras pré-cabralinas. Conforme procuramos demonstrar num estudo
inédito de nossa autoria1, antes da chegada dos portugueses,
as aldeias de índios planaltinos eram postas em comunicação por meio de trilhas que depois formariam a
primeira rede de caminhos dos colonizadores. Com o tempo, essa rede foi aos poucos sendo incorporada no traçado urbano da povoação paulistana, à medida que esta última foi crescendo lentamente através dos séculos.
Do sudoeste, provinha uma vereda que partia de Jeribatiba, aldeia chefiada por Caiubi no tempo dos primeiros
jesuítas, e supostamente situada na região ribeirinha do Rio Pinheiros (antigo Jeribatiba) ou do
Jeribatiba-Açu (atual Rio Grande). De acordo com a correspondência jesuítica daquela época, distava seis
milhas ou duas léguas mais ou menos (cerca de treze quilômetros) do aldeamento paulistano. Essa trilha
orientava-se para o norte (Rua Vergueiro, Avenida da Liberdade e Ruas Dr. Rodrigo Silva e Quintino Bocaiúva)
e cruzava o famoso Peabiru – artéria de importância continental, que corria no sentido poente-nascente,
ligando a Bacia do Rio da Prata ao litoral vicentino – na altura do Largo da Misericórdia. A partir daí, a
trilha fletia na direção nor-noroeste (Rua Álvares Penteado), atravessava o Ribeirão Anhangabaú, e sempre
em frente (Ruas do Seminário, General Couto de Magalhães, José Paulino, da Graça) ia dar nas margens do Rio
Tietê, onde, supõe-se, se assentava a primitiva aldeia de Piratininga. Teria sido nessa Piratininga, às
margens de um ribeiro de mesmo nome que desaguava no Tietê, que Martim Afonso “primeiro povoou” em 1532,
segundo testemunho de seu irmão Pero Lopes. Essa data extremamente recuada referente à fundação de uma vila
planaltina que não vingou, é hoje usada por aqueles que alardeiam o fato de ser o Bom Retiro o mais antigo
bairro paulistano, fundado antes mesmo da cidade de São Paulo, e por isso contando atualmente com admiráveis
474 anos de idade.
Chamada nos documentos camarários do século XVI à primeira metade do XVIII de “caminho de Piratininga”, muitas datas de terras foram concedidas ao longo dessa trilha pela Câmara paulistana, e coube ao historiador Afonso de Freitas o mérito de esclarecer que essa Piratininga deveria estar localizada na região do Bom Retiro ou em suas adjacências. Não seria, portanto, mera coincidência o fato de haver existido, no tempo dos primeiros jesuítas, na margem esquerda do Rio Grande (Rio Tietê) um porto chamado Piratinim. Estaria ele, deduzimos, localizado na embocadura do ribeiro desse nome, nas proximidades da antiga aldeia indígena, extinta a partir do momento que o chefe Tibiriçá se mudou com seu povo para as proximidades da então chamada Vila de São Paulo do Campo ou São Paulo de Piratininga.
Essa senda tomou depois o nome de caminho de Nossa Senhora do Ó, havendo sido talvez prolongado por obra
dos portugueses até essa distante freguesia. Desconhece-se essa segunda parte do trajeto, pois foi aos
poucos abandonado, sendo preterido pelos paulistanos pelo caminho de Jundiaí ou Campinas, que saia do
Piques (Ruas 7 de Abril e Arouche) e se bifurcava para os lados de Nossa Senhora do Ó na região da Água
Branca, ou pelo caminho do Araçá (Rua da Consolação e Avenidas Dr. Arnaldo e Heitor Penteado). Um trecho
seu ainda aparece na planta da cidade confeccionada, entre 1807 e 1810, por Rufino Felizardo da Costa, mas
foi justamente nessa época que a antiga trilha de Piratininga acabou definitivamente interrompida pela
Câmara paulistana “a pedido” do governador Franca e Horta na frente do portão de sua chácara denominada Bom Retiro. O governador não estava disposto a ter intrusos penetrando em suas terras para irem às margens do Tietê praticar algumas atividades então corriqueiras, tais como, a pesca, a cata de gravetos e o uso da várzea para pasto de animais de tropa.
Quanto à Luz, era essa paragem atravessada por um outro caminho de origem indígena que se bifurcava a partir do que vinha do sudoeste na altura da atual Praça João Mendes. Seguia então pelo leito da Rua de São Gonçalo (lado direito da atual Praça da Sé), continuava pelo trecho inicial da atual 15 de Novembro, virava abruptamente na Rua 3 de Dezembro e tomava a Boa Vista, acompanhando as curvas de nível do relevo local, até o Largo São Bento. A partir daí, percorria a Rua Florêncio de Abreu e a Avenida Tiradentes até atingir a Várzea do Tietê, onde já havia, em 1584, uma ponte muito importante chamada Ponte Grande.
Com a vinda dos monges beneditinos (1598), e com a construção de seu mosteiro na ponta norte da colina
onde se assentava a Vila de São Paulo, um trecho dessa trilha, correspondente à atual Florêncio de Abreu,
acabou interrompido, englobado que foi pela cerca beneditina. Os paulistanos viram-se então obrigados a
seguir para a Luz por uma variante representada pela atual Rua Brigadeiro Tobias, que se transformou a
partir de então no caminho da Luz, por excelência (saída da cidade que seguia para o norte da capitania),
intensamente percorrido durante todo o século XIX, mesmo depois de a futura Rua Florêncio de Abreu ter sido
reaberta pelos monges em 1784. Muito íngreme, mal conservada e atravessando um pontilhão sobre o fundo
leito do Anhangabaú, a futura Florêncio nunca foi apreciada pelos que demandavam a região norte da cidade,
os quais continuaram a demonstrar preferência pela Rua da Luz ou Alegre (Brigadeiro Tobias). Situação que
só começou a mudar a partir do dia em que a então denominada Rua da Constituição foi nivelada e calçada a
paralelepípedo por ordem de Florêncio de Abreu, presidente da Província que acabou por lhe emprestar o nome
em 1881.
Embora ainda marcada por uma ocupação semi-rural, típica dos subúrbios imediatos à freguesia central (Sé),
a Luz já era vista em meados do Oitocentos como o arrabalde paulistano mais adequado à expansão do uso
residencial urbano, ao lado da chamada Cidade Nova, arruada no Morro do Chá, a oeste da Capital, em 1808.
Por uma série de circunstâncias, a zona sul paulistana concentrava grande número de equipamentos perigosos
ou de desprestígio que afastavam os moradores do local: depósito de munição (Casa da Pólvora), forca,
cemitério de indigentes e de enforcados, hospital da Misericórdia e matadouro. E o Brás, a leste, embora
tão agradável e tão próximo, estava separado da cidade pela várzea do Tamanduateí, de difícil transposição
durante a época das chuvas. Baseando-se nessa constatação, chegou o engenheiro municipal da época (1851) a
sugerir o deslocamento do centro do rossio do Pátio da Sé para o Largo de São Bento, pois assim mais terras
situadas na região além-Tietê poderiam integrar-se no patrimônio municipal e, conseqüentemente, ficarem
disponíveis para a ocupação urbana.
As promessas de desenvolvimento, no entanto, parecem ter-se mostrado mais nítidas na área da Luz a partir do momento em que se decidiu dar início à construção da ferrovia de Santos a Jundiaí (1860-1867). Ao que tudo indica, os moradores e proprietários da região não demonstraram muita preocupação com o fato de os engenheiros ingleses terem decidido levantar a estação ferroviária num canto do Jardim Público. É possível que sequer se tenham dado conta de que a presença de uma linha férrea naquela posição redundaria futuramente numa fonte de transtornos, dificultando as ligações viárias entre as partes norte e sul da cidade, e que o aumento progressivo da atividade ferroviária geraria na mesma proporção ruídos, odores e dificuldades de tráfego, a ponto de incomodar os moradores mais ricos, forçando-os a se mudar para outros pontos mais tranqüilos da cidade.
Não, naquele primeiro momento a ferrovia parece ter funcionado, ao contrário, como um significativo fator de atração, fazendo com que os fazendeiros do interior cogitassem em manter uma residência na Luz, pois aí ficavam próximos tanto da estação de trem que os conduziriam às suas terras e ao porto de Santos, quanto das sedes das autoridades provinciais estabelecidas na Capital, de cujas decisões políticas dependia o destino da economia cafeeira paulista, a maior fonte de riquezas de então.
Desde fins dos Setecentos, vinham surgindo ao longo da estrada que se dirigia para o sul de Minas (atual Avenida Tiradentes) alguns equipamentos importantes para a região. O mais venerável deles era sem dúvida o Recolhimento da Luz (1773), a que já fizemos menção. Mas havia também o Jardim Público, antigo Jardim Botânico (1825), a Casa de Correção (c.1840- c.1870), penitenciária provincial, e o Seminário Episcopal (1853- c.1860).
As primeiras residências paulistanas a chamar a atenção por seu estilo arquitetônico foram a do Conselheiro
Fidélis Nepomuceno Prates (1857- c.1860), erguida na Rua do Comércio da Luz (Avenida Tiradentes), e a de
José Maria Gavião Peixoto (1858-1860), sita na esquina da Rua Alegre (Brigadeiro Tobias) com a Rua
Episcopal (Washington Luís), ambas concebidas segundo os padrões do Neoclassicismo que nos chegava da
Corte. Com a mudança de Antônio Pais de Barros, grande fazendeiro de café em Rio Claro e 1°Barão de
Piracicaba, para a proximidade da Estação da Luz, por volta de 1870, começam a se transferir para as
vizinhanças vários outros personagens importantes do interior, em geral parentes e afins, que transformarão
as imediações da Estação da Luz naquilo que Yan de Almeida Prado chamaria em 1929 de “Vieille
Roche Paulista”. Segundo um estudo nosso publicado nos Anais do Museu Paulista
2, várias foram as residências burguesas dignas de nota,
algumas bastante suntuosas, erguidas ao longo dos velhos caminhos que conduziam à Luz (Rua Brigadeiro
Tobias e Florêncio da Abreu) durante os anos 70, 80 e 90 do oitocentismo. Residências em geral ocupadas
por membros de um mesmo clã, que incluía sobrenomes como Sousa Queirós, Sousa Barros, Aguiar de Barros,
Pais de Barros e Paula Sousa, entre outros.
Na passagem do século XIX para o XX, podemos notar algumas grandes mudanças se desencadeando na área da Luz.
A substituição da pequena estação por um edifício vasto e portentoso, promovida nos últimos anos dos
Oitocentos, onde hoje funciona o
Museu da Língua Portuguesa, indica que a atividade ferroviária atingia então seu clímax, pondo sem dúvida em perigo o sossego dos moradores vizinhos.
Os padrões urbanísticos aceitáveis para bairros residenciais de elite também haviam mudado radicalmente naqueles anos. Os abonados procuravam agora extensos terrenos arborizados, localizados em lugares altos e bem arejados, como o bairro de Higienópolis, a região da Avenida Paulista e até mesmo o bairro da Liberdade. Por isso começaram a deixar em grandes levas a região da Luz, fazendo com que as velhas mansões principiassem a decair. A casa de Fidélis Nepomuceno Prates, por exemplo, que chegou a pertencer ao Marquês de Três Rios (1877-1893), foi escolhida para sediar a recém-inaugurada Escola Politécnica (1894). No quintal dela seriam depois erguidos outros prédios dessa escola, conforme projetos do escritório técnico de Ramos de Azevedo, entre eles o que abriga atualmente o
Arquivo Histórico Municipal Washington Luís, antigo Edifício de Eletrotécnica.
A área fronteira ao Jardim da Luz, por sua vez, foi cedida pelo Estado para a construção do edificio do
Liceu de Artes e Ofícios (1897), de autoria do arquiteto Ramos de Azevedo. Por ser muito ambiciosa, a
construção acabou ficando inacabada e hoje, adaptada, é ocupada pela
Pinacoteca do Estado.
No lado esquerdo desse prédio, construiu-se entre 1893 e 1895 o Grupo Escolar Prudente de Morais, também segundo projeto de Ramos de Azevedo, mais tarde destruído por um incêndio. Do lado oposto da Avenida Tiradentes, no ocaso do Império, foi erigido o Quartel dos Permanentes (1887-1892), atual sede do 1° Batalhão de Polícia de Choque (conhecido como Batalhão Tobias de Aguiar), obra do mesmo Ramos de Azevedo. Essa construção mostrou-se tão importante para a região, que acabou aglutinando em suas proximidades outras tantas construções de tipo militar, entre elas o Hospital Militar da Força Pública (1896), de autoria do onipresente Ramos de Azevedo, onde hoje funciona o
Museu de Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Uma imagem tirada da Avenida Tiradentes pelo fotógrafo suíço Guilherme Gaensly por volta de 1900, mostra-nos que a velha estrada por onde passavam tropas rumo ao norte se transformara numa bela avenida, larga e densamente arborizada, ladeada de residências confortáveis e edifícios públicos bem cuidados.
O futuro do bairro infelizmente não persistiria nessa direção. Durante a primeira parte do século XX,
a aparência da avenida se deterioraria rapidamente, em função da expansão da atividade fabril do bairro e,
sobretudo, da presença do tráfego pesado gerado pelo transporte motorizado. De fato, todo o bairro da Luz se ressentiria dessa nova situação. Hoje a Avenida Tiradentes divide o bairro em duas partes, praticamente sem comunicação. A parte da Luz confinada entre a Tiradentes e o Rio Tamanduateí, por ter sido durante tanto tempo uma zona alagadiça, deu origem a uma ocupação mista, composta de modestas construções residenciais, comercias e industriais, das quais sobrevivem inúmeros exemplares, em diferentes graus de conservação (entre eles, a famosa Vila Economizadora, de 1907). Há nesse setor uma atividade econômica tradicional, de caráter específico – comercialização de vestidos de noiva –, na Rua São Caetano e adjacências. Em contrapartida, o lado esquerdo da Avenida Tiradentes tende a integrar-se hoje no vizinho bairro do Bom Retiro.
Este último manteve-se como chácara até os anos de 1880. Um de seus proprietários, o tenente-coronel
Jerônimo José de Andrade, já possuidor dessas terras desde ao menos 1833, foi quem teve provavelmente a idéia de aproveitar o ótimo barro local e fundar uma olaria, que, depois (1859) passou a ser movida a vapor, por iniciativa de seu filho, Dr.José Maria de Andrade, tornando-se a conhecida Olaria do Bom Retiro, produtora de tijolos afamados. Em 1869 encontrava-se a olaria nas mãos do Dr. João Ribeiro da Silva, advogado e empresário, que, em 1875, criou uma outra fabrica, de elementos arquitetônicos feitos de cimento moldado, na época chamados de “pedra artificial”. Desde 1881, Manfred Meyer, o novo dono da chácara, vinha oferecendo terrenos de sua propriedade para que a Câmara pudesse estabelecer a desejada ligação viária entre diferentes bairros vizinhos que então se desenvolviam ao mesmo tempo, Luz, Bom Retiro e Campos Elísios, e, em 1888, o Marquês de Três Rios abria ruas em sua “Vila Marquês de Três Rios”, situada entre a Luz e o Bom Retiro.
Anos mais tarde, Manfred Meyer começa a comercializar as terras baratas mais próximas da várzea para os grossos contingentes de imigrantes de origem italiana que chegavam à Capital. O empresário Henrique Raffard chegou a ser testemunha em 1890 do nascimento de mais um bairro operário paulistano, o Bom Retiro. Casas modestas, pequeno comércio e serviços construídos por italianos, em meio a fábricas e depósitos postados ao longo da estrada de ferro, tornaram o Bom Retiro em tudo semelhante a outros bairros proletários da Capital, o Brás e a Mooca, principalmente, ou a extensas porções do próprio bairro da Luz.
A pequena parte pertencente ao engenheiro americano Charles D. Dulley, engenheiro chefe da ferrovia de São Paulo ao Rio de Janeiro (1877), seria loteada em 1904, de acordo com uma planta hoje depositada no AHMWL. A propriedade tinha por limites as Ruas Correia de Mello, Ribeiro de Lima, da Graça, Silva Pinto e Guarani, e nela seriam construídos dois importantes edifícios: a Escola de Farmácia de São Paulo (1905), que hoje sedia a
Oficina Cultural Oswald de Andrade, e o Colégio Santa Inês (1907), estabelecido num amplo e belo edifício de linhas
art nouveau.
A partir dos últimos anos do século XIX, começaram a chegar os primeiros judeus ao Bom Retiro. Dizem que foram atraídos para região em razão de o loteador dos terrenos locais, Manfred Mayer, ser ele também de origem judaica. Provenientes da Europa Central, trabalhavam a princípio como mascates, mas logo prosperaram e passaram a se dedicar ao comércio popular de roupas feitas. Em vinte anos, a parte desse bairro mais próxima à Luz assumiu um perfil caracteristicamente judaico, com escolas, sinagogas, mercearias, restaurantes e judeus ortodoxos cruzando as ruas em seus trajes peculiares. A partir da José Paulino, ruas inteiras acabaram tomadas por lojinhas, abarrotadas de confecções empilhadas em prateleiras ou expostas junto às portas de entrada, e vendidas a bom preço, tanto no atacado como no varejo. Só muito recentemente, nos últimos 10 anos, as lojas ganharam em refinamento, sendo hoje os artigos locais facilmente encontráveis em vitrinas de lojas caras situadas em
shoppings de bairros nobres.
Desde algum tempo, porém, os judeus vêm abandonando o Bom Retiro. Mudam-se para lugares mais elegantes, como os bairros de Higienópolis e Perdizes. Na verdade, estão sendo substituídos pelos coreanos, que passaram a abrir lojas e fábricas de confecção na região a partir dos anos 70 do século passado. Hoje já contam com algumas igrejas e muitos restaurantes no local. E para se sujeitar como mão-de-obra barata nas confecções desses coreanos vieram os bolivianos e os peruanos, grupos imigrantes que hoje crescem rapidamente na região.
O Bom Retiro apresenta atualmente uma mistura particular de uso residencial, com muitos edifícios de apartamentos datados dos anos 50 e 60, em meio a várias ruas bastante agitadas, inteiramente dedicadas à produção e comercialização de roupas e congêneres, ao lado de inúmeros serviços. Paira no ar um certo desleixo simpático, com predios antiquados e mal conservados nas ruas menos movimentadas. É de fato um bairro que está sendo poupado pelo setor imobiliário, que sem dúvida o encara como reserva de mercado. Bem localizado e provido de toda infra-estrutura, tem tudo para entrar dentro de alguns anos em plena transformação.
Além disso, Luz e Bom Retiro são bairros contíguos que, sob certos aspectos, apresentam características
comuns. É notável, por exemplo, o grande número de instituições culturais que se acham instaladas em
edifícios de grande valor histórico-arquitetônico espalhados por toda a região. O evento denominado
ENCONTRO DE TRABALHO: Área Luz – ações educativas, cuja primeira edição o Arquivo Histórico Municipal promove ao longo do presente mês de novembro, têm por objetivo integrar mais de vinte dessas instituições, atuantes na região da Luz, do Bom Retiro e circunvizinhanças. Os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos visam estabelecer a médio prazo projetos articulados que permitam não só discutir o cumprimento das funções primeiras das entidades (pesquisa, guarda, conservação e difusão da memória urbana), mas ainda programas de treinamento de mão-de-obra especializada em todas as suas especialidades, com interesse por ações que interem essa mão-de-obra com unidades de ensino estabelecidas nas imediações e propostas de inclusão social.
Eudes Campos
Notas bibliográficas:
- CAMPOS, Eudes. A vila de São Paulo do Campo e seus caminhos. Revista do Arquivo Municipal. São Paulo, DPH, p. 13-36, n.204, dez.2006. (no prelo).
retorno
- ______. Nos caminhos da Luz, antigos palacetes da elite paulistana. Anais do Museu Paulista: História e cultura material. São Paulo, Museu Paulista, p.11-57, v.13, jan - jun. 2005.
retorno
Bibliografia:
- CAMPOS, Eudes. São Paulo: desenvolvimento urbano e arquitetura sob o Império. In: PORTA, Paula (org.).
História da cidade de São Paulo. São Paulo: Paz e Terra, 2004.3v. v.2, p. 187-249.