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PMSP/SMC/DPH
São Paulo, julho/agosto 2007
Ano 3 N.13  

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  • ESTUDOS & PESQUISAS

  • TÁXI - veículos de aluguel em São Paulo (1892-1930)
    e os marcos regulatórios


    Jorge Americano

    Os primeiros anos da República correspondem a um período de crescimento urbano marcante para a cidade de São Paulo. Uma taxa de crescimento anual da população do município, entre 1880 e 1890, ao redor de quatro por cento dará lugar a um porcentual de 14 por cento. Um cidade partilhada por cerca de 65 mil pessoas terá de enfrentar demandas diárias quatro vezes maior (IBGE/Sempla, 2007).

    Se este aspecto revela o desafio a enfrentar por parte da administração municipal, outro processo de grande envergadura ocorre em paralelo, decorrente da própria mudança de regime político: a reestruturação do poder executivo. A forma peculiar como as Câmaras municipais até então partilhavam os poderes executivo e legislativo será superada ao longo da primeira década num processo que tem como pano de fundo a explosiva demanda urbana.

    Uma avaliação inicial sobre a legislação gerada no período permite revelar estes dois movimentos. Por um lado, um esforço em delinear uma nova estrutura administrativa, que em intervalo muito curto parece ser superada e logo remodelada; por outro, uma demonstração da intensa ação regulatória em determinados segmentos como o transporte urbano, introduzindo práticas ou sistematizando posturas anteriores.

    A leitura da legislação, numa perspectiva histórica, exige certo cuidado nessas circunstâncias. É necessário evitar tomá-la como marco temporal definitivo de determinadas ações, mas antes como momento de sistematização e, por vezes, como gesto simbólico, expressão de outros anseios. Um estudo mais efetivo terá sempre de confrontar outras fontes, entre outras a leitura dos anais da Câmara e a identificação de documentação remanescente.

    Comecemos pela lei n.1, de 29.9.1892, que "Cria quatro intendências, distribuindo os serviços municipais". O primeiro artigo estabelece a intendência "de 'Justiça e Polícia', compreendendo o que for relativo: negócios forenses, cadeias, pesos e medidas, servidões de estradas de caminhos municipais ou outros, uso de armas, jogos, espetáculos, caça e pesca, veículos [grifo nosso], desapropriações, extinção de incêndios, iluminação, privilégios, telefone, instrução pública, etc.".

    Pouco tempo depois, a lei n.9, de 3.12.1892, identificada em sua ementa como o "Regimento interno da Câmara Municipal do Estado de S. Paulo", em seu título III – "Do Poder Executivo Municipal", trata da organização das intendências. Antes de tudo, observe a superposição de esferas de poder expressa nestes tópicos de apresentação. De interesse aqui, o capítulo dedicado à Intendência de Polícia e Justiça, em seu artigo 12, determinará, no último parágrafo de um conjunto de doze, a função de: "Regular o transporte de passageiros e mercadorias por qualquer sistema, bem como os correios, telégrafos, telefones municipais; enfim tudo que disser respeito à vida comum e administrativa do município e em geral sobre os meios de assegurar a tranqüilidade, segurança, comodidade e instrução de seus habitantes, recorrendo ao poder judiciário ou à autoridade policial, conforme for de direito, sempre que encontre contestação ou oposição no exercício de suas funções."

    As referências imediatas a veículos de aluguel para transporte de passageiros surgem, porém, com algum detalhe, nos textos legais dedicados a receita e despesa do município. É o caso da lei n.18, de 20 de janeiro de 1893, que traz o orçamento para 1893. A tabela do Imposto de licença registra as taxas para os diversos veículos, entre eles "Carros de praça". Por sua vez, a tabela Imposto de estacionamento¸ termo este que tem uma acepção maior que o uso comum, registrando a presença de carros de praça e tílburis de praça. Num momento que antecede em poucos anos a introdução do automóvel, a tipologia de veículos à tração animal, é relativamente ampla, mas a legislação municipal, no tocante a passageiros, distingue apenas veículos de aluguel e particulares, e carros de quatro ou duas rodas, como é o caso aqui dos tílburis.

    Jorge Americano

    1893: primeira ação regulatória

    Não será uma lei, mas uma resolução, que trará as primeiras determinações pertinentes a transporte rodoviário. Em 20 de fevereiro de 1893, a resolução n.17 "Adota deliberações sobre as profissões de cocheiros e ganhadores". A ementa sucinta mascara a amplitude do texto emitido pelo Intendente de Justiça e Polícia.

    Em seus onze artigos, a resolução traz determinações que, partindo, como será usual em textos posteriores, das exigências de registros de cocheiros e emplacamento de veículos, se estenderá de normas de conduta a orientações de circulação. Por todo período da República Velha, o poder municipal tomará para si a regulamentação geral sobre trânsito. Do exame de habilitação ao sistema de gerenciamento e fiscalização, progressivamente mais complexo, a determinações sobre conduta pessoal, tráfego e segurança dos veículos. Em parte, esses textos traem sua proximidade com os textos legais do período imperial, como o Código de Posturas do Município de São Paulo, de 1886, ou anteriores (veja nesta edição do Informativo, a seção Logradouros para maiores referências).

    O registro de veículos e o exame de habilitação são os marcos estruturantes da resolução. E, também, aqueles documentos cuja omissão "ou falsificação", no caso deste último, por exemplo, acarretam penalidades como a "prisão imediata por oito dias e o recolhimento do veículo e animais, liberados após pagamento de multa".

    Atestado - carroceiro - 1894
    Atestado de exame de carroceiro,
    emitido pela Câmara Municipal, em 1894
    Acervo: AHMWL/DPH/SMC

    A ausência de uma estrutura para fiscalização fará com que o auto de infração possa ser "lavrado por qualquer autoridade, agente da força pública, pessoa do povo, aí compreendendo os próprios cocheiros". A prática será mantida, e referenciada em textos legais, por algum período.

    Ao tratar dos veículos de aluguel de transporte de passageiros ("condução pessoal") a resolução, de início, adapta aos carros e tílburis exigências gerais como o uso de placa com número de registro, acrescido aqui de sua inscrição nas lanternas, à tinta. Introduz ainda normas de conduta dos cocheiros como responsabilidade pelos volumes e cargas e restrições como idade mínima de 12 anos, acompanhada de autorização dos responsáveis para os menores de 21.

    Exigências diversas mesclam-se em artigos únicos, retomam aqui e acolá, condensando por vezes grandes tópicos, numa formulação aglutinadora que se manterá indelevelmente por décadas. É o caso, oportuno, do artigo 7, transcrito em sua íntegra:
      O cocheiro é obrigado a prestar o serviço que justar e a estar na hora e durante o tempo combinado, à disposição do passageiro; e mais a tratar com respeito os passageiros e autoridades constituídas. A estar decentemente vestido, a não embriagar-se durante o tempo do serviço e não portar-se mal em público. A não transitar em direção contrária à indicada pelas autoridades, nem pelas ruas ou lugares onde lhes for proibido. A nunca trazer o veículo em disparada nem deixar o cargo sem pessoa que o guarde, e detenha os animais em sua ausência. Não fornecer o veiculo sob o seu governo ou direção para a prática de crimes, nem ato algum proibido.
    O capitulo "Das penas e sua aplicação", com apenas dois artigos finaliza: "Não há tabela de preços para os carros e tílburis, devendo os passageiros tratar previamente".

    Em seu conjunto, este primeiro texto legal no período em questão, revela a continuidade de uma tradição legislativa anterior que, ao mesmo tempo, tenta regular o registro de veículos e cocheiros e sanar a falta de uma legislação, em esfera superior, para normatização do trânsito e do gerenciamento e fiscalização dos transportes urbanos.


    1894: segunda ação regulatória

    Um ano e meio depois, a lei n.120, de 31.10.1894, que "Regula a inspeção de veículos e carretagens", introduzirá o principal texto legal do período. Uma terminologia mais atenta e uma hierarquização temática, associadas a um quadro amplificado de ação, marcam a lei. Surgem orientações, ao longo de 58 artigos distribuídos em onze capítulos, com maior detalhamento, cobrindo da inspeção de veículos e exames de condutores a normas de condutas, pontos de estacionamento, regras de transito e tabelas de preços.

    Retomando a resolução anterior, os artigos iniciais sobre registro e emplacamento, mencionam os veículos de aluguel. São dispensados da exibição da placa em lugar aparentes as "carruagens particulares e as de aluguel em cocheira com condutor de libré". A legislação registra pela primeira vez a oferta de veículos de luxo, para ocasiões especiais. Observe-se ainda que os artigos iniciais são sucedidos por um tópico que introduz assuntos reiterados ao longo da lei (asseio — segurança — trato dos animais):
      Artigo 3 – Todo o veículo de condução ou transporte deve conservar o maior asseio, oferecer a maior segurança possível e ser puxado por animais sãos, robustos e adestrados.
    O capítulo II, intitulado "Dos veículos", inclui determinações sobre circulação, retomando por vezes posturas anteriores como a proibição aos "antigos carros de eixo móvel puxados a boi" na colina central (artigo 12). Na ausência de códigos de trânsito aborda orientações sobre conduta no tráfego e segurança veicular. O artigo 11, por exemplo, determina que os "veículos serão sempre conduzidos de forma a darem o lado esquerdo aos outros que, na mesma rua, caminhem, em sentido oposto e serão obrigados a dar fácil trânsito ao material para extinção de incêndios, quando em serviço." Por sua vez, o artigo seguinte estabelece: "Todas as carroças, carroções, etc. etc., deverão usar de trava nas descidas das ladeiras e onde isso for conveniente."

    A lei modifica ainda a idade mínima para condutores de veículos, elevando-a de 12 para 15 anos, em contraste com a resolução emitida no ano anterior. Orientações mais específicas estão reunidas no capítulo IV – "Dos deveres dos cocheiros e carroceiros" -, reunidas nos artigos de 22 a 35, destacando no inicial, em seu primeiro parágrafo, a exigência de porte da carteira, "por onde mostra estar quite com a fazenda municipal, bem como um exemplar desta lei e tabelas anexas".

    Normas de conduta e trânsito se mesclam. O artigo 22, dos parágrafos 2 a 4, destaca o trato dos animais, enfatizando o primeiro a exigência: "Dirigir seus animais sem castigo bárbaros ou imoderados". A mesma preocupação será objeto de lei específica um ano após, a de número 183, de 9.10.1895, que "Proíbe os abusos e maus tratos contra os animais em geral". De caráter abrangente, define instrumentos adequados para o castigo, vetando o uso abusivo e incorreto, e estabelecendo restrições até mesmo ao excesso de carga nos bondes, então, à tração animal.

    No mesmo artigo, orientações sobre direção, velocidade e segurança são encadeadas. "Nas ruas da cidade os animais devem caminhar a trote curto, não devendo o condutor, de modo algum, precipitar a carreira dos mesmos", estabelece o parágrafo 8. E o seguinte, ao determinar velocidade reduzida, "não excedendo de meio trote", na colina central, com o detalhamento do perímetro. E, acrescenta o parágrafo 10: "Adotar travas para as carroças, carroções, etc. e não descer ladeiras sem que o veículo, esteja perfeitamente travado, não sendo permitido fazê-lo por meio de cordas, correntes, etc., etc." Observe-se ainda as restrições de circulação de transporte de carga na área central, tema retomado por um longo período em outros textos.

    Os carros de aluguel recebem destaque no artigo 23, que trata das "condições especiais dos cocheiros de veículos de praça, destinados à locomoção pessoal". Sete parágrafos são a eles dedicados. O primeiro exige que estejam "vestidos com asseio e decência"; o segundo, a "Não dormirem dentro do veículo, quando em descanso, nem fumarem ou se embriagarem quando em serviço".

    É proibido recusar serviço, a não ser quando ocupado, devendo para isso portar a placa Impedido, bem como tratamento com "polidez e atenciosa deferência aos passageiros e autoridades constituídas". Por fim, três parágrafos estabelecem padrões na prestação e cobrança de serviço: parágrafo 5 — "Conduzir os passageiros ao lugar de seu destino, sem atrasarem propositalmente a marcha dos animais"; parágrafo 6 — "Não exigirem ao passageiro preço maior do que o marcado nas tabelas"; e parágrafo 7 — "Exibirem essa tabela sempre que exija o passageiro".

    Em oposição à resolução anterior, de 1893, que indicava a inexistência de uma tabela de preços, em contraste mesmo com a prática no período imperial, o capítulo IX, no artigo 45, define o uso de tabelas anexas para cobrança do "transporte pessoal em carruagens e tílburis". Estes quadros, acompanhados da descrição dos diferentes perímetros urbanos a serem aplicados, são estruturados em função da categoria dos veículos (tílburis pela metade do preço em relação aos carros com quatro rodas), horário de circulação (das 6h às 22h e das 22h às 6h) e período de uso associado ao percurso. Observações finais definem a prática para o transporte de passageiros entre a residência e as estações ferroviárias, e a cobrança "mediante ajuste prévio" no uso em batizados, casamentos, bailes, espetáculos, enterros etc.

    Penalidades e multas são tratadas no capítulo X – "Das penas e suas aplicações" -, mas é o artigo 54 das "Disposições gerais e transitórias" o mais revelador da estrutura e da capacidade de ação do poder municipal: "Enquanto não for criada a guarda municipal e faltar à Câmara meios coercitivos suficientes, a fiscalização e execução da presente Lei, poderá ficar no todo ou em parte a cargo da Repartição Central de Polícia do Estado mediante acordo transitório com o Intendente..."

    Esta relação entre Estado e Município será retomada adiante. O ato n.331, de 11.9.1909, "Confia provisoriamente, à polícia do Estado, a fiscalização do serviço de carretagens e trânsito de veículos, nas ruas e outros lugares públicos". A decisão é justificada por dispor esta "dos meios coercitivos de tornar efetivas as disposições municipais". Mantém a municipalidade, "porém, os serviços referentes a exames e matrículas de cocheiros, motorneiros e 'chauffeurs', expedição e averbação de cartas, numeração de veículos e dos carregadores, fiscalização da cobrança dos respectivos impostos e multas, e o que se referir à fiscalização dos serviços de bondes e outros...". A falta de estrutura para fiscalização do trânsito seria outra vez revelada por meio da lei n.1.251, de 20.10.1909, que voltaria a reforçar a autorização "a qualquer pessoa de notória idoneidade de autenticar as infrações correntes e levá-las ao conhecimento de quem de direito".

    A introdução dos veículos a motor será imediatamente registrada em textos legais, porém de forma indireta naqueles dedicados a orçamentos da municipalidade e, anos depois, nas ordenações relativas a trânsito. A lei n.493, de 26.10.1900, que "Fixa a despesa e orça a receita do município para o ano financeiro de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 1901, traz na tabela de Imposto de veículos, no artigo 29, listando 20 modalidades, não apenas o "carro particular, de praça ou aluguel, de 4 rodas" e o "tílburi de aluguel ou de praça", mas o "automóvel".

    Apenas em 1903, o ato n.146, de 26 de fevereiro, fará o ajuste da legislação ao novo veículo ao mandar "observar o regulamento sobre a circulação de automóveis". Numa prática pouco usual nos textos legais emitidos então pela Câmara, define-se o "carro automóvel", que compreende "todos os veículos munidos de motor mecânico, qualquer que seja a natureza dele". Apresentam-se as orientações de segurança do veículo, normas para seus condutores e estabelece-se a exigência de carta de habilitação.

    O ato, breve, define o novo objeto e ajusta-o às normas. O artigo 4, que indica a exigência do alvará de licença, revela em suas preocupações como o novo veículo carecia de padronização. Enfatiza-se o tema da segurança ao exigir cuidados na disposição do motor e outros dispositivos de modo a evitar explosão ou incêndio, e ainda ao orientar a disposição dos mecanismos de manobra para permitir o controle do veículo pelo condutor: "sem deixar de observar o caminho a seguir". As demais exigências abordam o controle de direção, a capacidade de realização de curvas de pequeno raio e a necessidade de um duplo sistema de trava. E, completa o parágrafo 5: "Que, finalmente, todos os aparelhos se achem dispostos de maneira que o seu emprego não ofereça nenhuma causa especial de perigo, não possa espantar animais nem dar lugar à formação de gases e vapores incômodos."

    A velocidade do veículo é tratada no artigo 8, o qual exige que o condutor tenha controle e possa moderá-la ou mesmo anulá-la. Define como limite máximo 30 km por hora "em campo raso", 20 km/h nos pontos habitados e, nas ruas centrais 12 km/h. "Nos lugares estreitos, ou onde haja acumulação de pessoas a velocidade será a de um homem a passo". Por fim, as velocidades "deverão ser reduzidas sempre que isso se torne necessário, segundo o número de pessoas nos veículos em trânsito".

    Novamente, uma lei dedicada ao orçamento indicará a adoção do novo veículo, como carro de aluguel. Em 1906, a lei n.956, de 16.11.1906, relativa ao exercício de 1907, inclui no artigo 19, dedicado ao Imposto de veículos, uma nova tabela com 29 tópicos, entre eles: "Automóvel de praça ou de aluguel para condução pessoal". Observe-se que a mesma tabela indica um desconto de vinte por cento na taxação relativa a carros de praça, de quatro rodas, ou tílburis, caso adotem "rodas de borracha". O artigo 32, dedicado aos emolumentos, passa a incluir entre os novos itens, ao lado da carta de cocheiro, as equivalentes para 'chauffeur' e para motorneiro.

    Praça da Sé - 1916
    Veículos estacionados no Largo da Sé. Em primeiro plano, carros a tração animal com "rodas de borracha"; ao fundo, automóveis de aluguel, categoria Garagem, com padrão superior.
    Detalhe de imagem, 1916.
    Acervo: SAN/DIM/DPH/SMC


    1920: terceira ação regulatória

    A vigência da lei n.120 cobrirá um quarto de século. Ainda que várias outras, de caráter pontual, por vezes com propostas severas de controle de trânsito de cargas no Centro Velho, sejam emitidas com alguma periodicidade, nenhuma terá sua abrangência e alcance.

    Em 1920, num intervalo de dois meses, na administração Firmiano Pinto, dois textos legais retomam o assunto. A lei n.2.264, de 13.2.1920, "Dispõe sobre a inspeção e fiscalização de transito de veículos no Município". Em 34 artigos, apresenta um maior grau de detalhamento e hierarquização temática.

    Os veículos de aluguel, tema desta edição do Informativo, surgem já no segundo artigo, que define as três categorias de veículos: aluguel, particular e oficial. E, estabelece para a primeira, duas modalidades: os que estacionam em pontos, trazendo na placa a letra A e os que "permanecem em cocheiras ou garages", trazendo a letra G. Excetuam-se, os veículos de tração animal, sem aposição de letra.

    Determinações relativas a condutores desses veículos, presentes na lei, são comentadas no artigo, nesta edição, da seção Logradouros. Vários itens do texto legal retomam pontos definidos anteriormente, como, por exemplo, o artigo 32, ao permitir à Prefeitura delegar provisoriamente a fiscalização à Secretaria da Justiça e Segurança Pública. Ou adaptam aspectos, como no artigo 9, ao estabelecer a placa Livre para uso pelos veículos de aluguel, em contraste com a orientação adotada em 1894 que versava sobre a placa Impedido.

    Entre os pontos diferenciais, como a alteração da idade mínima do condutor para 18 anos, retomando o patamar definido no Código de posturas do município de São Paulo de 1886, chama a atenção o aumento do limite de velocidade. O artigo 10 estabelece: "no perímetro central, em ruas e horas de grande trânsito, dez quilômetros e nas demais, vinte quilômetros, no perímetro urbano, trinta quilômetros e, no suburbano, quarenta quilômetros".

    O ato n.1426, de 26.4.1920, por sua vez, apresenta a regulamentação da lei n.2.264, ocupando 112 artigos, distribuídos em 13 capítulos. Alguns chamam a atenção por introduzir novas práticas, como os reunidos no capítulo II – "Dos sinais de aviso – sonoros". Outros por revelarem ações que parecem sinalizar a escala do trânsito na cidade de São Paulo, então com cerca de 580 mil habitantes. É o que se pode inferir do artigo 22 ao proibir a parada de veículos na Praça Antônio Prado e na Rua Direita, entre a Líbero e a São Bento, quer para receber, quer para deixar passageiros.

    A preocupação com segurança é detalhada no capítulo IV — "Dos automóveis" —, abordando pontos tratados anteriormente no mesmo texto. Note-se, contudo, a referência ao uso de "rodas guarnecidas de aros pneumáticos".

    As orientações sobre veículos de aluguel serão retomadas, reforçando práticas adotadas já em meados do século XIX, como a fixação "na parte destinada aos passageiros, bem visível, impressa ou esmaltada" da tabela de preços e o número do veículo (artigo 44). Ou a proibição à recusa "em caso algum" de passageiros, "salvo os maltrapilhos e ébrios, ou quando o veículo estiver com defeito..."
    .
    No tocante a relações de trabalho, ou à profissionalização, pouco há no ato 1.426 que altere as informações dos textos legais anteriores. O capítulo IX – "Das empresas de transportes" – remete genericamente a "donos, diretores ou gerentes das empresas de transporte de carga ou passageiros".

    Note-se que a legislação, em 1894, menciona, como atesta documentação remanescente integrante do fundo custodiado pelo Arquivo Histórico Municipal, o registro de veículos, associando ao mesmo as referências a proprietários e relação de condutores. Não existe na legislação do período tratado a possibilidade de recuperar maiores detalhes sobre estruturas coletivas de trabalho. Salvo talvez, como no ato n.1.426, de 1920, a menções esparsas em artigos, como o de número 92, que proíbe confiar o veículo a outro cocheiro que não registrado, salvo no impedimento deste, e a atribuição de responsabilidade a empresa pelas multas impostas por infrações cometidas pelos condutores de seus veículos (artigo 93).

    Dois aspectos relacionados devem ser mencionados, ainda que pouco acrescentem. Primeiro, a ocorrência da expressão " 'chauffeur' profissional", sem maiores detalhes, na lei n.2.768, de 29.10.1924, referente ao orçamento para 1925. Segundo, a resolução n.318, de 3 de março do mesmo ano, que manda arquivar representação do Centro dos Motoristas de São Paulo sobre a regulamentação das horas de trabalho de seus associados, decisão justificada: "visto não poder ser regulado o assunto por lei municipal".

    Do trânsito ao planejamento urbano
    Jorge Americano
    Toda esta legislação, entre 1892 e 1930, permite acompanhar a estruturação do serviço de emissão de carteira e registro de veículos, a definição de equipes de trabalho e seu desenvolvimento, desde a organização da Inspetoria de Veículos, na década de 1890, à sua sucessora, em 1906, a Inspetoria de Viação Municipal.

    A leitura dos textos legais traz, de forma indireta, dados sobre o volume de veículos na cidade. A lei n.2.095, de 29.10.1917, por exemplo, relativa a receita e despesa do município para o ano de 1918, inclui no Artigo 2 — "Despesa ordinária" — dados sobre os gastos da Inspetoria Geral de Fiscalização:
      2.020 Placas para automóveis
      (...)
      8.000 Placas para carroças e caminhões
      150 Placas para carros de praça
      100 Placas para carros particulares
      150 Placas para tílburis de praça
    Na falta de outros dados, no momento, é possível recorrer àqueles inclusos em O livro vermelho dos telephones, editado em 1933 (mencionado em FOREST, 2002), relativos a carros a motor na cidade de São Paulo em 1932. A categoria auto passageiros atingia então o total de 13.694 veículos, dos quais 9.815 particulares e 315 "de aluguel", num momento que o município ultrapassava o limiar do primeiro milhão de habitantes.

    A legislação ao longo da década de 1920 expressa a busca de soluções para problemas gerados pelos transportes. Por exemplo, em 1924, a lei n.2.691, de 10 de abril, designava "uma comissão para o estudo do problema de circulação de veículos e pedestres no Município". No mesmo ano, a lei n.2.711, de 29 do mesmo mês, "Organiza uma comissão técnica para o estudo completo dos projetos e orçamentos referentes a melhoramentos na capital". Seu texto relaciona muitas intervenções que serão objeto de discussão e implantação nas décadas seguintes. Nessa sucessão de ações, pouco mais de um ano após, a lei n.2879, de 19.6.1925, "Autoriza o Prefeito a designar uma comissão técnica que se encarregará de estudar e elaborar um plano geral de conjunto, abrangendo planos parciais de extensão, embelezamento, melhoramentos e sistematização da cidade de São Paulo, e dá outras providências".

    O tom emergencial parece-se confirmar, se tomarmos o ato n.2.495, de 7 de fevereiro de 1925, que, ao dispor sobre o estacionamento de veículos nas ruas centrais da cidade, proíbe o estacionamento ("nenhum veículo") naquele perímetro, salvo o tempo necessário para subida e descida de passageiros, com motor ligado.

    Táxi !

    Ao longo do período enfocado, os veículos de aluguel serão denominados sempre, como no século anterior, pelas variações: carros de aluguel ou de praça. Com a introdução da tração mecânica, acrescenta-se a expressão: automóvel de aluguel.

    A primeira menção ao uso do taxímetro, na legislação, ocorre em 1909, através da lei n.1.198, de 13 de março, que "Autoriza o Prefeito a conceder licença para o tráfego de automóveis, adotado o aparelho 'taximètre'". A concessão é feita ao engenheiro Felippe Ney Ewbank da Camara.

    Nada consta na parca historiografia sobre o tema, que indique a efetiva adoção do sistema naquele momento. A lei n.2246, em 1920, através do artigo 17, introduz por fim o uso de taxímetro nos automóveis de aluguel e de estacionamento. O texto determinará ainda sua colocação em local visível e a aferição anual.

    A mesma lei introduz novas tabelas de preços, nas quais fica patente sua adoção estrita a automóveis, estabelecendo neste caso tarifas fixas por hora ou "com taxímetro". Surge então tarifa para "saída e qualquer fração dos primeiros 200 metros" acrescida de tarifa por cada 200 metros adicionais.

    O surgimento da denominação táxi nesses textos ocorre em curto intervalo. Em 1920, a lei n.2318, de 11 de setembro, ao modificar em parte a lei n.2264, de 13 de fevereiro, mencionará o termo "auto-taxímetro", sem maiores detalhes.

    O termo, na forma reduzida, é empregado, indiretamente, no texto da lei n.2.440, de 29 de outubro de 1921, sobre receita e despesa do município para o exercício de 1922, ao incluir nas alterações da tabela do Imposto de Veículos e Placas o item: "Automóvel de aluguel (táxi)".

    Muito provavelmente, a adoção obrigatória do equipamento estimulará o uso da expressão. Em 1923, o ato n.1.290, de 12 de janeiro, proíbe a partir de março a circulação de veículos de aluguel sem taxímetro.

    A decisão terá aplicação efetiva, como indica o ato n.1.974, de 27 de março, que "dispõe sobre a adoção de taxímetros nos automóveis de aluguel": "...atendendo a que não há na praça taxímetros em número suficiente para os automóveis de aluguel e ao fato de terem diversas casas comerciais feito encomenda desses aparelhos, conforme comunicaram à Prefeitura, resolve" prorrogar até 30 de junho o prazo para todos os automóveis da classe A serem munidos do equipamento.

    Quase certo, a escolha do termo Táxi, por Mário de Andrade, para denominar sua coluna no jornal Diário Nacional em 1929, indica a adoção do termo na linguagem coloquial. A presença na paisagem urbana desses veículos, num momento anterior à disseminação em maior escala do carro particular, deve entre outros motivos ter reforçado a identificação dos mesmos com a própria concepção de cidade contemporânea.

    A abordagem do tema através da leitura da legislação municipal, como adotada neste artigo, procura reforçar sua relevância como estratégia para identificação de ações do poder executivo, permitindo assim o acesso a um amplo conjunto documental, entre atas e anais da Câmara, um índice para conjuntos documentais muitas vezes ainda não devidamente processados.

    Essa leitura possibilitou identificar parte do universo de desdobramentos motivados pela introdução do automóvel e o potencial campo para estudo de tópicos como o impacto sobre a área central da cidade ou a convivência pedestre—carro. E, ainda, identificar preocupações que nos são contemporâneas, às vezes antecipatórias de práticas implantadas efetivamente décadas mais tarde.


    Ricardo Mendes




    Fontes e Bibliografia de apoio

    Como referência principal, veja a listagem sumária da legislação municipal no período 1892-1930, disponível no segmento Biblioteca, que inclui a relação de volumes da série Leis e atos do município de S. Paulo.

    • Código de posturas do município de São Paulo: 6 de outubro de 1886. São Paulo: Departamento de Cultura, 1940.

    • FOREST, Malcolm. Automóveis de São Paulo. São Paulo: Arquivo do Estado/Imprensa Oficial, 2002.

    • Histórico Demográfico do Município de São Paulo. São Paulo: PMSP/Sempla, 2007.
      (http://www9.prefeitura.sp.gov.br/sempla/historico/index.php)

    • Coisas da cidade/O serviço de veículos. O ESTADO DE S. PAULO, 9.1.1910, p.5.


    Ilustrações por Jorge Americano,
    extraídas de sua obra
    São Paulo naquele tempo (1895-1915).
    São Paulo: Edição Saraiva, 1957.


    Para citação adote:

    MENDES, Ricardo. TÁXI - veículos de aluguel em São Paulo (1892-1930) e os marcos regulatórios. INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL, 3 (13): julho/agosto 2007 <http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>

     
    EXPEDIENTE

    coordenação
    Liliane Schrank Lehmann

    edição de texto
    Eudes Campos

    webdesigner
    Ricardo Mendes

    distribuição
    Maria Sampaio Bonafé (coordenação)
    Elisabete De Lucca e Irene do Carmo Colombo


    Normas Editoriais
    (2007) (formato PDF)

     
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    Prefeitura da Cidade de São Paulo - 2005-2007 (c)



    DPH


    SECRETARIA DE CULTURA


    Cidade de São Paulo


    Gilberto Kassab
    Prefeito da Cidade de São Paulo

    Carlos Augusto Calil
    Secretário de Cultura

    José Roberto Neffa Sadek
    Secretário Adjunto

    Paulo Rodrigues
    Chefe de Gabinete

    Walter Pires
    Departamento do Patrimônio Histórico

    Liliane Schrank Lehmann
    Divisão do Arquivo Histórico Municipal Washington Luís
    Informativo AHM