Carta para a Preservação do Patrimônio Arquivístico Digital
A produção cotidiana de documentos digitais - em toda sua diversidade de textos a fotos, de plantas arquitetônicas a vídeos - é uma prática
regular nos órgãos públicos há mais de duas décadas. A preservação destes documentos é, porém, um desafio não estabelecido.
Nessa direção, o Conselho Nacional de Arquivos, em sua 34ª reunião plenária, realizada em 6 de julho de 2004, no Rio de Janeiro,
aprovou a presente Carta, aqui reproduzida, que merece a atenção de todos os envolvidos no CCAD.
Liliane Schrank Lehmann
As organizações públicas e privadas e os cidadãos vêm cada vez mais transformando ou produzindo documentos arquivísticos exclusivamente em
formato digital, como textos, bases de dados, planilhas, mensagens eletrônicas, imagens fixas ou em movimento, gravações sonoras, material
gráfico, sítios da internet, dentre muitos outros formatos e apresentações possíveis de um vasto repertório de diversidade crescente.
As facilidades proporcionadas pelos meios e tecnologias digitais de processamento, transmissão e armazenamento de informações reduziram
custos e aumentaram a eficácia dos processos de criação, troca e difusão da informação arquivística. O início do século XXI apresenta um mundo
fortemente dependente do documento arquivístico digital como um meio para registrar as funções e atividades de indivíduos, organizações e governos.
Os documentos arquivísticos são gerados e mantidos por organizações e pessoas para registrar suas atividades e servirem como fontes de prova e
informação. Eles precisam ser fidedignos e autênticos para fornecer evidência das suas ações e devem contribuir para a ampliação da memória de uma
comunidade ou da sociedade como um todo, vez que registram informações culturais, históricas, científicas, técnicas, econômicas e administrativas.
A eficácia de um documento arquivístico depende da qualidade e do
rigor dos procedimentos de produção e manutenção realizados pelas
organizações produtoras de documentos. Entretanto, como a informação em
formato digital é extremamente suscetível à degradação física e à
obsolescência tecnológica – de hardware , software e formatos –, essas novas
facilidades trazem conseqüências e desafios importantes para assegurar sua
integridade e acessibilidade. A preservação dos documentos arquivísticos
digitais requer ações arquivísticas, a serem incorporadas em todo o seu ciclo
de vida, antes mesmo de terem sido criados, incluindo as etapas de
planejamento e concepção de sistemas eletrônicos, a fim de que não haja
perda nem adulteração dos registros. Somente desta forma se garantirá que
esses documentos permaneçam disponíveis, recuperáveis e compreensíveis
pelo tempo que se fizer necessário.
A preservação de documentos arquivísticos tem por objetivo garantir a
autenticidade e a integridade da informação, enquanto o acesso depende dos
documentos estarem em condições de serem utilizados e compreendidos. O
desafio da preservação dos documentos arquivísticos digitais está em garantir
o acesso contínuo a seus conteúdos e funcionalidades, por meio de recursos
tecnológicos disponíveis à época em que ocorrer a sua utilização.
Assim, é importante alertar os governos, as organizações públicas e
privadas, as instituições de ensino e pesquisa e todos os setores da sociedade
brasileira comprometidos com a inclusão informacional para os seguintes
problemas:
- Dependência social da informação digital
O governo, a administração pública e privada, a pesquisa
científica e tecnológica e a expressão cultural dependem cada vez
mais de documentos digitais, não disponíveis em outra forma, para o
exercício de suas atividades.
- Rápida obsolescência da tecnologia digital
A preservação de longo prazo das informações digitais está
seriamente ameaçada pela vida curta das mídias, pelo ciclo cada vez
mais rápido de obsolescência dos equipamentos de informática, dos
softwares e dos formatos.
Incapacidade dos atuais sistemas eletrônicos de informação em assegurar a preservação de longo prazo
Atualmente, não obstante os pesados investimentos em
tecnologia da informação, há uma crescente debilidade estrutural dos
sistemas eletrônicos de informação, que os incapacitam de assegurar
a preservação de longo prazo e o acesso contínuo às informações
geradas num contexto de rápido avanço tecnológico.
Fragilidade intrínseca do armazenamento digital
A tecnologia digital é comprovadamente um meio mais frágil e
mais instável de armazenamento, comparado com os meios
convencionais de registrar informações, tendo um impacto profundo
sobre a gestão dos documentos digitais no presente para que se
tenha garantia de acesso no futuro.
Complexidade e custos da preservação digital
A preservação de documentos digitais pressupõe uma
constante atualização de suporte e de formato, além de estratégias
para possibilitar a recuperação das informações, que passam pela
preservação da plataforma de hardware e software em que foram
criados, pela migração ou pela emulação. Estas são algumas
iniciativas que vêm sendo tomadas, mas que não são ainda
respostas definitivas para o problema da preservação de longo prazo.
Não há soluções únicas e todas elas exigem investimento financeiro
elevado e contínuo em infra-estrutura tecnológica, pesquisa científica
aplicada e capacitação de recursos humanos.
Multiplicidade de atores envolvidos
A preservação da informação em formato digital não se limita
ao domínio tecnológico, envolve também questões administrativas,
legais, políticas, econômico-financeiras e, sobretudo, de descrição
dessa informação através de estruturas de metadados que viabilizem
o gerenciamento da preservação digital e o acesso no futuro. Desta
forma, preservar exige compromissos de longo prazo entre os vários
segmentos da sociedade: poderes públicos, indústria de tecnologia
da informação, instituições de ensino e pesquisa, arquivos e
bibliotecas nacionais e demais organizações públicas e privadas.
Reconhecida a instabilidade da informação arquivística digital, é
necessário o estabelecimento de políticas públicas, diretrizes, programas e
projetos específicos, legislação, metodologias, normas, padrões e
protocolos que minimizem os efeitos da fragilidade e da obsolescência de
hardware, software e formatos e que assegurem, ao longo do tempo, a
autenticidade, a integridade, o acesso contínuo e o uso pleno da informação
a todos os segmentos da sociedade brasileira. Isto só será possível se
houver uma ampla articulação entre os diversos setores comprometidos
com a preservação do patrimônio arquivístico digital, e em cooperação com
os organismos nacionais e internacionais.
Consulte aqui a íntegra do texto original.
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