Casas e vilas operárias paulistanas
Transcrição de documentos
SÃO PAULO (CIDADE). AHMWL. OBRAS PARTICULARES. CAIXA “RUA LIVRE”, 1909.
ESCRIPTORIO TECHNICO
DO
ENGENHEIRO ARCHITECTO
F. D. RAMOS DE AZEVEDO
São Paulo, de 190
Exmo. Snr. Prefeito Municipal de São Paulo
O abaixo assignado propõe-se a construir no terreno sito á Rua Livre, nos fundos da propriedade do Snr. Dr. Padua Salles, (com o n. 81 para a Avenida Brigadeiro Luiz Antonio), um grupo de casas geminadas, segundo proporções economicas e constituindo um typo que denominará de HABITAÇÃO POPULAR. Este modelo faz parte de uma serie de construcções economicas em projecto, parte das quaes será construida pela Companhia Iniciadora Predial a cuja directoria o signatario tem a honra de pertencer. Vem, pois, submeter á approvação de V. Ex. os desenhos de plantas e fachadas, deste exemplar,os quaes, sendo projectados com dimensões inferiores ás do padrão Municipal, requerem de V. Ex. uma concessão especial, cujo deferimento o signatario pretende justificar nos seguintes termos:
Considera uma necessidade urgente em nossa capital a construcção de typos economicos de casas de moradia que permittam albergar convenientemente a familia de operario, do pequeno funccionario, ou de todos quantos necessitem da casa de diminuto custo e aluguel. Todavia, a base de preços de materiaes e mão de obra actualmente em vigor entre nós, não permitte realisar um volume de construcção correspondente a uma familia normal, por preço assaz modico, em conformidade com as dimensões estipuladas pelo regulamento municipal. Por isso, as tentativas neste sentido se teem limitado com poucas variantes á construcção de casas terreas, typo chamado entre nós de
cortiço, com dois commodos e cosinha, onde, não obstante a fiscalisação official, se accumulam em demasia os moradores.
Julga o requerente que a solução estará, para o typo intermedio da casa economica, na disposição em dois pavimentos, aproveitando para uma dada superficie de terreno a mesma cobertura, com um dispendio minimo de alvenarias de elevação. O modelo estudado, e que tem a honra de submetter á approvação de V. Ex., realisa em parte esse
desideratum, pela seguinte forma:
O 1º pavimento será ao res-do-chão, sobre um embasamento de 30 centimetros, com o solo revestido de cimento ou ladrilhos, e abrangerá as camaras de vida commum: á frente a sala ou officina, junta á [
sic,
por junta, a ] segunda sala para jantar, e ao fundo em corpo annexo a cosinha, o gabinete hygienico e lavadouro; estas peças serão ligadas por corredor independente; uma escada de facil acesso conduzirá ao pavimento alto, onde haverá tres camaras de dormitorio, sendo as duas da frente separadas por divisão de tabique em parte da altura, para dar ao conjuncto maior volume de ar.
A altura será de 3
m30 entre o 1°e 2° pavimentos; no andar será de 2
m40 na fachada e 3
m90 no ponto mais elevado, pois que o fôrro acompanhará internamente a forma do telhado, propositalmente construido para tal fim. Este pavimento terá uma altura media, superior a 3
m15. O volume destes dormitorios, a sua superficie, e sua relação para a area das aberturas de luz e ventilação, estão contidos no quadro seguinte.
Admittir-se-á para comparação das condições hygienicas geraes destas camaras de habitação a tabella estabelecida no decreto do Governo francez de 28 de Julho de 1904, que pretende resumir e resolver o mesmo problema que agora nos ocuppa de forma a satisfazer todas as exigencias hygienicas, economicas e sociaes. Ahi se estabelece que a altura media entre o soalho e fôrro não deverá ser inferior a 2
m40, e que o cubo de ar attribuido a cada habitante deverá ser de 14 metros cubicos, com reducção para 12 m. c. nas camaras apenas occupadas durante a noite. Verificar-se-á que se respeitou a altura minima e que a altura media é em muito superior neste projecto. Egualmente, o cubo de ar dos dormitorios, corresponderá ao necessario para 6 habitantes. As medidas são superiores ás medias europeas, e tambem no que diz respeito a areas de pavimento e sua relação para aberturas de luz, que no caso menos favoravel é ainda inferior á relação 1/8 considerada como justa em varios regulamentos hygienicos. Portanto, tomando algumas destas vantagens para a consideração do nosso especial clima – que o requerente não julga em excepcional contraste com os climas do meio-dia da Europa – a capacidade das camaras de habitação contidas neste projecto satifaz as melhores condições hygienicas, accrescendo a disposição fundamental destas casas, em grupos de duas, isolado no meio do terreno, com tres fachadas sobre as quaes se abrem janellas e portas, em condições satisfactorias de exposição ao sol e ventilação.
Pela inspecção do projecto V. Ex. verificará que não foi descurado o seu aspecto esthetico, e que a construcção está em condições perfeitas de estabilidade, empregando-se materiaes novos, de 1ª qualidade, com acabamento perfeito e com a solidez e sobriedade que se requer nas edificações de modelo economico.
Projeto de casas populares geminadas, concebidas segundo gosto pitoresco. Acima, fachada principal; abaixo, elevação lateral.
Acervo AHMWL
A cobertura será feita com placas sobrepostas de asbestos, e entre este telhado e o fôrro haverá um intervallo que servirá para ventilação e como caixa de ar isoladora.
As janellas das camaras de habitação terão persianas; as paredes internas serão completamente lisas sem angulo ou arestas, e em todos os demais detalhes de construcção serão observadas as disposições da mais simples e rigorosa hygiene.
A situação da habitação popular deverá ser em terreno fora do perimetro central da cidade, em ruas secundarias ou bairros suburbanos, cuja ligação com os centros industriaes e comerciaes, não seja difficil ou dispendiosa.
Com as proporções descriptas e justificadas, julga o signatario que se poderá construir a casa propria á família proletaria, com um certo conforto, e em termos economicos muito animadores. Algumas tentativas já entre nós levadas a effeito denunciam a opportunidade do problema, o qual se impõe em uma cidade cuja progressão de desenvolvimento, para bem nosso, cada vez mais se eleva. E o caracter de nossa população uma maior parte immigrante, apresenta-nos essa razão maxima de bem-estar como meio de fixação da familia, e condição basilar de desenvolvimento. Não só o caso das individualidades ou grupos operarios, mas o funccionalismo menor de limitados proventos, deve ser incluso no problema da habitação economica e popular, com a capacidade para a familia commum. Ahi está egualmente um dos aspectos moraes da questão, não menos importante que o seu ponto de vista de hygiene social; a casa economica e confortavel será um dos elementos para essa modesta felicidade, que se pretende collocar ao alcance de todo o vasto proletariado sobre o qual se fundamenta o progresso das grandes cidades.
O requerente, vem, pois, perante V. Ex. expor estas considerações aos seus sentimentos de justiça e generoso patriotismo, aguardando a approvação da sua tentativa de
Habitação popular, a qual poderá ser considerada a titulo de experiencia, dependente de ulterior exame para um definitivo regulamento municipal sobre este typo de construcções economicas.
São Paulo, 17 de Março de 1909
F. Paula Ramos de Azevedo
Prefeitura Municipal de S. Paulo
Directoria de Obras
Memorandum
São Paulo, 3 de Maio de 1909
Guilherme
Como V. sabe, o Prefeito recusou-se a deferir a petição junta por causa das dimensões dos quartos do 2º pavimento. O Ramos ficou de vir fallar-lhe.
Freire [Vítor da Silva Freire,
diretor de obras, que se
afastaria a seguir deixando
em seu lugar Eugênio
Guilhem, vice-diretor]
Emo. Snr.
Prefeito do Municipio de S. Paulo
Sim, mantida a area de 10 m2 para os quartos mencionados [?]
31-5-909
A. Prado. [despacho
do prefeito, aposto ao
requerimento]
O abaixo assignado, encarregado da construcção de duas casas populares em um bloco, com dois pavimentos, de accordo com os desenhos que tem a honra de submetter á vossa consideração, em o terreno sito na parte alta da Rua Livre, fundos do palacete Dr. Pádua Salles, em alinhamento afastado da via pública, vem rogar-vos digneis conceder-lhe approvação e determinar lhe seja dado o alinhamento para montagem de gradil de fecho sobre uma testada de doze metros.
Pede deferimento
S. Paulo, 12 de Maio de 1909
Francisco de Paula Ramos de Azevedo
Primeira versão do projeto com 3 quartos no piso superior.
O conjunto de casas geminadas é apresentado aqui da seguinte forma: à esquerda, planta do térrreo, e à direita, o pavimento superior
com três quartos.
Acervo AHMWL
Segunda versão do projeto com 2 quartos no piso superior.
O conjunto de casas geminadas é apresentado aqui da seguinte forma: à esquerda, planta do térrreo, e à direita, o pavimento superior
com dois quartos após a eliminação de uma única parede.
Acervo AHMWL
Ao Eng.º Sá Rocha
São Paulo, 24 de Maio de 1909
do Director, Eugenio Guilhem
Sr. Director
Eis um caso interessante e que vem supprimir a lacuna ha muito existente. Em tempos idos – quando a sorte me era menos adversa pretendi construir uma casa no genero ‹‹cottage›› inglez – ou de ‹‹chalet›› como se vê na Suissa e em outros paizes da Europa – mas tive de desistir do proposito em vista das exigencias do mesmo padrão – pela execução do qual tenho hoje que zelar como engenheiro da Prefeitura!!
Apezar, entretanto, do posto que hoje occupo – nunca deixei de bater-me pelas ideias ora apresentadas pelo Sr. Dr. Ramos de Azevedo – e sempre me tenho preocupado com o assumpto, que considero de grande valor – quando por outros motivos não fosse, senão pela contribuição esthetica que vem trazer á cidade.
Effetivamente – comparando a construcção projectada – com as que tem sido e são geralmente construidas – desde logo o contraste se impõe – e facilmente se verifica o quanto taes construcções visão concorrer p. o embellezamento da cidade – em dados quarteirões. Nem é necessario citar o que se dá na Europa – em cidades muito menos importantes que a no[ssa] pois seria isso fazer injuria aos meritos e á competencia tanto do illustre requerente, como do Sr. Prefeito, que ambos conhecem suficientemente a questão –
Eis porque decididamente me ponho ao lado do Dr. Ramos de Azevedo no seu louvavel tentamen, exprimindo os meus sinceros desejos pelo feliz sucesso do mesmo. –
O insucesso de todas as tentativas feitas n’esse sentido – e a que se refere o Dr. Ramos, tem sido devidas, em minha opinião, não só ás disposições draconianas do padrão – como tambem ao systhema e modo de vida das pessoas a quem são destinadas taes habitações, em especial da classe operaria – A educação e os hábitos inveterados e rotineiros da grande massa tem sido em minha opinião o maior estorvo á consecução d’esse louvavel desideratum.
Julgo, pois, acertada a designação de “Habitação Popular” dada pelo Dr. Ramos ao seu projecto – porque me parece que elle visa com mais propriedade – e mais directamente beneficiar a classe muito numerosa de pequenos e medios funccionarios, ou [sic, por de] diferentes poderes do Estado –, dos professores publicos etc. que dispondo de poucos recursos – e sendo obrigados a despezas forçadas de representação, e ainda pela sua educação e instrucção mais elevada –exigem certas condicções de conforto e decencia – que ora lhes faltam, do que propriamente ao operariado, o qual em sua grande generalidade – aqui – ainda não se capacitou da necessidade de certos benefícios relativos ao seu bem estar – devido á sua ignorância e, como disse aos habitos inveterados –
Com o conhecimento que tenho da causa – (o meu serviço é quasi que exclusivamente no bairro mais industrial da cidade – Braz, Mooca , Pary) – posso afirmar o facto de que salvo raras excepções - para allemães e suissos, que em suas respectivas patrias já estavam habituados á noção perfeita do que seja o seu proprio “home” – tudo o mais a esse respeito é simplesmente detestavel.
E quanto ás condicções estheticas da cidade – em especial dos bairros citados – é o que se póde verificar! Estamos, e infelizmente, creio que ainda estaremos muito longe, dos magnificos bairros operarios que podem ser vistos p. e. em Zurich, em Bâle na Suissa – em Mülhausen na Alsacia – para não falar na cidade operaria de Krupp, em Essen, na Allemanha!- Citarei ainda por exemplo uma interessante cidade na Inglaterra “Port Sunlight”1, fundação de um industrial que talvez pudesse ser tomada por modelo –
Todas estas considerações me vem á memória ao examinar o projecto do Dr. Ramos. E com ellas não tenho em vista mostrar erudição – nem mesmo acoroçoamento ao auctor, que d’elle não precisa mas simplesmente manifestar o meu franco apoio á sua iniciativa – .
Passando a tratar dos projectos apresentados farei as seg.es observações
O 1º projecto apresentado mostrava uma disposição c/ 3 commodos no pavimento alto.
O Sr. Prefeito não concordou com tal disposição em vista da pequena area dos commodos.
Em vista do que o Sr. Dr. Ramos apresenta em 2º projecto – com 2 commodos apenas
no pavimento superior – sendo um d’elles bastante grande (area m2 18.85) e outro pequeno (area
m2 9.57). Essa disposição exigiu egualmente um pequeno augmento nos commodos do pavimento baixo –
Talvez assim ficasse sanada a duvida que nutria o Sr. Prefeito relativa ás dimensões dos quartos, – porque me parece, que quanto ao mais – nada haverá que objectar – pois o relatorio é detalhado e justifica as condicções hygienicas e de commodidade da habitação –
Não estou, porem, eu de accordo com a disposição adoptada, e peço a devida venia para expor os motivos que a isso me levam.
Tomando-se como base de qualquer calculo, o typo de familia que chamarei de médio – entre nós – i. é. uma família composta de casal – e 4 filhos (2 filhas e 2 filhos) [creio estar com a verdade e não ser exaggerada esta hypothese] teremos d’ahi a necessidade imperiosa e evidente de 3 dormitorios pelo menos – E, se attendermos ainda aos hábitos de vida das nossas famílias – e ao modo porque são geralmente mobiliadas as casas – podemos concluir que cada um d’esses dormitórios não deverá ter uma superfície inferior a m2 12,0 – (digamos uma area de 3,0 x 4.0) sufficiente para n’ella serem contidos os moveis indispensáveis a cada grupo de 2 pessoas que devem occupar os commodos.
Egualmente e no meu entender – sempre na supposição que as casas se destinam á classe de pessoas que citei – noto a falta de um banheiro e W.C. no pavimento superior, mais ao alcance dos dormitórios – do que um único W. C. em baixo e fora da habitação.
Não me parece, que seja difficil á alta competencia do auctor supperar taes difficuldades – conseguindo a adaptação das commodidades apontadas.
Devo porém observar que tratam-se – como diz o Sr. Dr. Ramos apenas de uma experiencia – apoz a qual se poderão melhor estudar os inconvenientes observados – os typos apresentados satisfazem plenamente as condicções de conforto, decencia e esthetica a que não estamos habituados em nossa cidade –
Nesta condicções é perfeitamente acceitavel a idéia – e com a modificação introduzida creio que o Sr. Prefeito poderá approvar as plantas – conforme pede o Sr. Dr. Ramos de Azevedo – , consedendo-lhe a respectiva licença – mediante condicções que serão opportunamente estabelecidas.
Pela minha parte só posso fazer, como disse, os melhores votos para que o sucesso venha coroar os esforços que ora se fazem – em beneficio das classes menos favorecidas – e do embellezamento da cidade –
E, ao terminar, peço que se relevem as longas considerações que me animei a fazer – com o intuito, aliás, unico, de contribuir, com o meu fraco prestimo, para a realisação de tão nobre fim.
S. Paulo, 27.5.09
José de Sá Rocha
Á Secretaria Geral
As plantas differem do padrão em 2 pontos: altura menor dos pés direitos e espessura das paredes do pavimento terreo.
Não se tracta da applicação da lei n. 498, nem isso é requerido.
Em compensação, os quartos têm a área minima 10 m
2 e os predios – geminados – foram projectados para ser construidos fora do perimetro em que não são toleradas as casas operarias,
E recebem ar e luz de todos os lados; são grupos isolados.
Do momento que o requerente satisfez a exigencia do Sr. Prefeito, quanto ao minimo da área dos quartos –
10 m
2, a planta póde ser approvada, mas segundo penso, a titulo de simples experiencia. Ver officio anexo.
S. Paulo, 27 de 5 de 1909
O Director, Eugenio Guilhem
Sr. Director
Em virtude do despacho do S
r. Prefeito – dou a seguir as notas:
Área: m
2 50,00
Taxa (600) R 30$ 000
sem sobretaxa – para cada casa –
sendo 2 – alinhamento para muro –
em ambas as casas – no perimetro –
pelas construcções ou muros existentes
mantida a largura da rua –
m.l. 12,00-
S. Paulo 4.6.09
José de Sá Rocha –
Nota: Do alvará deve constar
que as casas devem ser affastadas
5,0m pelo menos do allinhamento
Lavre-se alvará de accordo
São Paulo, 4 de 6 de 1909
do Director, Eugenio Guilhem
[
Segue ofício anexo mencionado na informação do diretor de Obras Eugênio Guilhem datada do dia 27 de maio de 1909, acima transcrita]
Prefeitura Municipal
Directoria de Obras
S. Paulo 25 de Maio de 1909
Sobre um typo de
Casa Popular
S
r. Prefeito,
Sobre a approvação do typo de “Casa Popular” apresentado pelo D
r. Ramos de Azevedo,
informou-me o D
r. Freire, antes de partir, que V
a. Ex
cia toleraria as divergencias notadas entre as plantas e o padrão, do momento que cada quarto tivesse a área minima de 10 m
2.
Nesse sentido, o Dr. Ramos modificou as plantas annexas e acceita a mesma alteração para o projecto a executar na rua da Barra Funda.
Cabem aqui algumas considerações: Em dous pontos, que não são, de todo, essenciaes, há desaccordo entre o padrão e essas plantas: os pés direitos foram reduzidos a 3
m50 e 3
m, 10, e a espessura dos muros externos do pavimento terreo a 0
m,30.
Em relação á diminuição da espessura exigida pelo padrão, do momento que a construcção fôr bem executada, como ha de ser no caso, tractando-se do requerente, não vejo motivo, ordem technica, para se negar a tolerancia solicitada, tanto mais quanto é certo que, desde muito, a Prefeitura admitte tolerancias de mesmo caracter para as dependencias dos predios, taes como puxados, banheiros, cosinhas, etc, reduzindo a 0
m,15 a exigencia quanto á espessura das paredes externas.
Á principio, a reducção dos pés direitos parece mais seria, mas a impugnação não resiste á analyse,
se constatamos que os factores hygienicos – luz e cubo de ar – não são modificados, devido ao augmento,
té 10
m2, da área minima – 7
m2,50ª – prevista pela lei, e á adopção, para as aberturas, das dimensões communs das portas e janellas.
A tentativa do requerente, creando um typo de casa popular, barata, bem executada, estheticamente projectada, prestando-se á aluguel baixo, merece ser tomada em consideração, por ser primeiro passo pratico, dado á solução do problema da habitação destinada ás classes medias da nossa sociedade – funccionarios, empregados, etc.
Nesse sentido, penso que a Prefeitura deve admittir as tolerancias de espessura e pés direitos solicitadas, sem as quaes o problema será insoluvel, se tiver de attender as determinações exageradas do padrão.
Convem, porém, reservar o futuro e não crear precedentes perigosos que, inutilisando as exigencias da lei dêm lugar a abusos difficeis de evitar; a autorização, –para os 2 grupos – poderia ser dada a titulo de experiencia, sem crear precedente que pudesse ser invocado para a approvação de futuras plantas, estudadas sob o mesmo ponto de vista, pois que á Prefeitura não assiste competencia para modificar, em regra geral, as exigencias do padrão, embóra se reconheça o exagero das disposições deste.
Ao requerente caberá, então, dirigir-se á Camara, a qual, bem esclarecida sobre o assumpto, modificará as disposições draconianas do padrão por uma lei, cuja regulamentação será feita pelo poder competente.
Eugenio Guilhem
À 1ª secção para dizer, á
vista das disposições legaes
em vigor – em 25 – 5 – 1909
Diz a Directoria de Obras que, em dous pontos ha desaccordo entre o padrão e as plantas apresentadas:
os pés direitos foram reduzidos a 3
m.30 e 3
m.10 e a espessura dos muros externos
do pavimento terreo a 0
m.30. O padrão exige a altura é verdade que na grande maioria dos
casos taes alturas não são observadas, sendo que a Directoria de Obras tolera a altura até de
4
m.20 e 3
m.60 para os puchados. No caso, presente, porém, differença é muito grande – apenas 3.30 no 1º pavimento e 3.10 no 2º. Acho que a tolerancia a tal ponto não deve haver. Quanto á espessura dos muros, o padrão exige 0.45 para o 1º pavimento e 0.30 para o segundo. Concordo, entretanto, com a Directoria de Obras em que se tolere a espessura contida na planta não só porque a altura dos pavimentos será muito inferior ao estabelecido, como tambem porque a construcção será feita com a maior solidez possivel.
31-5-09
A.Prado
[despacho do prefeito, baseado na documentação retrotranscrita]
Ao [
sic, por Do] Sr. Prefeito.
31-5-09
Alvaro Cintra
Ao Engo. Sá Rocha para
as notas.
São Paulo, 2 de 6 de 1909
Do Director Eugenio Guilhem
As notas na ultima
folha do requerimento 2
[
Segue-se minuta de lei inacabada sobre padrão de casas populares, sem dúvida cogitada pelas considerações levantadas por Ramos de Azevedo acerca da legislação paulistana então vigente sobre casas populares. Minuta, cujo teor não foi transcrito aqui.]
Notas:
- Port Sunlight é uma vila operária inglesa, situada nas proximidades de Liverpool, Inglaterra, construída como comunidade modelo, em 1888, pelo 1º Visconde de Leverhulme, dono da fábrica de sabões Lever Brothers. Projetada inicialmente pelo arquiteto William Owen (1846-1910), em estilo vernacular altamente pitoresco, foi depois expandida em 1910, conforme projeto de Ernest Prestwich (1889-1977). William Hesketh Lever (1851-1925), industrial saído da classe média inglesa, tornou-se grande entusiasta da arquitetura, sendo considerado o maior construtor da Inglaterra do período eduardiano. Em sua extraordinária vila operária empregou mais de 30 arquitetos ingleses, entre profissionais locais e grandes nomes internacionais, como Sir Edwin Lutyens (1869-1944), criador de Nova Delhi. Para saber mais sobre Port Sunlight, a mais excepcional vila operária jamais criada, ver : http://www.portsunlight.org.uk/ Também muito digna de nota é Margarthenhöhe, inspirada nas cidades-jardim inglesas e erguida , entre 1909 e 1934/38, em Essen, Alemanha, pela famosa família Krupp, produtora de aço, armas e munições, segundo projeto do arquiteto
Georg Metzendorf (1874-1934). Destruída durante a Segunda Guerra Mundial, a original e atraente
cidadezinha foi depois inteiramente reconstruída, achando-se salvaguardada desde 1987. Consulte-se a
esse respeito, por exemplo: http://www.margarethe-krupp-stiftung.de
Volta
- Ver notas apostas no ofício do diretor de Obras dirigido ao prefeito e datado de 27 de maio de 1909, retrotranscrito.
Volta
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Para citação adote:
CAMPOS, Eudes. Casas e vilas operárias paulistanas.
INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL, 4 (19): jul/ago.2008 <http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>