Modelando o República: um cine-teatro
da década de 1920
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O Cine-Theatro República
Na edição de 27 de novembro de 1921, o jornal O Estado de S.Paulo anunciava: "Uma revolução imminente no mundo dos cinemas
em São Paulo – A maravilha que será o CINE THEATRO REPUBLICA”. A inserção propagandeava o empreendimento destacando a
figura de J. Quadros Junior.
(...) encontrámo-nos com o J. Quadros Junior. Deixou a imprensa, desistiu da mania de fundar o vespertino 'A Noite' e, tendo criado
juizo, acha-se á testa de uma grande empresa cinematographica, destinada a pôr num chinello todas as casas que exploram esse
genero de diversão nesta capital. Queremos referirnos á Sociedade Cinematographica Paulista Limitada, da qual fazem parte distinctos
capitalistas, que em boa hora resolveram acabar com o irritante monopolio do 'trust' que açambarcou em São Paulo a exhibição de fitas,
explorando o publico em sua bolsa.
A convite de Quadros, fomos visitar o sumptuoso edificio, á praça da Republica, onde funccionou o Skating e que está passando pelas
necessarias reformas, afim de ser adaptado a cinema.
(Assumptos em foco. O Estado de S. Paulo, 27.11.1921, p.18)
A cobertura do lançamento pelo jornal em questão seria extensa, em contraste com outros jornais. Mas retornemos alguns meses e
atentemos para o curto prazo das grandes transformações pelas quais passaria o antigo Skating.
Em julho do mesmo ano, dá entrada na prefeitura requerimento com projeto de adaptação para cinema. Seu proprietário, Lupércio Teixeira
de Camargo, e o autor do projeto, Willian Fillinger, engenheiro arquiteto, especialista em “cimento armado” sempre lembrado por
sua atuação no projeto do Edifício Martinelli, acompanharão boa parte do período áureo do Cine-Teatro República, “o velho República”,
como os registros de memória oral irão identificar aquele momento ao final do século XX.
O exibidor responsável pela sala é agora a Sociedade Cinematográfica Paulista Ltda.
O projeto de reforma apresentado recebe o alvará inicial “aprovado em termos” imediatamente, embora um substitutivo tenha sido
protocolado em setembro quando surge a nova denominação Cine Theatro República.
Cine Theatro República, 1921.
Planta do térreo apresenta as modificações para adaptação do antigo Skating Palace.
Em vermelho, os elementos a construir, com destaque para o palco. Em amarelo, trechos a demolir, em especial a ampliação das salas de
recepção
ao público no bloco frontal, à esquerda.
Acervo AHSP
Cine Theatro República, 1921.
Corte do longitudinal da edificação com modificações para
adaptação do antigo Skating Palace.
Em vermelho, os elementos a construir, com destaque para o palco à direita.
No lado oposto, bloco para a Praça de República,
ocupado pela recepção, diretoria e outros serviços.
Em amarelo, trechos a demolir, entre eles parte dos pisos
que serão ocupados pela caixa do palco.
Acervo AHSP
O prazo curto para obra não é proporcional às modificações introduzidas no edifício original. Entre elas a redução do salão em cerca de
trinta por cento, constituindo a caixa do palco e a boca de cena com espaço para orquestra, além da construção da cabine de projeção.
Acrescente-se ainda a construção de frisas e camarotes substituindo o desenho improvisado do projeto original, conforme indicam as
pranchas relativas ao Skating. A intervenção já estava sujeita à nova legislação municipal, a lei nº 1954, de 23 de fevereiro de 1916,
que regulamenta em bases efetivas “a construção ou adaptação para o funcionamento de cinematógrafos no Município da capital” conforme
sua ementa.
O jornal O Estado de S. Paulo traz em sua edição de 29 de dezembro de 1921 extenso artigo sobre a inauguração e o edíficio.
Mais ainda, apresenta ao alto, uma reprodução da fachada do novo cinema. Aqui fica clara a configuração final do edifício, que poucas
alterações faria sobre a fachada efetivamente construída do Skating, da qual não havia registro nos processos.
CINE-THEATRO REPUBLICA
A inauguração do novo theatro, propriedade da Sociedade Cinematographica Paulista Limitada – Ligeira descripção da luxuosa e confortavel
casa de diversões – Resumo do primeiro 'film' a ser exhibido no importante estabelecimento.
(...)
AS OBRAS DE REFORMA
Contratados para isso os trabalhos profissionaes de conhecido engenheiro dr. W. Fillinger, precizamente no dia 10 de Outubro proximo
passado tiveram inicio as obras de adaptação do predio. Dezenas e dezenas de operarios, dentro os quaes varios que em outros
emprehendimentos se haviam destacado pelos seus meritos de artistas, foram contractados, e dia e noite [elles] trabalharam
numa luta incessante sob a direcção technica daquele profissional e assistencia continua do operoso gerente da empresa.
Oitenta dias depois estavam as obras terminadas e o antigo predio do Skating Palace transformado num dos mais bellos e mais
luxuosos theatros com que conta agora a nossa cidade.
Hoje, quem alli penetra, mal se recordará do amplo salão em que em determinados dias da semana se reunia o que a sociedade paulistana
dispunha de mais fino em sua alta sociedade, ou da grande officina mecanica em que se fabricavam ou reparavam as complicadas
engrenagens dos automoveis. Por toda a parte trabalhos de arte, por toda a parte a constante preoccupação do luxo, do conforto,
da elegancia sobria e distincta.
(Cine-Theatro Republica. O Estado de S. Paulo, 29.12.1921, p.4)
Fachada principal do Cine Teatro República (OESP, 29.12.1921).
A menção ao início das obras em 10 de outubro é surpreendente. Considerando a escala do imóvel, o investimento simbólico na nova
sala e a intenção de modificar o quadro do circuito exibidor, o prazo inferior a três meses chama a atenção. É relevante, como
forma de destacar a ambição do projeto, a presença dentre o jogo de plantas de um esboço único no acervo custodiado.
Trata-se de um desenho aquarelado sobre cartão que apresenta vista parcial da plateia a partir da boca de cena, destacando a ordem
sobreposta de frisas, camarotes e galerias, a decoração dos guarda-corpos metálicos e as pinturas murais.
Estudo para decoração do Cine Theatro República, 1921.
O documento tem importância singular não só por registrar uma proposta
para decoração do ambiente da sala de projeção, mas por constituir
o único exemplar do gênero localizado no acervo AHSP.
A perspectiva, tomada a partir do palco, revela em primeiro plano o fosso da orquestra, delineado pela balaustrada. Ao fundo, ressaltado
pela pintura em tom vermelho, destaca-se o conjunto de frisas, balcões e galerias,
pontuado pelas colunas metálicas decoradas.
Acervo AHSP
O projeto da sala de exibição, que adota o esquema da arquitetura teatral tradicional, representa talvez um dos melhores exemplos
nessa direção entre nós. Mais de uma década separa a inauguração do Cine Teatro República da abertura do UFA Palace, depois Cine
Art Palácio, na Avenida São João, junto ao Largo do Paissandu, com projeto de Rino Levi, que inaugura em São Paulo a adoção de
um estilo mais próximo da arquitetura moderna no âmbito das salas de teatro e de cinema em meados da década de 1930. O esboço
aquarelado presente no processo de adaptação do Skating é documento único a caracterizar o empreendimento.
O SALÃO
O primeiro trabalho a fazer para adaptação do salão, que comporta nada menos de mil pessoas e está mobiliado com ricas e
commodas poltronas, foi o levantamento do assoalho.
Isso feito, foram iniciadas as obras para puxar as frisas e camarotes, sendo as primeiras em numero de quarenta e os segundos em numero
de quarenta e dois. Destes, dois são reservados, um á presidencia do Estado e outro á Prefeitura municipal – ambos installados nos
melhores pontos, dispondo de uma antecamera para recepções.
O logar reservado á orchestra, á semelhança do que se fez no Theatro Municipal, fica em plano muito inferior ao nivel do assoalho, de
forma que não se vejam os musicos, sendo as paredes revestidas de madeira secca, necessaria á accustica.
O palco, situado na parte que dá para a rua Aurora, tem uma bocca de doze metros, medindo a caixa dezoito de fundo por vinte e sete
de largura.
No lado opposto, á entrada, fica a 'cabine' onde funccionarão dois possantes apparelhos 'Simplex", um dos quais estava até ha pouco
exposto na vitrine da Casa Lebre.
O serviço de illuminação mereceu especiaes cuidados e constitue, sem duvida, uma grande novidade. Foram empregadas nesse serviço nada
menos de vinte e cinco mil vellas, sendo a luz distribuida de maneira mais pratica, mais intelligente e mais artistica que se póde
imaginar. A começar por uma infinidade de pequenas lampadas multicolores, que acompanham a cimalha que contorna o salão e a terminar na
illuminação da fachada do edificio, tudo está disposto com uma unica preoccupação: a de obter o maior effeito sem olhar para despesas
ou difficuldades a vencer.
Merece menção especial todo o mobiliario do theatro, as cadeiras collocadas na sala de exhibições, de madeira excellente e feitas por
mãos de artistas conscienciosos, observam uma disposição tal que os espectadores ficam plenamente á vontade.
Ao lado esquerdo, um gabinete de 'toilette' para senhoras, dispondo de uma sala ricamente mobiliada para palestra. Mais adiante,
um salão onde uma camareira attenderá aos serviços, encarregando-se distrahir os petizes choramingas que atormentarem as familias.
Pouco além, um salão de barbeiro e engraxate, para os cavalheiros que não tiverem tempo de preparar-se na cidade.
As frisas e os camarotes, amplos, luxuosamente installados, dispõem de largo corredor, de fórma a facilitar extraordinariamente o transito.
As archibancadas, os camarotes e as frisas foram construidas de tal maneira que de qualquer dessas localidades não se poderá devassar
as outras que fiquem em plano inferior.
No primeiro andar, que foi destinado aos camarotes, todos amplos e servidos de largo 'promenoir', foi installado um elegante 'bar',
dispondo de confortavel salão para banquetes e de um serviço especial de 'buffet' e 'buvette'.
A 'cabine' destinada ao operador foi construida inteiramente de cimento armado, de maneira a offerecer toda a segurança, preoccupação
essa, aliás, que presidiu a todos os demais trabalhos de adaptação, tanto assim que em cada um dos pavimentos se encontram portas de
socorro dando para a rua Aurora.
(Cine-Theatro Republica. O Estado de S. Paulo, 29.12.1921, p.4)
Anúncio de abertura, página inteira.
(OESP, 29.12.1921, p.17).
A nova fase da edificação, como cine teatro, será marcada com distinção desde já em todos os materiais publicitários. Os anúncios do
programa inaugural trazem o subtítulo: o maior e mais confortável do Brasil.
O ESPECTADOR INAUGURAL
A inauguração do novo theatro realizar-se-á hoje, ás 10 horas em ponto, com a presença do sr. dr. Washington Luis, presidente do Estado, dr. Firmiano Pinto, prefeito municipal e outras autoridades locaes, que foram especialmente convidadas. Dada a importancia do acontecimento, devia realizar-se num espectaculo unico. Aconteceu, porém, que, esperada com viva ansiedade como um verdadeiro acontecimento mundano e artistico, mal foram abertas as assignaturas, ao escriptorio da empresa accorreu tal numero de familias das mais distinctas, que, para attender aos muitos pedidos apresentados, se tornou necessaria a organização de duas sessões. O que, aliás, pouco adiantou, pois dentro em pouco estavam tomadas todas as localidades de ambas as sessões.
O PRIMEIRO 'FILM'
O primeiro 'film' a ser projectado em publico no novo e elegante cinema será o denominado 'Macho & Femea', de que são interpretes
os celebres artistas Gloria Swanson e Thomas Meighan. Talvez o mais empolgante trabalho cinematographico da afamada empresa
Paramount-Artcraft Picture, 'Macho & Femea' ou 'De fidalga a escrava', está destinado a contribuir grandemente para exito completo
do arrojado emprehendimento da Sociedade Cinematographica Paulista Limitada.
(Cine-Theatro Republica. O Estado de S. Paulo, 29.12.1921, p.4)
O anúncio de abertura, em 29 de dezembro, destaca a presença do Presidente do Estado, denominação usada então para o cargo do Governador,
e do Prefeito. Em plena fase do cinema silencioso, anuncia-se a “orchestra de 15 professores sob a direcção do maestro Martinez-Grau”.
Como na reportagem acima, a publicidade aponta a "Illuminação feérica e original – Reproducção dos effeitos de luz de fantasia adoptados
pelo RIALTO e pelo CAPITOL de NOVA YORK".
No [victorioso] REPUBLICA, que hontem, sob os mais promissores auspícios abriu suas portas ao publico de São Paulo, apanhando a mais
formidavel enchente que jamais uma sala do mesmo genero registou (sic). Mais de cinco mil pessoas que se estasiaram ante o
deslumbrante espectaculo com que o mais luxuoso cinema de São Paulo e maior e mais confortavel do Brasil iniciou os seus incomparaveis
espectaculos. (anúncio)
(Cine-Theatro Republica. O Estado de S. Paulo, 30.12.1921, p.13)
Ao contrário do Skating, cuja trajetória empresarial parece ter sido irregular, o República apresenta por toda a década de 1920
sinais de sucesso. É o que se pode inferir a partir dos demais requerimentos feitos pelos responsáveis nos anos seguintes.
São apresentados uma série de requerimentos à prefeitura com projetos de ampliação da sala de
espera.
O novo cinema, que herdara a estrutura existente do Skating, não possuia uma sala de espera para os espectadores com dimensões adequadas
à sua lotação. Surpreende mesmo o ocorrido, se lembrarmos que a fiscalização local era muito atenta a aglomerações nas calçadas que
pertubassem o trânsito de pedestres e veículos. Certamente, o foco era regular atividades de cunho comercial nos espaços públicos,
mas a reduzida sala de espera do República imporia dificuldades ao bom funcionamento e desconforto ao público.
Primeiro projeto de ampliação da sala de espera do Cine Teatro República, 1922.
A opção de Fillinger foi ocupar o térreo do Palacete Campinas
que seria construído em fases à direita do cinema.
Observe à esquerda, em amarelo, trechos a demolir ou alterar,
unindo os dois edifícios. À direita, cortes da nova sala de espera
e detalhe com fachada do anexo.
Acervo AHSP
Em junho de 1922, seis meses após a inauguração, Fillinger apresente projeto de ampliação da sala de
espera. A solução era engenhosa. O terreno, ao lado direito do cinema,
seria ocupado pelo Palacete Campinas. Seu projeto, apresentado em 1925 por Lupércio Camargo, mesmo proprietário do cinema, apresentava
um bloco de frente para a Praça da República com sete andares e os demais com cinco. A prefeitura autorizaria que o pavimento térreo
fosse construído antes mesmo da aprovação do projeto em seu todo. Dessa forma seria possível obter uma área de aproximadamente 7,7
por 36 metros, quase 280 metros quadrados que se somariam a pouco mais de cinquenta metros quadrados da sala de espera inicial.
O conjunto era ainda efetivamente uma solução improvisada, pois os acessos à sala de projeção abriam diretamente sobre o promenade
com as frisas.
Meses depois, em dezembro de 1922, novo requerimento é apresentado solicitando autorização para construção de cozinha e copa ao fundo
no novo salão destinado ao serviço de chá. Em 1925, processo relativo ao
Palacete Campinas, entrado em junho, traz nova ampliação da sala de espera, que duplicaria sua área, ocupando quase dois terços do térreo
do novo edifício. Conforme outros processos, apresentados no inicio do ano
pelo proprietário relativos à reclamação de impostos e meses depois sobre vistoria de elevadores, tudo indica que o Palacete
Campinas estava completo.
Sala de espera do Cine Theatro República, em 1927, após sucessivas expansões.
CINEARTE, 7 set. 1927.
O único registro fotográfico conhecido do interior do Cine Teatro República data de 1927, publicado na edição de 7 de setembro
da revista especializada Cinearte.
A imagem, inserção isolada na revista, apresenta a sala de espera. Vê-se um ambiente de
grandes proporções, mas de pé direito baixo (cerca de 3,7 metros conforme as pranchas localizadas). A adoção de uma decoração
nas pilastras com sabor eclético e o revestimento das paredes com o que parece ser uma espécie de papel de parede com efeito reflexivo procura
dar algum refinamento ao conjunto. O bar, ao fundo, é nitidamente reconhecível, além da presença de grandes vitrines ao redor
das colunas para exibição de produtos, certamente para locação por empresas interessadas.
Jazz Band República ilustra partitura de Noche de Reyes, [s.d.].
Coleção Ricardo Mendes
Outro registro fotográfico do República, como sempre raro flagrante interno na iconografia sobre exibição em São Paulo,
embora agora numa tomada mais fechada, está presente numa partitura da Jazz Band Republica. Ilustrando a edição da música
Noche de Reyes, a imagem apresenta o conjunto de sete músicos e uma pianista encenando uma melodia para o fotógrafo
E. K. Müller. Em cima de um tablado de madeira com cerca de seis metros de comprimento, vê-se ao centro
a bateria com letreiros que identificam o grupo e o cinema. Ao fundo, surge com destaque a decoração da sala de espera com
seu papel de parede, marcado pelo grafismos e reflexo, além dos espelhos e adornos nas colunas e vigas. Ainda que sem data,
a foto parece caracterizar o final da década de 1920.
Outros requerimentos no período indicam interferências pouco relevantes
ou outros usos do espaço para eventos sociais, programas musicais ou peças
teatrais. A última grande intervenção no República seria motivada pela
introdução do cinema sonoro.
Um jornal de hoje, domingo, noticiou que o Republica, das Reunidas, fará installar, em breves dias, pela Western
Electric Company, um apparelho conjugado Vitaphone-Movietone. Para lançar os films falados ou syncronizados da Warner Bros.
Columbia e Universal. (E os United Artists? Voltam para o Serrador ou continuam com as Reunidas?) Isto, sem duvida, se não
ficar pregado nos gorgomilhos do reclamista, é bom. Bom, porque, neste caso, teremos tres emprezas differentes com apparelhos
para films de sons. O Paramount, o Serrador e as Reunidas. E, então, poderemos 'ouvir' todos os films, muito embora, na verdade,
tenham os nossos olhos que chorar essa desgraça que anda avassalando o mercado productor norte-americano. Não deixa de ser uma
bôa nova. Principalmente se o tal apparelho substituir, de vez, aquella orchestra (?) que ali se des... 'concerta'...
(M., O. De São Paulo. CINEARTE, 4 (162): 30 e 33, 3 abr.1929 )
Em maio de 1929, um projeto de ampliação da cabine de projeção, de autoria de W. Fillinger, é apresentado à prefeitura.
A cabine quase dobra o comprimento, atingindo cerca de 12 metros. Não há no processo nenhuma referência sobre a finalidade
da intervenção, mas a associação a preparativos para equipamentos relativos ao cinema sonoro é
justificável.
A disputa pela primazia do sonoro domina o mercado local, que participa da disputa por diferentes processos de sincronização.
Mais uma vez o articulista de Cinearte pode ilustrar o momento, ao mesmo tempo que se revela como parte da corrente dos que
viam a novidade com desconfiança:
Não chegou ainda o film que me converta.
(...)
Já estamos no periodo de campanha de concurrencia entre Cinemas falados.
O 'Paramount' e o 'Odeon' estão disputando um 'match'.
O 'Alhambra', por intermedio de pessoas insuspeitas, creio, annuncia que em breve estréa o seu apparelho.
O 'Republica' até em revistas publicou apparatosos e bombasticos annuncios mas... Até agora...
O 'Rosário', segundo parece, tambem terá.
E assim vamos ter uma falatoria sem fim. E tudo por causa de um assumpto que, ha bem pouco tempo, nem siquer considerado era.
(...)
Com as cabines já alteradas e cartazes grandes na porta principal, o Republica annuncia para breve. 'Bohemios', ou seja 'Show Boat', como seu primeiro espectaculo falado.
É portanto o terceiro Cinema que o installa em São Paulo.
(M., O. De São Paulo. CINEARTE, 4 (175): 8-9, 3 jul.1929 )
A imagem mais conhecida do Cine República está associada ao lançamento do sonoro. A vista noturna da fachada para Praça da República
com os cartazes anunciando o novo sistema e parte do letreiro com o título do filme Bohemios é um registro raro da
historigrafia paulistana.
BOHEMIOS (Show Boat) – da Universal. Inaugurou no Cine Repubica, a sua "phase de ouro". Ou, melhor falando, a
"sua phase sonora". "Bohemios" si como film não é o que se possa chamar de colosso, offerece, no emtanto, um aspecto louvavel
e intelligente. Teve a sua parte falada toda supprimida. Ficaram, apenas, os trechos cantados pela "double" de Laura La Plante
e a canção final de Jules Bledsoe que, indiscutivelmente, é bonita e emotiva.
Isto é louvavel. É, mesmo, intelligente. Mas, por si só, já nos mostra um dos muitos defeitos do film falado. E, elle, é o
terem de ser os films, quasi todos para serem aqui exhibidos, cortados e até mutilados. Ou na sua parte falada. Ou na
sua parte representada. E, mesmo, teremos films inteiros que até nós não chegarão...
Nota-se, perfeitamente, que ha suppressão de "dialogues". A scena no theatro, com Joseph Schildkraut e Laura La Plante,
quando ella a beija e Emily Fitzroy, dos bastidores, pragueja, foi visivelmente supprimida. E, no entanto, eu cria que era uma
sequencia que poderia ficar falada, mesmo, porque só o modo de Emily falar e a maneira de Joseph representar, exaggerando,
valeriam como effeito comico para o publico.
No entanto, só isto, sem duvida, já basta para demonstrar que a direcção do Republica, sem duvida, já pensou e estudou um pouco
mais o gosto do publico para apresentar o film falado e não andou atabalhoadamente como os demais...
(M., O. De São Paulo. CINEARTE, 4 (182): 8-9, 21 set.1929)
O trocadilho sobre a “fase de ouro” do Cine República não traria bons augúrios. O contrato de locação inicial do edifício,
como mencionado anteriormente, era de dez anos. Em novembro de 1931, requerimento é apresentado à prefeitura por
Elyseo Teixeira de Camargo, então proprietário.
Novamente, um projeto de W. Fillinger era enviado, mas agora para
adaptação para uso como rink de patinação ! Propunha-se a demolição do palco e da boca de cena, que dariam lugar a um pequeno
espaço para orquestra. No primeiro andar, duas salas são reservadas para bares. Fica evidente nas pranchas
que os pilares de ferro que sustentavam a grande oval do Skating permaneceram ao fundo do palco. Ao fundo da sala, dois
pequenos bares junto às escadas e uma sala reservada para o “club de hockey” estão indicados nas pranchas apresentadas.
A ocupação é pouco clara, o que é comentado em cota (“O projeto está confuso”), mas ainda assim é deferido.
Dessa forma, a atuação do velho República, como seria usual nas referências posteriores, associada a uma fase de sucesso
e prestígio, é interrompida. As sucessivas licenças para renovação do alvará de funcionamento como rinque de patinação revelam
seu funcionamento regular por quase dois anos. Em 1933, surpreendemente, em abril, a Empreza Cine Brazil Ltda, com sede no
Edifício Martinelli, gerenciando as salas Rosário, Alhambra, Paratodos e Colyseu, apresenta projeto inverso para retorno à
atividade de exibição cinematográfica. Prevê-se a reconstrução do palco, em projeto dos arquitetos João Bertacchi e Franscisco
Antonio Giorgi, mas com boca de cena mais recuada. O próprio requerimento confirma o funcionamento como pista de patinação
“até bem pouco”.
Quais as marcas que essas sucessivas intervenções deixaram no edifício é um aspecto de difícil avaliação. Aproveitam-se
pranchas dos projetos anteriores nos sucessivos pedidos à prefeitura, as indicações são pouco claras e nada se conhece de
registros fotográficos da sala nesse período em especial. Além disso, os espaços de exibição mais recente apresentam uma
nova distribuição na área central, consolidando a Avenida São João como grande eixo de atração. A partir da segunda metade da década
de 1930 cinemas como Art Palácio (UFA Palace, de início), Metro e outros se sucederão e terão uma imagem nova a oferecer ao público.
O velho cine República conseguiria fazer frente à nova tendência? Com certeza, os anúncios na imprensa confirmam o funcionamento
do cinema até 1935. Dois anos depois, em janeiro de 1937, artigo da
revista Cinearte intitulado Há dez anos comentava a exibição do longa-metragem brasileiro O Guarany, de Victor Capellaro:
O Republica esteve repleto e o Triangulo apresentava aspecto bastanta consolador para dia de exhibição de um film Brasileiro.
Casa bem cheia.
Hoje o Cinema Brasileiro está bem mais adiantado e essas duas casas já não existem mais. O Republica é ou vae ser uma
Repartição Publica e o Triangulo é casa de 2$000... Ha dez anos...
(Ha dez anos/Cinearte, de 8 de Dezembro. CINEARTE, 12 (455): 49-50, 15 jan.1937)
Continua >
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Para citação adote:
MENDES, Ricardo. Modelando o República: um cine-teatro da década de 1920.
INFORMATIVO ARQUIVO HISTÓRICO DE SÃO PAULO, 7 (30): jul/set.2011
<http://www.arquivohistorico.sp.gov.br> (disponível em novembro de 2011)
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