São Paulo – das Intendências à Prefeitura
A constituição dos projetos de cidade pelo viés da saúde e higiene (1890-1911)
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São Paulo sob a administração de Antonio da Silva Prado:
um prefeito e um projeto de cidade
São Paulo, quem te viu quem te vê! (...) Está V. Ex. completamente transformada, com proporções agigantadas, possuindo opulentos e lindíssimos prédios,
praças vastas e arborizadas, ruas todas caladas, percorridas por centenas de pessoas... belas avenidas, como a denominada Paulista, encantadores
arrabaldes como os Campos Elíseos, Luz, Santa Cecília, Santa Ifigênia, Higienópolis e Consolação, com uma população alegre e animada,
comércio ativíssimo; luxuosos estabelecimentos bancários, centenas de casas de negócio e as locomotivas soltando sibilos progressistas,
diminuindo as distâncias e estreitando em fraternal amplexo as povoações do interior.
É com o tom de deslumbramento e aprovação dos sinais de progresso apresentados pela pauliceia que o jornalista carioca Alfredo Moreira Pinto relata suas
impressões acerca da cidade. Tal qual outros escritores e memorialistas que passaram por São Paulo no limiar do século XIX para o XX, os progressos
materiais da cidade e suas transformações urbanísticas eram traços fundamentais a serem evocados na construção de suas representações.
Conforme aponta a historiadora Margareth Rago, esses relatos buscavam construir uma representação harmoniosa da cidade “apagando de suas
descrições os traços de conflito e repressão, apegava-se a uma percepção unilateral da cidade, construída como cartão postal, diferindo radicalmente
dos registros dos jornais operários ou dos relatórios policiais, em que se alardeavam os altos custos do
progresso”.
Em 1899 a administração da cidade sai exclusivamente das mãos das Intendências Municipais indo para a recém-criada
Prefeitura.
Administrada por “um único vereador, sob a denominação de prefeito municipal”, a prefeitura se constituiu numa entidade composta por uma Secretaria Geral à qual se
subordinavam três repartições (Obras, Justiça e Polícia e Higiene) e o Tesouro Municipal. Em tese, a estrutura administrativa mantida foi a mesma das antigas intendências.
O primeiro prefeito de São Paulo foi o conselheiro Antonio da Silva Prado.
Eleito pelos seus pares, Prado buscou dar continuidade
às ações perpetradas por seus antecessores, tendo como objetivo central de sua gestão tornar a cidade um espaço urbano moderno com "ares parisienses".
Para tanto, suas ações voltam-se para atender as demandas e expectativas da burguesia cafeeira “que vinha de um
recente passado escravocrata [e precisava se livrar desse estigma posando de] civilizada e liberal”.
De fato, Antonio Prado dava continuidade à administração dos intendentes na exclusão das classes pobres, objetivando um projeto de cidade
voltado para as classes dominantes pautado no modelo europeu de desenvolvimento moderno. No entanto, além das continuidades haviam as rupturas:
no que concerne aos serviços de saúde municipais, Prado operou uma mudança significativa nessa área ao abrir mão dos médicos
que trabalhavam na antiga Intendência de Polícia e Higiene.
No importante serviço da higiene local, a ação do poder executivo opera-se conjuntamente com a Diretoria do Serviço Sanitário, tendo até
hoje presidido às respectivas relações a mais completa harmonia de vistas. A experiência vai demonstrando o acerto da providência
que adotei ao iniciar a minha administração, dispensando os médicos com exercício na antiga Intendência de Polícia e
Higiene. Passaram as suas funções a ser desempenhadas pela Repartição estadual, cujo auxilio, quando solicitei, me foi prontamente oferecido,
reservando-se outras, de natureza secundária, aos agentes fiscais da municipalidade.
Assim sendo, a Seção de Polícia e Higiene teve suas atribuições reduzidas em relação as funções delegadas anteriormente à antiga Intendência
transformando o serviço de saúde e higiene em um órgão meramente de fiscalização policialesca. A retirada dos médicos da instituição significou a
saída da medicina científica do âmbito do desenvolvimento de um aparato municipal que se voltasse
para a criação e desenvolvimento de espaços de estudo e aplicação do saber médico científico. Essas ações ficaram confiadas somente ao Serviço
Sanitário Estadual aumentando assim, a subordinação do município a esfera estadual de poder.
Não podemos esquecer que o desenvolvimento de laboratórios de análises, centros de pesquisa e demais aparatos médicos não
impediria que as ações de fiscalização da higiene pública fossem feitas de forma autoritária, policialesca, afinal, o saber médico também busca
interferir de forma autoritária no espaço e nos indivíduos utilizando como justificativa para tal o discurso competente
conferido aos representantes das ciências modernas.
Apesar de conseguirmos apreender as propostas e as visões de mundo que norteiam os projetos de cidade vislumbrados por Antonio
Prado e seus antecessores, os relatórios de intendente/prefeito nos trazem somente a voz uníssona de um sujeito que não deixa transparecer
as diferentes São Paulo contidas em uma só, apenas a São Paulo que ele enxerga e projeta para o futuro.
Nesse sentido a fala da historiadora Déa Fenelon é importantíssima para “reafirmarmos a ideia de que a cidade nunca deve surgir
apenas como um conceito urbanístico ou político, e por isso representa e constitui muito mais que o simples espaço de manipulação do
poder...”. A cidade não é somente um espaço de dominação política, é também lugar de resistência. É preciso construir
estratégias cotidianas para sobreviver nesse espaço marcado por disputas, tensões e muitas vezes, conciliações.
Se vimos que as relações forjadas dentro de uma mesma elite administrativa no município era conflituosa, tão ou mais conflituosa
e tensa era a relação desses órgãos com a população paulistana. Apesar de excluídas das políticas públicas de embelezamento e ocupação
das áreas centrais de São Paulo, a população pobre encontrava meios de resistir às imposições advindas da legislação sanitária
e urbanística e de queixar-se contra as ações arbitrárias e “descasos” do poder público. Porém isso é tema para outro artigo,
afinal, não será em poucas linhas que conseguiremos expor toda a complexidade contida neste assunto. Por isso, caros leitores,
vocês terão de esperar até que cenas do próximo capítulo sejam reveladas!
Karla Maestrini
historiadora
Continua >
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Para citação adote:
MAESTRINI, Karla. São Paulo – das Intendências à Prefeitura:
a constituição dos projetos de cidade pelo viés da saúde e higiene (1890-1911).
INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO, 8 (34): nov.2013
<http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>
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