PMSP/SMC
São Paulo, dezembro de 2014
Ano 10 N.37 

Abertura | Acervo Bibliográfico | Ensaio temático | Mosaico 1:1.000 e 1:5.000 | Notícias | Ns.anteriores

  • ENSAIO TEMÁTICO
  • S.A.R.A. Brasil:
    restituindo o Mapa Topográfico do Município de São Paulo


    breve história da aerofotogrametria nas cidades do Rio e São Paulo na década de 1920






    Preparando terreno: a constituição da empresa S.A.R.A. Brasil

    Vencida a concorrência para execução do levantamento topográfico do município de São Paulo, em outubro de 1928, surgem na cidade as primeiras ações da empresa escolhida. Evento no Circolo Italiano, na Rua São Luiz, no dia 20 de novembro, às 20h30, sob os auspícios do cônsul geral Serafin Mazzolini, parece ter a função de divulgar a empreitada. O objetivo ficará claro de imediato: constituir a empresa societária para realização do projeto.

    O engenheiro Lourenço Traldy apresenta então a conferência A aerofotogrametria com o sistema Nistri182. Notas na imprensa anunciam o evento183. Na expectativa, frustrada, da presença do prefeito Pires do Rio, o encontro começa com atraso de uma hora. Além de Traldy, representando a empresa, acompanham a leitura os irmãos Robba, apresentados como aviadores aqui residentes que tomarão parte nos trabalhos.
    Traldy apresenta em 90 minutos, com o auxílio de projeções, as vantagens do método Nistri destacando a precisão técnica e a redução de custos. O palestrante apresenta ao final estudos sobre levantamentos para a prefeitura de Milão comentado as margens de erros médios através do sistema “automático” de restituição aerofotogramétrica.
    Nos dias seguintes a recepção na imprensa reflete antes de tudo o engajamento político dos jornais. Se o Correio Paulistano traça um quadro mais neutro, talvez reflexo de sua proximidade com os quadros no poder, o Diário Nacional é contundente em sua chamada: “Prefeitura e fascismo”. A reunião alcança de qualquer forma sua finalidade: lançar as bases para a formação de sociedade anônima destinada a elaborar os serviços aerofotogramétricos.
    A outorga do serviço à empresa, vista como fascista, e um evento de apresentação certamente instrumentalizado pelo corpo consular, além dos reflexos do calor da hora, retomam uma questão discutida, como vimos, desde 1919. O controle previsto em lei federal de 1925 não parece suficiente para muitos187.
    Os aspectos técnicos da conferência podem ser recuperados oportunamente através da transcrição resumida publicada, em duas partes, no Boletim do Instituto de Engenharia, quase três meses depois189. O confronto com as provas técnicas apresentadas como exigência do edital completam esse primeiro panorama técnico sobre o processo.

    Traldy faz o retrospecto da evolução técnica da fotogrametria e sua associação à aviação. Introduz breve quadros histórico e conceitual ao comentar etapas do processo produtivo. Primeiro, a transposição do registro fotográfico em projeção cônica para a projeção ortogonal. Segundo, a determinação dos pontos de vistas de cada tomada e os processos empregados para restituição e produção cartográfica. Aos métodos analíticos para processamento das séries fotográficas surgem como alternativa processos ditos automáticos que farão uso de equipamentos complexos como o fotocartógrafo Nistri. Na segunda parte da apresentação, Traldy confronta o processo aerotogramétrico frente ao terrestre quanto a limites técnicos relativos a grau de precisão, considerando aspectos como a nitidez da imagem, em função da granulatura dos filmes fotográficos etc.

    O resumo da palestra de Traldy não é, contudo, claro ao leigo. Ao longo dos comentários sobre o processo de produção do contrato em questão, usaremos outras fontes para caraterizar as fases de trabalho190. A parte final da apresentação merece atenção pois faz menção aos trabalhos já realizados com o sistema. Traldy enfoca a produção de pequeno levantamento para a municipalidade de Milão, cobrindo área de 1.000 hectares, na escala de 1:2.000. São analisadas, agora em termos efetivos, as margens de erro planialtimétrico durante a operação.

    É oportuno comentar, a partir desta referência, as provas técnicas apresentadas pelo proponente conforme exigência do edital em questão191. Em 25 de setembro de 1928, o embaixador brasileiro em Roma, Oscar de Teffé, remete ao prefeito Pires do Rio os documentos entregues pela S.A.R.A. O conjunto remanescente foi reunido na pasta com “documentos que acompanham a proposta”, incorporada ao processo 62.351/28192.

    O conjunto apresenta 26 registros entre fotos aéreas, em dois formatos — 14 x 19 e 22,5 x 28,5 cm aproximadamente —, e pranchas cartográficas. Nem sempre identificados, nunca datados, e visivelmente desordenados, apesar da paginação do processo que parece posterior, ainda assim é possível identificar alguns serviços apresentados através desses documentos. Entre eles, levantamentos para as comunas de Milão e Cerveteri, e a região administrativa de Roma, podendo-se identificar aqui seu trecho litorâneo - Ostia, o “lago de Trajano”, porto construído por aquele imperador no século II, com sua excepcional configuração hexagonal etc).

    Os mapas, em número de nove193, todos produzidos através do método Nistri, empregando o fotocartógrafo Nistri, aspecto devidamente identificado, não datados, porém, são relativos a:
    • Governatorato di Roma – Ripartizione Vº – Ostia Fiumicino – escala 1:1.000 (2 pranchas), Ostia Scavi – escala: 1:1.000, [Monte Sacro] – escala 1:1.000
    • Comune di Cerveteri – Plano topografico di Cerveteri – escala 1:2.000
    • Comune di Monterotondo – Tenuta Tor Macina – escala 1:2.000 (duas pranchas similares)
    • Comune di San Polo de Cavalieri – escala 1:6.250
    • Grabels ([França]) – escala 1:5.000
    AHSP-Processo 62.351/28-provas comprobatórias-Cerveteri

    Foto aérea vertical da Comune di Cerveteri, Itália, sem data.
    Processo 62.351/28

    Acervo AHSP

    O conjunto de trabalhos enviado chama a atenção de imediato por corresponder a coberturas de pequena extensão — 1,9 a 2,64 km2, nos casos em que foi possível determinar esse aspecto —, relativas a áreas urbanas de baixa densidade e, às vezes, em transição para zona rural. São aparentemente serviços pontuais, apresentados em pranchas com dimensões entre 100 x 70 a 50 x 50 cm. Por outro lado, a qualidade de impressão é uniforme, com exemplares de até 4 cores, respeitada a sinalética cartográfica, em sua maior parte nas escalas 1:1.000 e 1:2.000, destacando assim a qualidade do método Nistri nestes parâmetros194.

    As fotos aéreas que acompanham os mapas parecem hoje corresponder a um conjunto menor que o originalmente enviado. Não existem fotocartas (mosaicos) entre elas, apenas uma sequência de imagens, hoje incompleta, relativa ao levantamento de Ostia Fiumicino (Roma). Aqui percebe-se a intenção de encaminhar provas diretas, retificadas provavelmente, das tomadas aéreas (14 x 19 cm) e as ampliações correspondentes (22,5 x 28,5 cm), na mesma escala da cartografia impressa apresentada, orientação que aparece em parte nos demais conjuntos. É possível assim avaliar o resultado frente ao grau de ampliação de imagem adotado (2 a 5 vezes aproximadamente) em diferentes situações, como terrenos planos, morros, regiões edificadas ou áreas não ocupadas.

    AHSP-Processo 62.351/28-provas comprobatórias-Cerveteri

    Piano topografico di Cerveteri, Itália, sem data.
    Província de Roma, escala 1:2.000.

    Levantamento realizado com o fotocartógrafo Nistri
    para o Ufficio del Nuovo Catasto Italiano.
    Processo 62.351/28

    Acervo AHSP

    Carta enviada de Milão, em setembro de 1928, assinada provavelmente por Amedeo Nistri, inclusa no mesmo processo, à folha 32, encaminha os atestados comprobatórios195. Amedeo recomenda, mais uma vez, o método da empresa, que atenderá as tolerâncias indicadas no edital com larga margem, obedecida contudo a exigência que o método de triangulação utilize uma média de um ponto a cada 2 km2 de cobertura196. Dos atestados, que não são relacionados em nenhum momento, destacam-se197:
    • Governatorato di Roma, datado de 6 de fevereiro de 1928, assinado pelo engenheiro-chefe do “Uffico II – Strade”, indicando que as folhas de levantamento da Via Ostiense e do Quartiere Monte Sacro foram designadas à empresa S.A.R.A., e

    • Istituto Sperimentale Zootecnico di Roma, datado de 23 de fevereiro de 1928, assinado pelo diretor D. Maymone, o qual exalta a rapidez e precisão do método, aplicado no levantamento de Tor Macina.

    Se a conferência de Lourenço Traldy é a primeira ação para organização da empresa local que executaria o serviço concedido em concorrência à italiana S.A.R.A, representada por J. & H. Robba, serão necessários seis meses para efetivar sua constituição. Apenas no ano seguinte, em 26 de abril de 1929, reunem-se em assembleia os cotistas, após encontro preparatório no início do mês, no dia 3198.

    A proposta da empresa italiana, assinada por Umberto Nistri, é apresentada: constituição de sociedade com prazo de 3 anos, com capital de 1.200.000$000 (mil e duzentos contos de réis), em 2.400 ações de 500$000, sendo 50% do mesmo relativo à participação da proponente. Em 31 de dezembro de 1930, como consta do estatuto, a sociedade constituída deveria responder por sua continuidade ou dissolução.

    Participam da reunião, além de João e Henrique Robba, e Adolpho Calliera, pela SARA, nomes conhecidos entre grandes investidores de São Paulo e do Rio de Janeiro como o Conde Alexandre Siciliano, representantes da Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo – IRFM, o Conde Egydio Pinotti Gamba, os Comendadores Braz Altieri e Giovanni Ugliengo, e Carlos Whately, Eduardo Ohareck, Getulio de Paula Santos, Henrique Pezzini e Vicente Santalucia. Aceita a proposta, é definida a diretoria e conselho fiscal.

    Ganha forma jurídica a S.A.R.A. BRASIL S.A. – Instituto Brasileiro de Levantamento Aerophotogrammetrico 'Metodo Nistri', com sede à Rua Tenente Octávio Gomes nº 5 (hoje, 199), na Aclimação. Os estatutos são publicados junto com a ata da assembleia, bem como a lista de 25 subscritores. Nove deles correspondem a cota de 100 ações: Cotonifício Rodolfo Crespi, IRFM, os Condes Alexandre Siciliano e Egydio Pinotti Gamba, Antonio Tognoli, Florenço Dellarole, Getulio de Paula Santos, Luiz Prada e Vicente Santalucia. A Guinle Irmãos, firma carioca, responde por 60 ações. Com lotes de 40, surgem Adolpho Galliera, J. & H. Robba, Comendador Giovanni Ugliengo e Mario Whately. As demais 80 ações se distribuem entre 11 participantes, cinco deles com uma cada.

    A Prefeitura de São Paulo é informada por carta de primeiro de junho de 1929199 da constituição da empresa e seu registro. O texto indica que a empresa romana integra o quadro de sócios da nova companhia e cede “seus direitos e obrigações atinentes ao aludido contrato, cujo cumprimento passou a cargo da nova Sociedade, ficando, porém, a S.A.R.A. de Roma, incumbida e responsável da respectiva execução técnica”. A diretoria é apresentada nessa comunicação:

  • presidente
  • Conde Alexandre Siciliano
  • diretor geral
  • Adolpho Calliera
  • diretores
  • Eng. Humberto Nistri, Dr. Mario Whately e Dr. Arnaldo Guinle

    AHSP-Processo 34.061/29-f.1-diretoria SARA Brasil

    Comunicado da S.A.R.A. Brasil à Prefeitura,
    em 1 de junho de 1929, informa sobre a diretoria eleita.
    Processo 34.061/29, f.1.

    Acervo AHSP

    A transferência de contrato, não prevista no edital, gera conflito, em especial por não ter sido consultada a municipalidade. A orientação do Comissão Jurídica do Patrimônio, da Prefeitura de São Paulo, é acatada por Pires do Rio: “A SARA BRASIL S.A. poderia ser admitida, nesse negócio, como mera procuradora ou representante da contratante do serviço, mediante, porém, a habilitação legal. (...) continuando a S.A.R.A. de Roma, com única contratante do serviço, e única responsável por todas as obrigações constantes do contrato celebrado em 14 de Novembro do ano passado.”200

    Ainda em 1929, há alteração da diretoria, com mudança do estatuto que indica a participação agora em sua constituição de 6 membros, eleitos em assembleia geral, com mandato anual. Na assembleia, realizada em 25 de outubro de 1929, na sede da empresa na capital, Galliera, diretor geral, a quem compete a assinatura de todos os compromissos e os contatos comerciais, pede demissão, sendo indicado Luiz Giobbi201, por unanimidade202.


    S.A.R.A. Brasil: início das operações em campo

    Nada indica que a empresa vencedora deu início ao serviço no dia 14 de dezembro de 1928, conforme estabelece o contrato. A municipalidade, no entanto, dá andamento a sua parte na implantação das referências de nível. Conforme a cláusula 11 do contrato assinado, as referência serão implantadas e custeadas pela Prefeitura. São compostas por “um varão de bronze mergulhado em concreto e protegido por uma caixa de ferro fundido”, espaçadas de 3 km no perímetro suburbano e de 6 km nas estradas de rodagem fora daquela área. Sua distribuição estaria referenciada a cotas da Comissão Geográfica e Geológica localizadas na Várzea do Carmo, Campo de Marte e Ipiranga203.

    Em março de 1929, o prefeito autoriza as despesas — 4:344$000 — relativas à implantação dos marcos de nivelamento. Agenor Machado, pela Diretoria de Obras apresenta orçamentos para 104 caixas de ferro e igual número de varões, “iguais às fornecidas para a Comissão Geográfica e Geológica”204.

    A imprensa indica a presença de Umberto Nistri em São Paulo, ao registrar sua visita ao gabinete do Prefeito Pires do Rio, em 8 de março. No encontro é acompanhado pelo engenheiro geógrafo Saverio Spagnoli, do Instituto Geográfico de Roma205. Comenta-se, na mesma fonte, a compra, pelo governo britânico, dos direitos do sistema Nistri para uso nos levantamentos das suas colônias.

    Umberto, quase certo, deve ter chegado à cidade há pouco. E a visita ao prefeito seria gesto imediato, ainda mais com a visita que o acompanha. O resto do tempo deve ter sido ocupado estabelecedo as condições operacionais da empreitada, em especial o contato com os técnicos da prefeitura, os engenheiros de fiscalização e os Robba, responsáveis pelo serviços de voo, presumivelmente. Não há porém qualquer registro, até o momento, sobre essa fase de operações.

    No dia 22 de março, o Instituto de Engenharia, em sua sede à Rua Cristovão Colombo, junto ao Largo São Francisco, recebe os convidados, a partir das 21 horas, para conferência de Umberto Nistri206. Apresentado como antigo oficial italiano, várias vezes condecorado na Grande Guerra, Umberto exibe projeções de fotos aéreas de cidades italianas e comenta o processo de produção207.

    O evento conta com a presença, como destaca a imprensa, do prefeito José Pires do Rio, do cônsul Cav. Serafini Mazzolim, e do vice-cônsul, e de Arthur Saboya, diretor de “Obras Públicas”. A abertura é feita por Luiz de Anhaia Mello, presidente do Instituto de Engenharia, que destaca a necessidade do levantamento topográfico do município como uma das condições para realização dos planos de ordenação urbana208.

    A estadia de Nistri pode ter se estendido até 3 de abril, quando houve assembleia preparatória para constituição da S.A.R.A. Brasil, mas a reunião para sua constituição em 26 de abril não conta com sua participação, conforme ata publicada. No dia 25 de março, está em Santos, quando a comissão técnica do Aero Civil, da qual faz parte Georges Corbisier, delegado do Aero Club Brasileiro, entrega o brevet a João Costa. Umberto, “engenheiro diretor da Cia Nistri”, comparece ao banquete oferecido por Costa, após a cerimônia, no Hotel Internacional209.


    Em termos práticos, quais foram as operações supervisionadas por Umberto nessa estada? A rede de nivelação devia estar em fase inicial de sua revisão e ampliação pela prefeitura. Isso demandaria uma mão de obra especializada e equipe de apoio. Restava assim treinar os Robba na captura de imagens e estabelecer a equipe para processamentos dos negativos, checagem das imagens e refatura eventual.

    Na falta de fontes, uma alternativa seria avaliar o que se sabe sobre as preparações iniciais na empreitada carioca assumida pela The Aircraft Operating um ano antes. O relato do coordenador Carl Oelsner (1934, p.317)210, que constitui relato precioso, dá uma ideia das proporções da fase preparatória. Resta perguntar se elas se aplicariam ao caso paulistano.
    A equipe relacionada por Oeslner totaliza 145 participantes no Brasil! Note, porém, que o grupo de aviação envolve apenas 6 pessoas, sendo 2 pilotos e 2 mecânicos e o laboratório, 5 membros. Se parte da rede de nivelamento pode ter contado com a participação direta da Prefeitura, como a cláusula 11ª do contrato permite supor, qual seria o número de empregados, entre técnicos e auxiliares para as demais operações de levantamento terrestre e reambulação, além do núcleo de coordenação e administração?

    A ausência de informações sobre os primeiros passos da S.A.R.A. Brasil parece atingir os contemporâneos da empreitada paulistana. Em maio de 1929, artigo em publicação técnica, a Revista de Engenharia, editada pelo Centro Acadêmico da Escola de Engenharia Mackenzie, é ocorrência rara213. Apresentado como notas sobre o levantamento aerofotogramétrico em andamento, seu autor o engenheiro Mario Miglioretti, tradutor da conferência de Traldy já mencionada, faz um balanço da empreitada.

    O articulista, porém, não sabe mais do que a leitura do edital pode informar. Assim, como fornecedor dos equipamentos da Salmoraghi, comercializados pela La Filotecnica, com representação em São Paulo214, resta a ele comentar os equipamentos necessários a cada etapa, e as características e parâmetros estabelecidas para cada item, como basímetros, teodolitos, lunetas etc.

    Uma hipótese deve ser levantada nesse momento, considerando o atraso no início das operações, que logo se anunciam. Ela diz respeito sobre a capacidade da S.A.R.A. atender a essa empreitada, tanto pelas dimensões da área coberta como pela necessidade de estabelecer bases no exterior. Com a constituição tardia da “filial” brasileira, em abril de 1929, fato comunicado à prefeitura um mês depois como mencionado, o prazo contratual ia se esgarçando.

    Uma primeira cronologia permitirá supor que os trabalhos de campo só têm início no segundo semestre. Carta de Umberto Nistri a Anhaia Mello, em 4 de fevereiro de 1931, em que, além de apresentar o engenheiro Carlos Ronzoni, encarregado da direção técnica da sociedade em São Paulo, discute novos atrasos na empreitada, quando afirma de forma clara que os trabalhos tiveram início efetivo em julho de 1929. Entres os motivos, Umberto justifica a demora devido a problemas metereológicos excepcionais e à necessidade de constituição da S.A.R.A. Brasil215.

    Os problemas metereológicos, no caso, correspondem ao excepcional regime de chuvas no primeiro trimestre de 1929 que provocaram uma das maiores enchentes da história da cidade. Nada de novo, nesse aspecto, basta lembrar por exemplo, as enchentes de 1892, que ilharam o centro histórico. Agora, a junção climática com a alegada gestão dos reservatórios da Light acabaram por gerar uma situação complexa216. Certamente, um dos pontos afetados diria respeito ao próprio acesso ao Campo de Marte, em Santana, onde os Robba atuavam nos últimos anos.

    Com o início efetivo dos trabalhos no segundo semestre, qual seria o impacto adicional da crise financeira mundial que estoura em outubro de 1929? Sabe-se que o choque sobre a economia italiana foi significativo, exigindo ações do estado para salvar bancos. Na falta de créditos internacionais, contariam os Nistri e Robba apenas com os investidores brasileiros. As operações, aparentemente atrasadas, sofrerão algum atraso.

    É possível especular sobre aspectos técnicos da etapa inicial, afora a fase de organização administrativa e das equipes já mencionada, com base na experiência carioca. Lima (2013) e Silva (2012) trazem informações que permitem reconstituir outros aspectos, mas registro histórico valioso é apresentado por mosaico fotográfico realizado provavelmente pelos Robba no primeiro trimestre de 1929.

    O documento remanescente, montado sobre folhas de cartão enteladas, traz sua identificação, em legenda central: “Rio Tietè/ Enchente de janeiro-março 1929”. A área coberta corresponde ao leito do rio em seu trecho que se estende da Vila Leopoldina, a oeste, até a região do Tatuapé, a leste. O voo foi realizado paralelamente ao leito do rio, em duas a três sequências.

    Robba-Mosaico do Rio Tietê-1929 - identificação

    Mosaico fotográfico do Rio Tietê, realizado em 1929, provavelmente pelos irmãos Robba.
    Registro raro da extensão das enchentes de verão, o voo pode ter servido como experiência para equipe com os equipamentos a serem utilizados na empreitada vencida pela S.A.R.A.

    Coleção particular

    O mosaico, com fotografias possivelmente não retificadas, possui montagem precária. Em algumas partes foram feitos sequências menores para complementar trechos, mas ainda assim parte dessa longa faixa horizontal apresenta espaços vazios intermediários, sem registros de imagem, na altura do Bom Retiro. As fotografias, formato 13 x 18 cm aproximadamente, foram montadas sobre 7 folhas de cartão, enteladas no verso, o que garantiu, frente as condições improvisadas de armazenagem, sua preservação217.

    Robba-Mosaico do Rio Tietê-1929 - danos pontuais

    Mosaico fotográfico do Rio Tietê, realizado em 1929, provavelmente pelos irmãos Robba.
    Embora haja danos pontuais devido à contato com água e à ação de insetos, a conservação, considerando o caráter precário da montagem, é razoável. Em parte, ela foi garantida pela decisão de montagem das folhas sobre tecido (cartão entelado).

    Coleção particular

    O documento, com cerca de de 70 x 400 cm, é testemunho valioso. É plausível que seja resultado do treinamento improvisado dos pilotos, que ao contrário dos voos de acrobacia ou transporte de passageiros precisam agora de boas condições de visibilidade, iluminação vertical, baixa nebulosidade, precisão no percurso em linha reta, controle das derivações causadas por ventos etc, enquanto as operações da câmera são realizadas.

    Traldy, em sua conferência em novembro de 1928, já introduz dados sobre câmeras, sem detalhar o processo de planejamento dos voos, como divisão de áreas, estabelecimento de rotas e alturas de voo conforme as escalas previstas, escolha de aviões etc.
    É possível especular sobre aspectos adicionais como formato de negativo, câmeras e alturas de voo a partir de fontes variadas. Como vimos nas provas apresentadas na concorrência, o formato corresponderia aproximadamente a 12 x 17 cm, desconsiderando as margens. Há registro em fontes da década de 1980, que teriam sido produzidos 4 mil negativos, no formato 13 x 18 cm220. Esse formato é utilizado no fotocartógrafo Nistri (IDOETA, 2004, p.14-15). Câmeras como a AFL 92 produzida pela OMI, empresa do grupo Nistri, emprega por exemplo placas 13 x 18 cm, com dois chassis com capacidade de 84 folhas cada221. É possível, por fim, admitir como estabelecido em definitivo que o formato utilizado seja esse, considerando a documentação comprobatória apresentada em 1928, que analisa o método Nistri e indica expressamente em exemplo essas dimensões222.

    O que é possível recuperar sobre as etapas de captura de imagem, equipe de trabalho e processamento? Muito pouco, além da experiência concreta da produção do improvisado mosaico sobre as enchentes do rio Tietê no início de 1929.

    Com escritório instalado na Aclimação, as operações devem contar com espaço de apoio nas instalações do Aero Civil, que tem a concessão para o Campo de Marte. Sobre as equipes de terra, a única inferência plausível pode ser feita a partir de solicitação da empresa à prefeitura relativa a isenção de taxa anual, para 1930, dos seus veículos automotivos: quatro caminhões e um carro de passageiro223.

    As aeronaves empregadas são tópico de maior destaque em algumas tentativas de definição dos recursos empregados no levantamento. Destacam-se assim os aviões Fiat AS-1 e Caproni Ca-97. Erly Limas (2013, p.72-73) apresenta imagens relevantes das aeronaves e em especial, do interior do Caproni com o conjunto para a câmera aerofotogramétrica224. No entanto, sabe-se que o serviço contava ao final de 1929 com outra aeronave, um modelo SVA.

    Nota na imprensa, em meados de 1930, registra que o serviço de fotos teve início em janeiro de 1929, com os primeiros voos realizados com o aeroplano FIAT, de 90 hp, feitos pelo aviador Cesar Fischetti225. Este assumira a primeira fase dos voos226. Sobre a credibilidade na data de início é possível contestar, devido aos atrasos no serviço que surgem mais adiante. Quanto à participação dos irmãos Robba no projeto, esta parece ficar pouco a pouco restrita à atuação societária e à mediação durante a fase de concorrência, como representantes da S.A.R.A. O levantamento do Rio Tietê, realizado no início de 1929, mosaico em posse da família Robba, comentado anteriormente, pode ter sido um teste de equipamentos realizado por eles ou Cesar Fischetti. As exigências de voo para fotogrametria podem ter levado à decisão de contratação de um piloto com experiência no campo.

    Seria oportuno retomar os parâmetros das aeronaves, já apresentados no caso da empreitada carioca a cargo da The Aircraft Operating Company. Com dois aviões, sendo um de reserva, contava com 2 pilotos e 2 mecânicos. Como indicado, o grupo britânico incluia um braço voltado ao desenvolvimento de aeronaves, o que garantia melhores condições de trabalho.

    Os Robba, que chegaram a contar com maior número de aeronaves anos antes, não deviam dispor de equipamento apropriado. Mesmo o primeiro avião — Fiat AS-1 — é ainda uma nave com carlinga aberta, com asa alta, acima da fuselagem. A chegada do Caproni em janeiro de 1930 pode ter sido motivada pela exigência de um equipamento adequado.

    O modelo Fiat AS-1 é, de qualquer modo, novo. Lançado em 1929, tem envergadura de 10,4 m., comprimento pouco maior que 6 metros e altura de 2,53 m, com capacidade de 1 tripulante e 1 passageiro. Com peso de 410 kg, tem velocidade de cruzeiro de 140 km/h, máxima de 158 km/h, com autonomia de 5 horas. A altura de voo máxima varia entre 6.400 e 6.800 metros227. De origem, o modelo foi encomendado pelo governo ao fabricante italiano em janeiro de 1928, com o objetivo de atender desde o tráfego de turismo, aeroclubes e treinamento básico para aviação civil e militar. O primeiro exemplar entrou em provas em julho de 1928, sendo aprovado em fevereiro de 1929 pelo governo italiano.

    Em novembro de 1929, a SARA Brasil informa o diretor de Obras e Viação, Arthur Saboya, a chegada de um segundo avião, um SVA, para uso no levantamento. A pista, que sofrera com as últimas chuvas, precisaria ser prolongada, exigência que, embora não expressa, seria mandatória para o futuro Caproni228. O uso de um modelo S.V.A. - um acrônimo para os nomes de seus criadores Savoia, Verduzio, Ansaldo - , uma aeronave de cabine aberta, asa alta, com primeira versão lançada em 1917 na Itália, permite pressupor que as dificuldades de capitalizar a empresa brasileira e o contexto da crise financeira internacional eram significativas.

    Embora não se saiba o modelo deste avião, nota na imprensa, em 1930, indica um motor de 220 HP229. As primeiras versões do modelo foram usadas como aviões de observação militar. Continuaram em fabricação até o final da década de 1920, tendo boa difusão no mercado exterior. Muito velozes, atingindo entre 200 e 200 km/h e autonomia de 2,5 a 4 horas, mantiveram algumas caracteristicas como envergadura das asas – 9,18 m, comprimento – 8,10 m, e altura – 2,65 m230.

    A chegada do Caproni Ca.97 introduz em cena um avião de porte maior, no caso paulistano uma nave de destaque. Com capacidade para 2 tripulantes, o aparelho tem cabine fechada que pode abrigar até 6 passageiros conforme a configuração de fábrica. Com fabricação aprovada em 1927, teve várias configurações. Com envergadura de 15,95 m, possui comprimento de 10,70 m e altura de 3,34 m. Com autonomia de 1.000 km, alcançando a altitude de 7.400 m, tem velocidade de cruzeiro de 188 km/h, máxima de 225 km/h231.

    Finalmente em 2 de fevereiro de 1930, o Caproni 20.005 faz voo inaugural pilotado pelo “conhecido aviador” italiano Bartholomeu Cattaneo (1883-1949), apesar da chuva forte que ainda cai na cidade. A imprensa registra o evento e comenta que os serviços do levantamento estão “bastante adiantados”232. A aeronave seria utilizada mais tarde, registram os jornais, em linha de passageiro que a SARA Brasil pretendia estabelecer no interior do estado233.

    A presença de Cattaneo está ligada à montagem do aparelho, supervisionando a operação realizada pelos aviadores Cesare Fischetti, Fritz Roesler e Vasco Cinquini. Apontado como primeiro piloto brevetado na Itália, tem presença na América do Sul há muito anos. Em 16 de dezembro de 1910 faz a travessia do estuário do Rio da Prata, em 90 minutos, saindo de Buenos Aires sob as vistas de grande multidão234. Sua presença no Brasil é registrada há quase duas décadas. Em 14 de dezembro de 1911, o jornal Correio do Povo, de Porto Alegre informa sobre a segunda “ascenção” do arrojado aviador, com renda destinada ao natal das crianças pobres235. Participa desde os primeiros momentos da VASP na década de 1930, permanecendo no país até sua morte em 1949 na cidade de São Paulo236.

    O grande Caproni, aparentemente, destaca-se em São Paulo por sua configuração. Um ano depois continua a chamar a atenção. Em outubro de 1930, artigo no Correio Paulistano, traz comentário sobre passeio pelos céus da cidade no Caproni, da SARA. O articulista, que destaca seu uso no levantamento topográfico da cidade, registra que o “mapa já tem sua primeira folha terminada. Um assombro de perfeição e rigor técnico”. Com outros companheiros da redação, participa do voo, sendo recebido entre outros por Vittorio Nistri237, da SARA.

    CORREIO PAULISTANO, 5 de outubro de 1930

    Grupo da redação do jornal Correio Paulistano posa no dia 1 de outubro de 1930,
    no campo do Aero Civil, em frente ao grande Caproni.
    Da esquerda para a direita: "Angelo Capasso, o aviador Cattaneo,
    o técnico da S.A.R.A. sr. Vittorio Nistri, João Raymundo Ribeiro,
    Oswaldo Monti, Arthur Correa, João Cavalheiro e Oswaldo Guimarães".

    RIBEIRO, João Raymundo. Das janelas do 'Caproni' N.20005.
    Correio Paulistano, 5 de outubro de 1930, p.7.

    Acervo Biblioteca Nacional

    Sobre a etapa de voo propriamente, não há dados para avaliação do cronograma do levantamento. Alguns autores chegam a especular sobre altura de voos a partir de referências em textos de Agenor Machado, fiscal do serviço indicado pela Prefeitura, mas não parece haver margem segura para essa inferência. Haveria pelos menos duas sequências de voo para cada escala prevista.

    Agenor Machado fará em 1934, na Escola de Engenharia Mackenzie, conferência sobre aplicações da aerofotogrametria. Ao analisar o rendimento e a precisão do levantamento com o emprego do fotocartógrafo Nistri, Machado revela dados sobre a captura de imagens. Os voos para o mapeamento na escala 1:1.000 foram realizados a 1.000 metros de altura. Em escala 1:5.000, às alturas de 2.000 e 3.600 metros238.

    Mais uma vez, é interessante retomar ao relato de Carl Oelsner (1934), sobre o levantamento carioca. É possível compreender parte das operações e parâmetros, embora os produtos previstos, com pranchas nas escalas 1:1.000, 1:2.000, 1:5.000 e 1:20.000, implicassem em orientações próprias. Empregando dois hidroplanos, tipo Puss Moth, com 120 hp, com velocidade de voo de 130 km/h, foram feitos voos em 3 altitudes: 1.524, 2.133 e 3.657 metros239, utilizando uma câmera automática Eagle, a “preferida” da Royal Air Force.
      Nem todos os dias de sol e aparente clareza atmosférica servem para tirar fotografias aéreas de uma altura de 12000 pés (3700 m), sendo a primeira condição não haver nuvens e que o calor não produza ondulações no ar, as quais destroem a clareza necessária para se obter de uma distância tão apreciável uma fotografia perfeita e nítida, cobrindo uma área de ca 3 km.2 com uma chapa de 17,8 cm. X 17,8 cm. de tamanho.
      Semanas e semanas se passam às vezes em que de manhã cedo os pilotos se levantam e olhando para o céu, achavam que 'o dia não serve'. As nossas 78 horas de vôos levaram quase 8 meses, de atenção diária e muita paciência. O Serviço Metereológico fornecia gratuitamente as observações diárias pelo telefone a respeito das condições atmosféricas.
      As horas mais próprias para a tiragem das fotografias aéreas são das 10,30 horas da manhã até 1,30 da tarde, sendo as sombras produzidas pelo sol versus edificios ou árvores reduzidas ao minimo efeito. O tempo ideal é ao meio-dia. Isso é importante para a confecção dos mosaicos, os quais representam em escala exata uma planta topográfica que não foi interpretada no terreno. A maior preocupação dos pilotos é de saber que as áreas, que foram voadas e cobertas em voos paralelos (trips), não contêm aberturas laterais (gaps). Assim que o avião amerisava, os rolos de filmes, contando cada um 100 exposições, eram levados ás pressas para o laboratório, imediatamente revelados e juntados como mostra o clichê n.º 6.
      Como se pode verificar o piloto vôava com a necessaria precisão, não mostrando o ajuntamento uma única abertura. Isto é o resultado da prática, considerando que os nossos aviadores voavam seus 'strips' sem demarcação terrestre, guiando-se pela bússola e notando a desviação pelo vento (drift), e, levando consigo para a orientação um mapa do Serviço Geográfico Militar. Para encher os 'gaps' semanas e semanas de espera são necessárias, às vezes, se a visibilidade e a clareza não permitem a repetição do voo parcial.

      (OESLNER, 1934, p.321)
    O panorama de trabalho, em São Paulo, não devia ser muito diferente. Com particularidades locais, como a temporada de chuva, a presença de nevoeiros em determinados períodos, e, em especial, as enchentes que, afinal, mudavam o aspecto urbano. Voltando para o solo, nada sabemos sobre a estrutura de apoio, ao menos sobre os laboratórios. Seria necessário checar a qualidade do material obtido, a existência de vazios na cobertura etc. E, enquanto isso, acompanhar os trabalhos da rede de nivelação etc240.

    A equipe de terra responsável por receber as chapas fotográficas tinha como funções primordiais a revelação e produção de positivos, quase certo apenas cópias contatos) e checagem da qualidade uniforme dos registros finais, bem como apontar os eventuais vazios (gaps) nas sequências de imagens. Este aspecto era importante para o planejamento dos voos. Isso implicava na elaboração de mosaicos fotográficos para essa primeira avaliação, provavelmente não “controlados” como veremos adiante. Enfim, um vasto material a ser organizado e registrado, junto com as cadernetas etc, tarefa essencial, em especial, considerando que a equipe de trabalho estava dividida entre dois continentes, com ligação marítima unicamente.

    Das cadernetas de campo das turmas de terra, dos planos de voo sobre a cidade nada se sabe. A historiografia especializada ora aponta a perda de material nos escritórios da SARA Romana na Grande Guerra ou o desaparecimento, sem precisar momento e local (MACHADO, 2010, n.p.). O contrato de serviço era preciso: a entrega de toda a documentação, no caso negativos, fotos etc era prevista241.

    No entanto, como vimos, é possível hoje confirmar com alguma segurança o formato e suporte dos negativos utilizados. Pode-se ainda tomar como referências as fotos aéreas apresentadas pela empresa como provas comprovatórias. Nesse quadro, uma série de dez fotos aéreas da cidade, datadas do início da década de 1930, chama a atenção242. Incorporadas ao acervo do AHSP há décadas, sem qualquer informação adicional, sem anotações no verso, nem no envelope enviado, fica em aberto sua origem243.

    Mosaicos
    1:1.000 | 1:5.000

    AHSP-Aerofoto-banco de imagens-0594- 1930 ca- Av. Paulista

    Fotografia aérea vertical, parte de um conjunto de 10 imagens pertencentes à coleção fotográfica do AHSP, que pode ter origem na cobertura realizada pela S.A.R.A. Brasil.

    O registro acima integra sequência que cobre trecho da Avenida Paulista, entre as
    Ruas Frei Caneca e Teixeira Silva, excepcional registro dessa região, destacando aqui,
    na vertical, a Avenida Paulista, terceira via da esquerda para a direita.

    A primeira via, na horizontal, ao alto, corresponde à Rua Pamplona, vendo-se a quadra onde se localizava a residência da Família Matarazzo. Abaixo, seguem-se as Alamedas Campinas e Eugenio de Lima. As imagens não possuem marcas, à semelhança do mosaico do Rio Tietê reproduzido acima, como indicadores de serviço, data, hora, orientação geográfica etc, exceção feita à máscara similar nas bordas.

    Década de 1930.

    Acervo AHSP

    Articulá-las em mosaico surpreende. Surge aqui, com rigor, área delimitada pelas Avenidas Paulista e Brigadeiro Luís Antonio, ao sul. Seguindo um percurso, curto, ao longo de duas linhas paralelas dispostas em diagonal descendente de 45 graus, descortinam-se as quadras tomadas por grandes casarões que vão dando lugar ao casario pobre em direção ao grotão do Bexiga, na parte superior do conjunto.

    O efetivo valor histórico inerente desses registros, reproduzidos neste ensaio como mosaico parcial (clique aqui) e através de uma única imagem em destaque, frente à possibilidade de integrarem a produção do Mapa Topográfico, transforma-os em marco raro da historiografia da fotogrametria no Brasil. Um aspecto final reforça a procedência do conjunto, as imagens apresentam o terreno em escala 1:5.000.

    AHSP-1930-comparativo-Av. Paulista-foto e pranchas impressas.

    Montagem comparativa de fotografia aérea vertical de trecho da Av. Paulista, entre a Rua Pamplona e Alameda Campinas, frente a detalhes das pranchas impressas nas escalas 1:5.000 e 1:1.000, nas extremidades, permite confirmar que o registro fotográfico é contemporâneo ao levantamento realizado pela SARA Brasil.

    Década de 1930.

    Acervo AHSP

    Uma outra ocorrência, no campo privado, merece ser citada. Tratam-se também de registros fotográficos. Quase certo, são negativos gerados no processo de retificação de imagem, pelo qual a perspectiva cônica, característica da tomada fotográfica por câmeras, será transformada em perspectiva ortogonal, permitindo a construção de mosaicos. Na coleção do pesquisador Rubens Fernandes Junior encontram-se dois negativos flexíveis, que registram parte da região do Pacaembu. Adquiridas no início da década de 2000, integravam séries de registros sequenciados que chegaram ao mercado de antiguidades. Em formato similar ao das câmeras utilizadas (13 x 18 cm), embalados em envelopes com timbre da SARA Brasil, essas ocorrências, que integrariam a documentação técnica, evidenciam que esta chegou efetivamente ao Brasil244.


    O contrato tem também seus andamentos administrativos em outros níveis. Em setembro de 1929, carta da SARA Brasil ao prefeito Pires do Rio, pede a liberação dos cupons vencidos em 1 de julho, relativos aos juros correspondentes à caução exigida pelo contrato245. Por outro lado, a empresa está presente em momentos significativos, como as homenagens ao piloto Vasco Cinquini, em janeiro de 1930, morto em Santos. Cinquini pilotava seu novo avião, que acabara de chegar junto com o Caproni, da SARA. No evento em honra ao piloto, na sede da Aero Civil, reunindo toda a comunidade de aviação paulistana, entre as coroas está aquela enviada pela SARA Brasil S/A246.

    A grande novidade no início de 1930 é, como vimos, a chegada do Caproni Ca-97. Com o andamento, e provável finalização, da fase de fotos de campo no primeiro semestre, o campo das operações é transferido para a Itália, na sede romana da S.A.R.A.

    Ganha destaque a participação do engenheiro Agenor Machado, membro da comissão de fiscalização dos serviços, junto com Georges Corbisier e Silvio Noronha, servidores municipais. Machado, engenheiro ajudante da Comissão Geográfica e Geológica, é cedido pela Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio247. Em 14 de março de 1930, é formalmente indicado pelo prefeito248, designando-o “para exercer a fiscalização dos trabalhos de restituição, desenho e impressão do mapa topográfico do Municipio, em Roma, sendo-lhe dispensado o auxílio de um conto de réis mensal para despesas de viagem.”

    De início, Agenor deve ter supervisionado os trabalhos de solo, como a implantação dos marcos de nivelamento249. Em março de 1929, marcando quase certo uma de suas primeiras ações, ele solicita ao diretor de Obras e Viação Arthur Saboya providências para autorização das despesas, no valor de 4:344$000, para implantação daqueles marcos250. Ainda que faltem detalhes sobre as operações, sabe-se que a parte geodésica estava a cargo do engenheiro Saverio Spagnoli, e do nivelamento o engenheiro Mott251. De Spagnoli, sabemos apenas que em março de 1929 acompanhara Umberto Nistri, em visita ao prefeito, sendo apresentado então como membro do Instituto Geográfico de Roma.


    Roma, primavera de 1930

    Agenor chega à Itália em abril de 1930252. Quase certo a tempo de acompanhar os primeiros trabalhos de restituição nas oficinas dos Nistri. À maneira do levantamento carioca, em menor número, visitas oficiais fazem parte do roteiro.

    Em maio de 1930, no dia 13, o embaixador brasileiro em Roma, Oscar de Teffé, visita o estabelecimento Nistri. Está acompanhado de Agenor Machado. “O embaixador do Brasil visitou detalhadamente todas as dependências da companhia, examinando minuciosamente todos os aparelhos empregados...”253. Embora noticiado na imprensa paulista no dia 15 de maio, apenas duas semanas depois extenso artigo no Correio Paulistano faz um balanço da empreitada254.

    AHSP-Correio Paulistano-06.06.1930

    Roma, escritórios da S.A.R.A, 13 de maio de 1930.
    O Embaixador Oscar de Teffé, ao centro, visita as oficinas
    acompanhado do engenheiro fiscal Agenor Machado, à direita.
    Umberto Nistri, à esquerda, recebe o diplomata.
    Correio Paulistano, 6 de junho de 1930, p.5.

    Acervo Arquivo Público do Estado de São Paulo

    Aqui, surge foto de grupo, no qual Umberto, Oscar e Agenor posam frente ao que parece ser o fotocartógrafo Nistri empregado no serviço. É possível confirmar vários dados como a participação efetiva de Cattaneo, pilotando o Caproni, bem como a previsão das primeiras folhas para julho seguinte. Até mesmo a participação de Agenor Machado, em congresso cartográfico, em setembro é mencionada.

    No dia 14 de maio, nova visita ocorre quando da estadia em Roma do deputado Plinio Salgado. Acompanhado de jornalistas brasileiros, é recebido nas oficinas por Umberto Nistri e Agenor Machado. Após o encontro, o deputado seguiu para reunião com o primeiro ministro italiano, Mussolini255.

    O desafio de Umberto Nistri e sua equipe é produzir a primeira prancha da cartografia impressa. A fase de restituição é ponto chave.

    Antes as cópias fotográficas deveriam ser retificadas, fazendo a transposição da perspectiva cônica para a cilíndrica, e organizadas em mosaicos256. A retificação seria controlada mediante pontos de referência na imagem, com posições planialtimétricas obtidas em campo. A ordenação das imagens sucessivas (strips)257, permitiria assim criar mosaicos controlados. Lembremos que os produtos finais da concorrência paulistana incluiam a entrega tanto das pranchas impressas quanto as respectivas fotocartas.

    O centro do processo, no caso da empreitada da S.A.R.A Brasil o ponto de destaque, são os equipamentos restituidores desenvolvidos por Umberto Nistri, desde o final da década de 1910. Eles permitiam “automatizar” o processo de restituição, gerando diretamente as pranchas cartográficas258. Data de maio de 1919, sua primeira patente na Itália, de número 1774490, relativa a “Aparelho para obter a planta topográfica a partir de fotografias aéreas estereoscópicas” (SELVINI, 2012, p.13). No ano seguinte, ganha forma o primeiro modelo restituidor Nistri – o Estereoprojetógrafo, numa tradução ligeira para “Stereoproiettografo”, conforme Selvini (idem).

    Uma decisão importante será tomada neste momento, e questionada pelo engenheiro fiscal em Roma: a produção da primeira prancha cartográfica na escala 1:1.000, na qual o processo seria exigido ao máximo. Certamente Umberto queria obter, caso fosse bem sucedido, uma situação favorável ao projeto como forma de compensar o flagrante atraso na empreitada. Essa primeira prancha tomaria quatro meses de trabalho, comentaria Machado, devendo ter sido iniciada entre fevereiro e março de 1930.

    Umberto desenvolvera sucessivos modelos de restituidores fotográficos, em especial os modelos II, em 1925, e III, em 1929, no qual seria efetivamente processado o mapa topográfico de São Paulo. Há uma diversidade de modelos Nistri com diferentes aplicações como o fotócartógrafo, o fotoestereógrafo, o fotomúltiplo, para escalas médias, e o estereógrafo, para levantamentos rápidos259.

    SARA NISTRI - fotocartógrafo, sem data

    Fotocartógrafo Nistri, em modelo não identificado, possivelmente a segunda versão.

    Observe à esquerda, o conjunto ótico para posicionamento de chapas,
    que se integra neste caso a amplo grupo para tracejamento das pranchas.
    Os textos inclusos na proposta apresentada na empresa,
    ao comentar a qualidade dos seus equipamentos,
    indicam que eram maiores que os dos demais fornecedores.

    Acervo SARA Nistri

    Os restituidores são basicamente formados por dois conjuntos. Um primeiro, destinado ao posicionamento de uma sequência de registros fotográficos no espaço conforme posição das mesmas no momento de tomada. E um segundo, que constitui efetivamente o sistema para determinação e tracejamento das curvas de níveis.

    Embora esses aparelhos trabalhem com o conceito da estereoscopia, articulando imagens sucessivas, e, portanto, entendendo-se assim a sobreposição necessária entre as fotografias, nem todos os restituidores se utilizam efetivamente da visão estereoscópica como a conhecemos.

    O maior grupo de restituidores para determinação e tracejamento mecânico da carta, naquele período, usa o recurso estereofotogramétrico, como os modelos Hugershoff, Zeiss etc. Um segundo grupo, ao qual a própria SARA acreditava ser a única a operar então, emprega o método Nistri260. Aqui o sistema utiliza o cintilamento261, no qual cada par de imagem era exposto alternadamente num curto período de tempo, permitindo determinar os pontos com a mesma altura, reconstituindo as curvas de nível “automaticamente”.

    MESQUITA, 1950 - Fotocartógrafo Nistri

    Fotocartógrafo Nistri, em modelo reproduzido na obra de Paulo Mesquita (1950).

    Embora os artigos de Selvini (2012) sejam mais precisos,
    nenhum dos registros visuais disponíveis apresenta os equipamentos em operação.
    Mesquita é, ressalve-se, mais objetivo na descrição do sistema.
    Nesta imagem, o uso do processo de cintilamento, e não a projeção estereoscópica,
    é revelado pelos semicírculos posicionados em frente às fontes de projeção à esquerda.

    Coleção particular.

    A empreitada utilizou, segundo Selvini (2012, p.14), o modelo III do fotocartógrafo Nistri – Aeronomal. Empregado no levantamento de Palermo, permitiu a produção da primeira planta cadastral italiana com o sistema262. O modelo, ainda que mais compacto que o anterior, é referenciado pelos Nistri como maior que os demais aparelhos restituidores.


    A primeira folha: o Bom Retiro

    Agosto de 1930, a primeira folha, na escala 1:1.000, está pronta, em Roma. Em 30 de setembro, a imprensa paulistana reproduz a prancha, junto com o retrato e o depoimento de Umberto Nistri sobre o andamento do serviço263. Mais tarde, identificada como folha 37/22, a prancha apresenta trecho do Bom Retiro, entre as grandes estações ferroviárias e o Jardim da Luz264.

    AHSP-SARA-1:1.000-folha 37/22 - a primeira prancha

    Mapa Topográfico do Município de São Paulo, 1930.
    A prancha 37/22, parte do levantamento em escala 1:1.000,
    é o primeiro desenho cartográfico finalizado.

    A reprodução acima corresponde à prancha impressa final e não ao desenho.

    Acervo AHSP

    Em setembro ainda, na Europa, o professor Gino Cassinis (1885-1964), da Escola de Engenharia da Universidade de Pisa, apresenta no terceiro congresso internacional de fotogrametria realizado em Zurique, Suíça, o relatório de Agenor Machado, engenheiro fiscal do serviço, sobre o resultado alcançado nessa primeira folha.

    Estrategicamente, munido da valiosa prancha, o engenheiro Umberto, por sua vez, embarca no dia 13 de setembro em Genova rumo à América do Sul265. No dia 24, chega ao Rio, rumo ao sul, a bordo do 'Giulio Cesare'266. No dia seguinte chega a Santos, trazendo alguns itens destinados ao serviço - “dois aparelhos estereoscópios e uma bússola de aviãção”267.

    Em paralelo revela-se que operação fundamental está em curso: a prorrogação do contrato. No dia 4 de outubro, data que aparece meio apagada na carta assinada por Luis Giobbi, em papel timbrado da SARA Brasil, seu diretor geral, ele solicita que “em vistas das dificuldades diversas e imprevistas que se apresentaram no decorrer da execução do serviço, como fossem as inundações, crise financeira e outras” a concessão de prorrogação do prazo de entrega dos trabalhos (processo 50.495/30, f.1). Giobbi propõe um novo cronograma, parcelado:
    • a zona urbana, em escala 1:1.000, até o final de abril de 1931,
    • a zona suburbana, em escala 1:5.000, até o final de junho de 1931, e
    • o restante de todo o material, até o final de outubro do mesmo ano.
    Solicitados a opinar pelo diretor de Obras, Arthur Saboya, os fiscais do serviço Georges Corbisier e Silvio Noronha declararam em 10 de outubro que os motivos apresentados são perfeitamente justos. O atraso médio seria de seis meses, como informam. Considerando o prazo de dois anos, estabelecido por contrato, além do limite máximo para início das obras, o cronograma inicial venceria nos primeiros meses de 1931, permitindo supor que o atraso efetivo era maior.

    Outro imprevisto estava surgindo, em paralelo, a essas decisões: a revolução de 30. No entanto, ainda que o governo provisório nomeasse sucessivos prefeitos nos meses seguintes, permitindo pressupor alguma perturbação no andamento dos processos administrativos, a justificativa é aceita em 11 de dezembro por Anhaia Mello268.

    Agenor Machado não acompanhou Nistri em sua viagem a São Paulo. Embora tivesse solicitado autorização para participar no congresso em Zurique, na falta de resposta visitara a exposição internacional de fotogrametria, que ocorria em paralelo na Escola Politécnica local269. Os trabalhos de restituição estavam em andamento, informa Machado, e assim aproveita para estudar os processos de reprodução litográfica. As diversas experiências realizadas em Roma não apresentaram resultado satisfatório, o que leva a decidir em favor do Istituto Geografico De Agostin, em Novara.
      Em Zurique me entendi com diversos professores, entre eles os Drs. Baeschlin e Zeller, nomes de reputação mundial, aos quais pedi conselhos e sugestões, bem como travei relações com os diretores da fábrica de instrumentos de engenharia Henri Wild, de Heerbrugg, com quem combinei de seguir um curso prático de fotogrametria aplicado ao autógrafo Wild, nos seus estabelecimentos. Visitei também algumas empresas litográficas em Zurique e em Berna, tendo colhido dados interessantes para a S.A.R.A., e teria estudado melhor os modernos aparelhos de engenharia que hoje fabricam as firmas Kern, Zeiss, etc., se a minha presença em Roma não fosse necessária para informar aos diretores da S.A.R.A. sobre o que tinha observado e o que era aplicável aos trabalhos em execução.
      (Processo 59.758/30, f.4)
    Oportunamente, a avaliação dos primeiros resultados do levantamento, tema que seria apresentado na conferência270 organizada pela International Society of Photogrammetry (ISP), por Gino Cassinis, no terceiro congresso internacional da entidade, é publicado em São Paulo.

    Em outubro de 1930, a Revista de Engenharia, editada pelo Centro Acadêmico Horácio Lane da Escola de Engenharia Mackenzie, traz o artigo Os primeiros resultados obtidos no levantamento aerophotogrammetrico de São Paulo271. A análise aqui apresentada corresponde à comunicação enviada ao congresso, a qual será continuamente referenciada nos anos seguintes. Ela enfoca estritamente a primeira folha recebida, publicada na imprensa local como vimos, embora não seja referenciada no texto. O autor é objetivo no propósito da avaliação, feita em agosto, na cidade de Roma272:
      Este, que é o processo aerofotogramétrico Nistri, na sua essência, pouco diverge dos demais similares, porém implica uma técnica própria de campo e de restituição. Empregado pela primeira vez em serviço realmente orgânico de grande extensão, o seu resultado deve despertar interesse, não somente para se ter um conhecimento dos seus erros, como também para compará-los com os fornecidos recentemente por Hugershoff em seu trabalho intitulado 'Photogrammetrie und Luftbildwesen'. Para a Prefeitura de S.Paulo, contudo, bastava que os erros verificados na folha não ultrapassassem os toleráveis pelo contrato que, no presente caso, permitia uma divergência de posição planimétrica de qualquer ponto igual a meio metro. Como, porém, era a primeira vez na América do Sul que se verificava o erro de um trabalho desse gênero e a primeira vez em todo o mundo que um governo municipal empreendia um levantamento completo dos seus domínios, é natural que se tenha curiosidade de conhecer as divergências encontradas, e igualmente os erros médios que essas fornecem.
      Os operadores de S. Paulo executaram, na zona abrangida pela folha enviada, 924 medidas lineares distribuídas em 53 alinhamentos diversos e 24 determinações de cotas. Nenhum instrumento especial de medida foi empregado além dos usados comumente, e os pontos no terreno não eram assinalados com marcos, de maneira, a serem identificados com absoluta segurança. A verificação teve um caráter essencialmente prático, e é justamente ai que está o seu valor. Em resumo, procurou-se ver que precisão se alcançaria na pratica ordinária e não que exatidão que se pode atingir com o método devido ao eng.º Nistri.

      (MACHADO, 1930b, p.207)
    Apenas em 2013, Erly Lima fará a avaliação do relatório de Agenor, aferido agora em confronto com recursos topográficos atuais, dentro dos limites que os registros apresentados no artigo permitem avaliar273. Para Machado, os erros registrados eram compatíveis com as exigências do edital, atingindo na planimetria ± 0,48 m, desprezados 12 observações com “divergência exagerada”, e na altimetria ± 0,20 m274. Nota curiosa, na apreciação em Machado, diz respeito à forma como justifica as discrepâncias encontradas com erros máximos, na planimetria.
      Do quadro acima verifica-se que o processo garante em geral uma divergência inferior a 0,50 ms, porém ainda está sujeito a erros que podem atingir a 1,50 ms. Estes, no caso presente, se explicam pelo fato dos operadores do fotocartógrafo serem ainda novatos, com poucos meses de experiência e estarem a 12000 kms. do terreno que foi levantado e que nunca viram. Podem também ser atribuídos a um concorrência de erros de restituição e de verificação, pois, como se disse, nenhum método especial de verificação foi empregado. Quanto aos 12 erros de grandeza superior a 1,50 ms. evidentemente trata(m)-se de enganos, ou melhor, de erros grosseiros a que está sempre sujeito um trabalho de topografia, isso devido à sua insignificante frequência.
      (MACHADO, 1930b, p.207)
    Agenor Machado, mais a frente, em conferência realizada em São Paulo em 1934, já mencionada, comentará o rendimento e precisão dos equipamentos de restituição empregados. Sabe-se então que a restituição na escala 1:1.000, apresenta um rendimento mensal de 80 a 120 hectares por mês, por aparelho, considerando-se uma carga horária mensal de 200 horas. Essa produção incluia as fases de reconhecimento e revisão no campo, no caso de São Paulo. Para a escala 1:5.000, Machado indica voos realizados a 2.000 e 3.600 metros, cuja restituição implicou, respectivamente, na produção de 400 a 600 hectares, por mês e por aparelho, e 800 a 1.300 hectares, nas mesmas unidades275.


    No prelo, depois de alguns atrasos

    Distante de São Paulo, palco das mudanças políticas imediatas ao movimento revolucionário de 1930, Agenor Machado, envolvido na escolha dos processos de impressão litográfica e das empresas gráficas aptas para o serviço, envia, com data de 6 de dezembro, um relato de 7 páginas ao prefeito276 sobre atividades desenvolvidas. É relevante comentar que a continuidade da empreitada, não chegou a ser ameaçada, tendo sido o engenheiro fiscal em Roma informado em ofício, de 13 de novembro, sobre sua permanência na comissão “que tem por fim fiscalizar os trabalhos de restituição, desenho e impressão do mapa topográfico (...)” (processo 59.758/30, f.1).

    É certo que os trabalhos em São Paulo, quanto aos voos, deviam ter sido encerrados, salvo aqueles necessários à solução de problemas eventuais. Na Itália o trabalho terá novo desenvolvimento com as remessas de folhas para a reambulação, na qual as equipes em São Paulo deverão checar erros, solicitar ajustes e o que for necessário para, finalmente, finalizar os desenhos cartográficos e encaminhar as matrizes para impressão gráfica.

    De volta à Itália, Umberto Nistri precisa vencer dois desafios: em seis meses, a entrega das pranchas, em escala 1:1.000, e, dois meses depois, das pranchas em escala 1:5.000277. Esses prazos não serão cumpridos.

    Agenor, em seu relato enviado ao prefeito, no dia 6 de dezembro de 1930, acaba por revelar que os motivos de atraso eram mais complexos: “Devido ao movimento revolucionário no nosso país os dirigentes da S.A.R.A., receando uma rescisão de contrato, suspenderam temporariamente parte dos trabalhos em execução, de sorte que esses se atrasaram de um tempo apreciável. ” (processo 59.758/30, f.5)

    A situação é mais complexa. A empresa brasileira estava negociando com a antiga administração municipal um adiantamento monetário: “(...) seja como pagamento de trabalhos que poderia apresentar e que serviriam de garantia, seja mediante um regular modificação de contrato, isso porque se viu em certa dificuldade financeira, em virtude dos acionistas da SARA Brasil não terem entrado com as respectivas quotas subscritas no ato da criação da sociedade”. (idem, f.5-6). Os diretores da empresa teriam tomado, nessa direção, medidas para aliviar as despesas.
    Com idas e vindas de correspondências, os trabalhos caminhavam279. Em carta datada de 4 de fevereiro de 1931, Umberto Nistri informava a Anhaia Mello, que o serviço relativo às folhas na escala 1:1.000, cerca de 60 pranchas, estava “a buon ponto”280. Essa tarefa representava volume considerável da empreitada, "uma vez que o trabalho restante em 1:5.000, tanto pela escala quanto pela menor precisão, em conjunto com a menor quantidade de detalhes planimétricos, é muito mais fácil e mais rápido”. Embora justificado por Nistri, é necessário lembrar que este último conjunto correspondia a 69 pranchas, das quais 16 em dimensões especiais.

    A escolha da gráfica, em fevereiro de 1931, não estava decidida em definitivo. Umberto prometia na mesma comunicação enviar o mais breve uma série de provas executadas por Gino Cassinis, na Universidade de Pisa, com processos análogos ao dos fornecedores alemães.
    Apesar da redação algo confusa, o trecho é claro ao reafirmar um dos aspectos inovadores da empreitada, ou seja a produção do mapeamento na escala 1:1.000282. E, finalizando, Umberto solicita uma antecipação de pagamento pelos trabalhos realizados283.

    O que era quase certo, acontece. Em 13 de maio de 1931, Georges Corbisier informa, pela 7ª Seção da Diretoria de Obras e Viação, ao diretor Arthur Saboya, que a Società Anonima Relievamenti Aereofotogrammetrici de Roma deixou de fazer entrega das plantas na escala 1.1000. A data limite era 30 de abril. Ordena-se, no dia 14, notificar as duas empresas e discute-se a aplicação de penalidades284. Giobbi, pelo Instituto Brasileiro de Levantamento Aerophotogrammetrico, um das variações de nome da SARA Brasil, responde quase duas semanas depois. Informa que já comunicou o escritório em Roma para envio imediato das folhas285.

    Essas recorrentes questões de atraso e pagamentos acabam, hoje, por serem úteis na reconstituição das etapas de trabalho. Umberto Nistri escreve ao prefeito em 12 de junho de 1931. Mais uma vez surgem referências aos atrasos no trabalho, dificuldades financeiras enfrentadas e a impossibilidade em conseguir da prefeitura uma antecipação de pagamentos. Esses aspectos, afirma, foram resolvidos pela empresa que foi forçada a intervir financeiramente no projeto para assegurar a continuidade dos trabalhos286.

    De forma curiosa, Umberto justifica o andamento dos serviços. Ao invés da produção das pranchas na escala 1:5.000 — “la scala più facile” —, optou-se pela 1:1.000, cujo grau de detalhamento impedia proceder com a rapidez desejada. Não há nenhum registro nos processos que indique que o autor dessa decisão não fosse a própria empresa. Desejava ela, como comentado linhas acima, obter com a apresentação de um produto de qualidade, nessa escala considerada difícil, uma alteração dos prazos e, talvez, melhores condições financeiras?

    Sabe-se agora que a primeira folha — a prancha 37/22 — fora enviada a São Paulo no início de fevereiro de 1931 para revisão287. As demais 57, relativas à zona urbana, numa extensão de 3.520 hectares, foram enviadas sucessivamente a cada partida de navio. As remessas 2 e 3 foram extraviadas durante o envio, sendo substituídas. Ao final de março, as primeiras folhas revisadas e assinadas pela comissão de controle chegavam a Roma288. Agora, para agilizar o serviço, seriam enviadas novas folhas para revisão, de 4 a 10 folhas a cada partida de navio para o Brasil, ao mesmo tempo que as aprovadas seguiam para impressão.

    A cobertura na escala 1:1.000, segundo Umberto, num total de 58 folhas, lembremos desse número, teria sido executadas “em menos de um ano”. A restitução na escala 1:5.000 estava em bom andamento, não exigindo, reforça, revisão tão acurada como a anteriormente executada. Num dos próximos embarques começariam a ser enviadas as primeiras pranchas, Desse modo ao final da prorrogação negociada em outubro de 1930, a parte mais importante do trabalho estará realizada e pouco faltará para a finalização, nas suas palavras.

    Nistri finaliza, pedindo ao prefeito para enviar alguém de confiança para avaliar os trabalhos, os valores a serem pagos e autorizar seu andamento. O que significa isso? As relações com Agenor Machado, engenheiro fiscal em Roma, teriam apresentado algum problema? Umberto mencionara que Agenor, que poderia ter resolvido tudo sozinho, decidira recorrer aos demais membros da comissão fiscal para sanar dúvidas sobre algumas medições de controle. O conflito deve ter sido significativo, pois o engenheiro fiscal escreve ao prefeito no dia 18 de junho, comentado a carta de Nistri de seis dias antes289.

    Mais uma vez, é esta uma oportunidade notável para recuperar o andamento desta etapa. As pranchas enviadas para revisão eram cópias fotográficas. O conflito surge no fato que a empresa decidiu usar uma escala não usual para esse serviço. Agenor comunicara essa questão por cartas sucessivas à diretoria de Obras e Viação em cinco oportunidades, entre fevereiro e maio de 1931. Sabemos também que já seguira pelo correio a edição final da prancha 37/23.

    No dia 24 de julho, é protocolada a entrega na 7ª Seção da Diretoria de Obras de carta do Istituto Geografico De Agostini, datada de 30 do mês anterior. A sociedade anônima, com sede em Novara e filial em Roma, à Via Stamperia, informa à prefeitura que a SARA dera ordem para impressão da carta topográfica, serviço que será feito rapidamete290.

    A escolha final do Istituto Geografico De Agostini não é nova. Relato de Agenor Machado, enviado de Roma em 6 de dezembro de 1930, indica a decisão do engenheiro fiscal nessa direção291. Fundada em Roma no ano de 1901, pelo geógrafo Giovanni De Agostini, a empresa volta-se de início a edições de atlas, mapas e produtos relacionados. Sete anos depois, em 1908, transfere sua sede para Novara. Mantém sua produção no campo da geografia, mas sucessivas mudanças de controle da empresa levarão a empresa, a partir do segundo pós-guerra, a transformar-se em um conglomerado ativo hoje em 30 países, situado entre os grandes nomes editoriais italianos292.

    Nova carta do Istituto Geografico De Agostini, datada de 3 de agosto, é enviada à Prefeitura293. Como a anterior, informa terem sido escolhidos pela SARA para impressão, porém, de uma carta topográfica do Estado de São Paulo! Apesar desse tropeço, traz novas informações, a mais importante é confirmar o desafio técnico dessa empreitada.
      Tratando-se de um trabalho em escala não usual, até agora não realizado para qualquer cliente, o trabalho apresenta graves dificuldades técnicas, e acreditamos ser justo afirmar que nenhuma outra empresa do gênero na Europa poderia entregar um produto mais perfeito, e em tempo relativamente breve, estando todos os estabelecimentos do setor habituados a imprimir cartas geográficas, ou topográficas, com escala não inferior a 1:5.000.
      (Processo 38.838/31, f.1)
    O missivista aponta os cuidados necessários para garantir uma reprodução que atenda ao grau de precisão empregado no processo de restituição. É necessário planejamento gráfico, que garanta condições como a permanência prévia do papel em “secadores especiais”, visando a estabilidade dimensional do papel antes da impressão, bem como o cuidado com o registro gráfico das diferentes cores.

    Desse modo o tempo empregado em experimentação e provas acabara por atrasar a entrega da primeira folha. “....mas estamos comprometidos com a respeitável S.A.R.A. de entregar as primeiras quinze folhas que temos em andamento, seguidas no mês de agosto de outras dez folhas e quinze para cada um dos meses seguintes”. Pode-se deduzir assim que o conjunto de 58 pranchas, na escala 1:1.000, só estaria completo em novembro de 1931. Folha anexa à carta traz a relação de pranchas, a serem embarcadas no primeiro navio, todas relativas à carta 1:1.000, sempre referida como do Estado de São Paulo294.

    Começa aqui uma sucessão de informes registrando as chegadas parciais. Muitas são notas de embarques, informações sobre problemas aduaneiros etc. Das 58 pranchas previstas para a escala em preparo, a tiragem prevista em contrato era de mil exemplares. Em algum momento, houve mudança desse número para 3 mil. A entrega parcelada se estenderá295. Entre 6 de agosto e 10 de setembro, seguem 4 remessas com a tiragem de 3 mil relativas a 17 pranchas, além das 6 cópias, de cada prancha, em tela de linho transparente para reproduções. É o que informa em balanço das entregas carta da empresa italiana, em 14 de setembro de 1931, que solicita o “aceite” da prefeitura296.

    Pari passu, Luis Giobbi, diretor geral da SARA Brasil, escreve ao prefeito, em 18 de setembro, solicitando “prorrogação de prazo para entrega de todos os serviços de levantamento topográfico do Município de São Paulo, até a data de 30 de Junho de 1932”297. Os pareceres serão favoráveis, sendo em 1 de outubro concedidos apenas mais 6 meses298. As razões apresentadas, consideradas justas, dizem respeito à capacidade limitada do Istituto Cartografico De Agostini na entrega de 15 a 20 folhas por mês, à supressão de um navio postal na escala da empresa contratada, às dificuldades financeiras frente à crise mundial e aos preços unitários praticados, considerando-se em especial que o contrato não previa nem adiantamentos nem pagamentos parciais299.


    Torna-se dificil estabelecer uma cronologia das atividades a partir do último trimestre de 1931. Não há qualquer menção explícita à produção do conjunto de pranchas em escala 1:5.000300. Em abril de 1932, a empresa solicita a prorrogação de prazo de “todos os serviços” até 31 de outubro301. Uma breve tensão se estabelece. Em 2 de maio o engenheiro Georges Corbisier, pronuncia-se, à folha 2, contra o atendimento por acreditar que os motivos “não são bastantes para que o pedido seja atendido ainda mais que para eles a Prefeitura em nada contribuiu”. O superior, Arthur Saboya, vai na mesma direção e nega, por ser desleal com os demais concorrentes, o que levará a providências para multar a empresa.

    Seis meses depois, em 15 de outubro, novo processo tem inicial dos fiscais Corbisier e Noronha ao diretor Saboya apresentando os desdobramentos do despacho acima. A empresa recebera como penalidade contratual a multa diária de 200$000 a partir de maio. O total acumulado ultrapassava agora o valor da caução de 30:000$000. Parecer da procuradoria, à folha 2, apresenta duas possibilidades: ou a intimação da contratante para depósito da diferença, sob pena do saldo ser descontado dos futuros pagamentos após entregas dos produtos previstos, ou a anulação do contrato, com perda da caução. Saboya opta pelo depósito da diferença e indeferimento da prorrogação até outubro de 1932, solicitada em abril.

    Nem a documentação processual localizada, nem outras fontes como a imprensa permitem traçar o panorama a partir daí. Na verdade, nada se sabe a partir de abril de 1932, quando Giobbi solicita a terceira prorrogação. Lembremos que o intervalo entre abril e outubro, foi em parte tomado pelos conflitos revolucionários a partir do levante paulista em 9 de julho302. Quando Saboya despacha em 15 de outubro sobre o processo ele o faz como prefeito interino, entre 3 de outubro e 28 dezembro, por ocupar a Diretoria de Obras e Viação, sinal da importância do seu posto303.

    Repentinamente, após longa hibernação, notícias surgem em julho de 1933. Assembleia geral ordinária é realizada no dia 22, à Praça da Sé, no Palacete Santa Helena. Estão presentes apenas 6 acionistas, quase todos com cotas acionárias de 10 a 40 ações, entre eles Henrique Robba304. As exceções cabem a João Adamo, que com 100 ações representa a “Sociedade Italiana entre Mutilados e Inválidos de Guerra”, participação não registrada até agora nas outras assembleias, e Giobbi, também representante da SARA, de Roma, respondendo assim por 1300 ações. Feita a leitura do balanço até 31 de dezembro de 1932 e do parecer do Conselho Fiscal, Giobbi informa que em sua última viagem à Itália acompanhara a finalização dos trabalhos. Inteiramente ultimados, as caixas despachadas encontravam-se na alfândega em Santos305. Infelizmente, informa Giobbi, as despesas foram superiores ao previsto e assim o cálculo do rendimento seria feito e apresentado em futura reunião.

    Um grande carregamento, com 188 volumes, totalizando 19 toneladas, chega a Santos, vindo de Genova pelo vapor Mar Bianco, em 18 de junho. A empresa solicita, em carta de 18 do mês seguinte, que a Prefeitura informe ao inspetor da Fazenda em Santos que a SARA estaria pleiteando junto ao Ministério da Fazenda isenção aduaneira, pedindo assim constatação do custo para futuro reembolso306. O interesse na isenção é evidente. O total de 19.016 quilos fora taxado em 150 réis por quilo, atingindo um valor expressivo de 2:852$400, quase um décimo da caução depositada.

    Em dezembro de 1933, os conjuntos em escala 1:1.000 e 1:5.000 estão finalmente em posse da Prefeitura. Parecer da Comissão Fiscal irá propor preços de venda das folhas impressas. Dados importantes surgem aqui como a confirmação da produção do conjunto em escala 1:20.000. Este, no entanto, ainda aguardava entrega e aprovação, da qual não temos a data efetiva do envio. Em 3 de janeiro de 1934, finalmente, o ato nº 559, aprova os mapas e estebelece os preços de venda307.

    Dado fundamental no parecer sobre preços diz respeito ao custo efetivo do serviço. É o que consta à folha primeira da análise308, que, a seu modo, também trás uma referência ao prazo provável para venda de toda a edição.
      A Prefeitura gastou com o levantamento em questão cerca de 1.350 contos, inclusive a despesa de fiscalização e outras de transporte, implantação de marcos e eventuais. Se admitirmos que a venda será feita no espaço de 3 anos, podemos acrescentar ainda uma quantia de 300 contos para pagamento de juros do capital empregado. A despesa total é, pois, de 1.650 contos. Todas as folhas impressas somam 295.000 exemplares. Se a venda for feita na base do custo do serviço, o preço de cada folha será de 5$600.
    A comparação com os valores totais pagos pelo governo do Distrito Federal impressiona, mesmo considerando que o uso de equipamentos de restituição no caso paulista implicasse em economia considerável. Por sua vez, atualizar, em valores correntes, o custo final dos serviços — 1.650:000$000 — é como sempre um desafio, que exige cuidado.

    Antes disso, é bom lembrar que considerando os preços e áreas previstas em contrato o valor em 1928 atingia 1.266:000$000 — um mil contos e 266 mil réis. O parecer sobre preços, acima comentado, traz ao final um dado relevante: eles tomam por referência a moeda (réis) em base papel. Como se adotava então igualmente a base ouro para medir a evolução da moeda, o aumento checaria a 1.500 contos, ou seja um acréscimo de 90%. Isso levaria a novas questões por parte da empresa.

    Esse conflito de interpretação será tema relevante para a assembleia da SARA Brasil, realizada em 22 de novembro de 1934, no Prédio Parapitinguy, na qual a sociedade, atingidos seus objetivos, é dissolvida309. O uso da base ouro implicaria, na avaliação da sociedade, numa diferença de 1.700:000$000, um pouco maior que o valor já apontado pelos fiscais. A cláusula 23ª do contrato deixava em aberto esse ponto, pois os preços por hectares são apresentado nas duas bases papel e ouro. Apesar dos pareceres apresentados e inclusive um alegado depoimento favorável de Pires do Rio, prefeito à época da assinatura do contrato, a empresa acabou por receber o valor de 1.262:825$280.

    Considerando a longa pendência que ressultaria de um contestação na justiça a empresa decidiu por aceitar essa quantia, acrescida de um saldo de 700:000$000310. Conforme palavras finais da assembleia, registradas em ata:
      Semelhante liquidação envolve, portanto, a perda completa do capital acionário, mal chegando aquela quantia para atender às responsabilidades decorrentes da execução dos serviços, tendo sido necessário, mesmo, apelar para a boa vontade de vários credores, que reduziram suas contas, possibilidando, assim, a solução dos compromissos sociais. Se, pois, de um lado, é lastimável que da execução de uma obra de tal vulto não tenha a ‘Sara’ auferido os lucros justamente esperados – certo é, todavia que lhe cabe a honra de haver dotado o município de S. Paulo de um trabalho absolutamente perfeito no seu gênero e merecedor, por todos os títulos, de gerais louvoress, constituindo na frase de um de seus Prefeitos, ‘verdadeiro padrão de glória de sua administração’.
    Quase certo, o prefeito em questão é Pires do Rio, a quem a empresa brasileira recorrera na tentativa mesmo de conseguir os valores pretendidos. Sendo verdadeira a situação da sociedade naquele momento, a constatação é uma surpresa. É necessário considerar que no caso carioca, a contratante acabou, no contexto da crise de 1929 e os atrasos provocados pelo conflito de 1930, por sofrer reveses advindo da empreitada, mas nada que se compare ao relatado na assembleia final da SARA Brasil.







    Para citação adote:

    MENDES, Ricardo. S.A.R.A. Brasil: restituindo o Mapa Topográfico do Município de São Paulo.
    INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO, 10 (37): dez.2014
    <http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>

     
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