PLANTA DA IMPERIAL CIDADE DE SÃO PAULO
Levantada em 1810 pelo Capitão de Engenheiros Rufino J.o
Felizardo e Costa e copiada em 1841 com todas as alterações. –
Lat. Sul’. 23º, 33” 30” Long. Pelo Meridiano da Ilha do Ferro
331º 24’ 30”
- Ao pé da planta, à direita: Copiada em 1915 pelo desenhista Francisco Sansoni
- Ao pé da planta, à esquerda: Copiada em 1918 pelo desenhista J. Domingues dos Santos F.o
- Petipé de 200 braças
- Dimensões da cópia do Museu Paulista: 434 x 542 mm (sem moldura)
- Documento íntegro, embora muito escurecido pela acidificação do suporte
- Técnica da cópia: nanquim sobre papel vegetal
- Original litografado pertencente à Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
- Reprodução a partir da versão publicada pela Comissão do IV Centenário, em 1954
ANÁLISE
Conforme diz o título, este documento cartográfico foi feito a partir da Planta n.1 e executado com atualizações em 1841.
Ignora-se o autor da peça original – da qual se extraíram cópias, uma em 1915 e outra em 1918. O historiador Afonso Taunay,
porém, adianta a informação de que ela foi impressa no Rio de Janeiro, tendo ficado “incumbido de o fazer um gravador [chamado] M.
J. Cardoso”. O Prof. Nestor Goulart Reis Filho afirmou em obra recente (
São Paulo Vila Cidade Metrópole, 2004)
que a planta é de autoria do engenheiro alemão Carlos Abraão Bresser, mas não ofereceu provas dessa atribuição, que,
salvo engano, nos parece gratuita.
Dentre as atualizações introduzidas em 1841 se destacam:
- no Jardim Público (X), a representação do tanque cruciforme e das alamedas de árvores frutíferas dispostas segundo um rígido desenho geométrico criado em 1825.
- no Largo da Sé, o prolongamento da Rua da Esperança (d) até esse logradouro, obra também realizada em 1825.
- no Pátio de São Francisco, o alargamento do logradouro com a incorporação do quintal dos franciscanos, ocorrida em 1829.
- no terreno da futura Casa de Correção (Y) – cujo projeto, de autoria do marechal Daniel Pedro Müller, datava de 1832 e cuja construção estava prevista na Constituição de 1824 – aparece uma área hachurada, assinalando o local onde começava a ser erguida a penitenciária provincial.
Cumpre notar que no letreiro
Explicações desta planta há uma confusão, em razão de erro de um dos copistas.
No original,
Z’ (nesta versão apenas
Z) é a antiga Chácara dos Ingleses, em cuja sede se estabeleceu o
Hospital da Santa Casa de
Misericórdia em 1825. Enquanto Z (na legenda desta cópia aparece
N) mostra a localização do novo
Hospital da Misericórdia na futura
Rua da Glória, projeto do engenheiro militar Daniel Pedro Müller datado de 1832 e concluído em 1840. Convém reparar ainda que
g se refere à Rua do Carmo (atual Roberto Simonsen), cujo nome se acha em branco por lapso de copista; que
m, correspondente à
Rua da Casa Santa (atual Riachuelo), foi grafado como
E na planta e, ao sul, foi incluída no ponto extremo da cidade a
Casa da Pólvora,
S’, edificação existente desde 1785, mas não inserida na carta de Rufino de 1810 (Planta n.1).
Não deixa de impressionar o fato de ter sido empregada uma planta velha de trinta anos e, mediante pouquíssimas alterações, ter-se
obtido uma nova carta atualizada da Capital. As razões para isso encontramos no estado de estagnação a que se reduziu São Paulo
durante o Primeiro Reinado e, sobretudo, durante a era regencial, ponto para o qual já chamara atenção o historiador Afonso Taunay.
Depois do período otimista dos últimos anos anteriores à Independência, São Paulo ingressa numa fase em que as obras públicas
realmente escasseiam. O Regimento das Câmaras Municipais, lei de 1° de outubro de 1828, criou um paradoxo: impôs às Edilidades a
responsabilidade pela construção e manutenção de inúmeras obras públicas (chafarizes, mercado municipal, matadouro, cemitério apartado
das igrejas, calçamento de ruas, etc.), mas, ao mesmo tempo, não previu o aumento das rendas dos municípios e, o que é
pior, retirou a autonomia política das municipalidades, de ora em diante dependentes dos governos das províncias e, depois,
das Assembléias Provinciais. Desprovidas de recursos, as Câmaras pouco ou nada puderam fazer, senão gerenciar a penúria, dependendo
sempre da boa vontade dos legisladores e do executivo provincial. Durante os anos de 1830 e 40 as obras municipais paulistanas são de
uma singeleza e precariedade comoventes; tapa-se um buraco aqui, conserta-se um rego ali e nada mais. Quando, entre 1836 e 1838, se
tentou erguer o mercado municipal, construiu-se um barracão tão grosseiro e acanhado, o chamado
Barracão do Carmo, que acabou
não sendo usado para o fim a que foi destinado. Seria necessário esperar por circunstâncias econômicas, sociais, políticas e financeiras
favoráveis, o que ocorreu em 1849, para que a municipalidade de São Paulo obtivesse o repasse de vários impostos provinciais e assim
pudesse dar início à construção de alguns dos equipamentos previstos no Regimento das Câmaras.
Por isso, na planta de 1841, quando se desejou ilustrá-la com os prédios mais significativos da cidade, só foram representadas construções
datadas dos tempos da Colônia. As edificações mais ilustres da Capital eram, em geral, rústicas construções de taipa, às vezes erguidas
sob o influxo de um Barroco bastante provinciano; na verdade, constavam, em sua maioria, de conventos envelhecidos e igrejas mal cuidadas,
localizados em largos de aparência desolada, porque na época, ainda não se arborizavam os espaços públicos e o calçamento feito à base de
pedras fragmentadas não fazia distinção entre leito carroçável e área de passagem de pedestres. A autoria desses desenhos é desconhecida;
chegou-se atribuí-los ao artista popular Miguelzinho Dutra (1810-1875), mas essa atribuição é mero palpite.
Pirâmidade do Piques: detalhe da versão original confrontada com cópia posterior utilizada na reedição de 1954.
A reinterpretação gráfica alterou em determinados casos o valor documental.
Aqui, por exemplo, a balaustrada original e o acabamento da Pirâmide
foram severamente alterados e mesmo eliminados.
Observando cuidadosamente as
ilustrações da versão litografada depositada na Biblioteca Nacional do Rio do Janeiro, constatamos que há diferenças significativas entre
essas ilustrações e os desenhos aquarelados de autoria de Miguelzinho retratando os prédios mais destacados da cidade. Há também grande
diferença entre os desenhos do original litografado em 1841 e os desenhos copiados em 1918.
Como podemos observar na comparação ao lado, a mão de J. Domingues dos Santos F.º mostrou-se bastante inábil na cópia, pois deformou e
empobreceu as informações contidas nas ilustrações originais.
A partir do alto, à esquerda, no sentido horário, temos:
Palácio do Governo e Colégio dos Jesuítas
O antigo convento jesuítico mostra-se aqui com a aparência adquirida durante a reforma realizada entre 1741 e 1745. A ala nova do
Colégio, à esquerda, era perpendicular ao resto do corpo do edifício, constituído de convento, igreja e torre, datados do
século XVII. Na reforma setecentista fora alteado o telhado da igreja, e isso produziu um efeito desgracioso bem visível
na parte acima do frontão. À direita da imagem, vê-se um correr de casas modestas no qual é possível distinguir a
Casa da Ópera
(segunda construção a partir da direita, com três portas e três janelas). Foi nela que se deu a recepção ao príncipe
D. Pedro na noite do dia em que foi declarada a Independência do Brasil.
Vista da Sé e Igreja de São Pedro
Levantada entre 1745 e 1756, a
sé catedral sofreu modificação em seu frontispício nos anos de 1760. A reforma então empreendida
foi conduzida por um mestre pedreiro bastante conceituado em Santos, Bento de Oliveira Lima. Seu escravo e auxiliar chamava-se
Joaquim Pinto de Oliveira, o Tebas, dono de lendárias habilidades no trato da pedra de cantaria. A nova fachada da catedral
exibia frontão barroco, de curvas e contracurvas, a substituir o frontão triangular original, torre com coruchéu de alvenaria e
porta de ingresso em arco abatido, no lugar da primitiva entrada provida de verga reta. À extrema esquerda da ilustração,
vê-se a
Igreja de São Pedro da Pedra erguida a partir de 1740. Foi na reforma ocorrida entre 1849 e 1860 que suas sineiras
foram substituídas por torres. Edificada uma delas pelo arquiteto medidor José Porfírio de Lima, a construção logo saiu do prumo.
Teve de ser refeita por um simples pedreiro, de nome desconhecido, profissional que acabou por se responsabilizar pela ereção da
segunda torre.
Pirâmide do Piques
Idealizada pelo tenente-coronel Daniel Pedro Müller em 1814, a “Pirâmide” (de fato, um obelisco) é um dos primeiros monumentos de
cantaria da cidade. Erguida no meio de um tanque semicircular que servia para a lavagem de roupas dos moradores vizinhos,
não se via ainda abaixo dela o chafariz registrado em fotos de Augusto Militão de Azevedo (1862/1863). Datada de 1844, a rude
construção neoclássica, chamada
Chafariz Dois de Dezembro (assim denominada em homenagem ao dia do aniversário do Imperador D. Pedro II),
foi projetada e construída por um militar carioca a serviço da Província, o major do Imperial Corpo de Engenheiros Luís José Monteiro.
Claustro de São Francisco
Rara representação do pátio interno do Convento de São Francisco. Único exemplar de claustro paulistano que à época estava acessível
a todos por ter se tornado pátio da Academia de Direito, então instalada no velho convento submetido à desafetação. De suas legendárias
arcadas, freqüentadas durante o século XIX por estudantes vindos de todo o Brasil, saíram muitas figuras ilustres que mais tarde animariam
a vida nacional.
Convento da Luz
Projetada por frei Antônio de Santana Galvão, a segunda versão do pequeno convento e sua capela, inaugurada em 1788, aparece aqui tal
como era vista em 1841: sem o campanário por sobre a galilé e sem o frontão de volutas a coroar a fachada lateral voltada para a cidade.
Elementos arquitetônicos que só seriam construídos posteriormente, dentro de um conservador estilo barroco de província, no período
compreendido entre os anos de 1844 e 1862.
Convento de São Bento
A igreja beneditina exibia então o aspecto adquirido na reconstrução da fachada executada, provavelmente, a partir de 1797. Viam-se nela arcos abatidos nas envasaduras e frontão triangular perfurado por singulares óculos elípticos a ladear um pequeno olho de boi, além de ornatos talhados em pedra pelo famoso Tebas. A torre, porém, era a mesma do século XVII, do tempo de Fernão Dias Pais, completada entre 1733 e 1743. Demolido para o alargamento da embocadura da Rua da Constituição, depois Florêncio de Abreu, esse campanário foi substituído por outro de mais elegantes proporções, datado de 1860.
Convento e Ordem Terceira do Carmo
Reformado no século XVIII (1766), este belo conjunto monumental aparentava estar ainda intocado em 1841. Nas janelas do convento, eram então conservados os tradicionais balcões de rótulas (não representados na ilustração), substituídos por gradis de ferro somente nos anos de 1850.
Academia no Convento de São Francisco e Ordem Terceira
A aparência do conjunto arquitetônico franciscano provinha seguramente do final do século XVIII, ao menos no que se refere à
igreja conventual e à da Ordem Terceira. Quanto ao convento, ocupado desde 1828 pela
Academia de Direito, provavelmente já se
encontrava naquela altura em mau estado de conservação. Essa situação perduraria até a reforma de índole eclética, realizada,
entre os anos de 1884 e 1885, por um engenheiro francês a serviço da Província, Eusébio Stevaux (1826-1904). Com o desaparecimento do quintal dos
franciscanos em 1829, ficou perfeitamente visível o frontispício do edifício, até então em parte escondido atrás da cerca conventual.
Cadeia
A representação da
Casa de Câmara e Cadeia (1783-c.1791) que aqui se observa é inexata.Trata-se porém de erro presente no original. O corpo avançado central, decerto introduzido por João da Costa Ferreira no edifício já pronto, não se acha delimitado lateralmente por pilastras, ao contrário do que se verifica por meio de foto de Militão Augusto de Azevedo, tirada por volta de 1862. Como curiosidade, notam-se as guaritas dos guardas que faziam a segurança do edifício e os lampiões alimentados a óleo de baleia, pendurados nos cantos da construção para iluminá-la durante as escuras noites paulistanas.
Convento de Santa Teresa
De aspecto bastante severo e grosseiro, o edifício do recolhimento fora inaugurado em fins do século XVII (1685). Por culpa do copista, o coruchéu da torre construída por Tebas no século XVIII (1765), coberto de telhas, aparece com a aparência alterada no desenho. Digna de nota, porém, é a irregularidade da fenestração do convento, típica das construções paulistanas anteriores ao final do setecentismo.
Quartel Militar
De autoria de Costa Ferreira (1790), a construção do quartel acabou simplificada no momento da execução. Embora levantado com taipa e adobes, o edifício fora valorizado com janelas de aro de cantaria, o que era considerado um grande luxo na São Paulo de então. Um bonito frontão clássico, provido de vistosos pináculos de pedra, deveria coroar o alto do antecorpo central, mas dadas as deficiências da arquitetura local, acabou substituído por uma prosaica empena sem enfeites, tal como havia acontecido na mesma época com a fachada da Cadeia.