São Paulo – das Intendências à Prefeitura
A constituição dos projetos de cidade pelo viés da saúde e higiene (1890-1911)
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Ao rememorar uma conversa caseira sobre a "São Paulo antiga", o autor Jorge Americano nos mostra as impressões
relatadas por seus familiares acerca da chegada da família à cidade provinciana:
— Veja. O Dicionário de Bouillet diz que em 1840 [São Paulo] tinha 20 mil habitantes segundo uns
e 40 mil segundo outros. Quando nós viemos de Pindamonhangaba para cá em 1880 eu tinha 15 anos.
São Paulo era muito maior que Pindamonhangaba, mas era horrível (...) A Ladeira de São João chamava Ladeira do Acu,
e descia dando no alagadiço do Anhangabaú. Lá na outra ponta da rua São José estava a chácara da Baronesa de
Itapetininga, e atrás ficava, em baixo, o alagadiço do Anhangabaú, com agriões. Mais adiante tinha o Piques,
com o obelisco da Memória, e daí saia uma estrada lamacenta, onde era a chácara do Barão de Ramalho,
na rua da Consolação, pegada à antiga igreja (...) Como era feio São Paulo ! (...) Como tudo isto progrediu”
.
Não era de se estranhar que uma família da elite paulista olhasse para o passado com desagrado frente ao presente,
afinal, a capital paulista dos anos de 1890 (período em que se passa o episódio relatado por Americano) se
mostrava extremamente distinta da pequena São Paulo das décadas de 1840 a 1870, com pouco mais de 20 mil habitantes.
Movimentada pela expansão da economia cafeeira a “(...) cidade recebeu [em pouco tempo] incrementos urbanos e
circulação de riquezas” tornando-se um importante polo comercial, bancário, industrial
e também científico e cultural. A imigração em massa desencadeada pelo café e a chegada de migrantes (negros recém-libertos
e pessoas vindas do campo) proporcionaram um grande aumento populacional, chegando a cidade a ter por volta de 250 mil
habitantes no ano de 1900.
A vinda de novos contingentes populacionais trouxe para São Paulo grupos sociais com situações financeiras
distintas, ideias, expressões culturais e crenças diversificadas; pessoas, as mais diversas possíveis, que
definiam em seu exercício cotidiano o uso e ocupação do espaço urbano.
No entanto, com a população também chegavam as enfermidades “que desorganizavam o trabalho,
desestruturavam o surto imigratório, dificultavam o intercâmbio comercial e inibiam investimentos
internacionais”.
De acordo com os relatórios dos presidentes da província — e posteriormente dos governadores — o Estado de São Paulo
se encontrava em situação delicada nos últimos anos do século XIX por conta das epidemias de febre amarela que
se alastravam pelo interior a dentro. Em períodos anteriores, moléstias contagiosas como a varíola, febre tifoide
e cólera haviam sido responsáveis por um grande número de mortes.
Diante deste quadro, coube ao poder público tomar uma série de medidas administrativas visando enfrentar o problema no
âmbito estadual e municipal. Conforme preconizava a Constituição Republicana de 1891:
(...) tudo que não fosse atribuição específica da União deveria cair na esfera de ação dos governos estaduais.
Os serviços terrestres de saúde pública enquadravam-se nessa forma constitucional. [Assim sendo], o governo do Estado
teve necessidade de implantar imediatamente seus serviços de saúde pública. A Lei nº 120, de 28 de outubro de 1891,
criou a Inspetoria Geral de Higiene do Estado, aparelhada para o saneamento do meio, fiscalização profissional
e combate às doenças transmissíveis.
Paralelamente às ações perpetradas pelo Estado, a capital paulista — administrada pelo Conselho de
Intendências — buscava constituir e desenvolver serviços voltados para atender as necessidades de saúde
pública da urbe em pleno desenvolvimento.
É no interior deste cenário que cuidaremos de analisar as ações perpetradas pela municipalidade paulistana
no que tange ao desenvolvimento e implantação dos órgãos e instituições de saúde e higiene em São Paulo
entre fins do XIX e a primeira década do século XX. Para tanto, focalizaremos os projetos institucionais de
cidade idealizados para a capital paulista em dois momentos: na administração Camerária sob a gestão das
Intendências e no nascimento da Prefeitura Municipal, buscando evidenciar os embates, conflitos e negociações
surgidos a partir das estratégias de intervenção social gestadas pelos grupos que se encontravam na cumeeira
do poder administrativo.
Continua >
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Para citação adote:
MAESTRINI, Karla. São Paulo – das Intendências à Prefeitura:
a constituição dos projetos de cidade pelo viés da saúde e higiene (1890-1911).
INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO, 8 (34): nov.2013
<http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>
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