PLANTA DA CIDADE DE SÃO PAULO
POR C. A. BRESSER
1841
- Ao pé da planta, à direita: Copied from Original 1861
- Nota na parte inferior da planta:
Esta planta foi copiada de uma copia do original do Archivo do Escriptorio da Engenharia da São Paulo Railway em 29 - 5 - 1918
W. J. Sheldon
Engenheiro Chefe
- Petipé do original de 2000 palmos
- Petipé da cópia de 1861 de 3000 pés ingleses
- Dimensões da cópia do Museu Paulista: 870 x 754 mm (sem moldura)
- Documento íntegro, embora muito escurecido pela acidificação do suporte.
- Técnica da cópia: mista, com acréscimos manuscritos à tinta.
- Original de paradeiro desconhecido
- Reprodução a partir da versão publicada pela Comissão do IV Centenário, em 1954
ANÁLISE
Autor da planta original, datada de 1841, Karl Abraham Bresser (c.1804-1856), considerado engenheiro civil no Brasil, de fato, formara-se
agrimensor na Alemanha (
Geometer [Felt- und Landmesser]), conforme especificado em carta de recomendação que o burgomestre de
Krefeld endereçou ao major João Bloem. Natural dessa cidade alemã, situada na Renânia do Norte-Vestfália, região pertencente naquele tempo ao reino da Prússia, Bresser era muito estimado por seus concidadãos. Possuía profundos conhecimentos e habilidades e, de acordo com o prefeito de Krefeld, tinha conduta exemplar e irrepreensível.
Assinou contrato por cinco anos com o governo da província de São Paulo, representado pelo major Bloem, em Bremen no dia 1° de agosto de 1838, e por esse documento percebe-se que, ainda que nele fosse qualificado como agrimensor, com diploma, sua responsabilidade no Brasil seria a de um verdadeiro engenheiro, pois deveria elaborar planos, fazer orçamentos e dirigir as obras da abertura de uma estrada de rodagem entre São Paulo e Santos.
Embora bem recomendado, sua atuação na difícil construção da Estrada da Maioridade foi simplesmente desastrosa. O brigadeiro Tobias de Aguiar, presidente da Província da época, examinou pessoalmente a estrada em companhia do major Bloem e constatou que as obras, de tão mal conduzidas, tinham de ser imediatamente paralisadas. Responsabilizado pelos erros de execução, Bresser acabou afastado em 1841. Mantido, contudo, sob contrato durante muitos anos pelo governo da Província, a ele foram destinadas outras tarefas, que soube desempenhar a contento, entre elas a planta que deu origem à cópia aqui analisada.
Como se trata de uma cópia, não há nela informações, infelizmente, que nos dêem pistas acerca das circunstâncias sob as quais foi produzido o documento gráfico original, cujo paradeiro nos é desconhecido. Sabemos, porém, que na sessão camarária do dia 5 de novembro de 1840, foi lida uma portaria do governo provincial ordenando que por um edital a Câmara Municipal convidasse os paulistanos a franquear os pátios e jardins de suas casas, cujos exames fossem necessários ao engenheiro Bresser, encarregado pelo governo de levantar uma planta da Capital e seus subúrbios, planta essa, já se vê, de natureza cadastral.
O que, logo de início, se nota nesta planta é que praticamente nada havia mudado em relação às anteriores, de ns.1 e 2. Os
limites abrangidos por ela, no entanto, foram um pouco alargados: ao norte, foram estendidos para além do
Convento da Luz;
ao sul, até o Córrego Lavapés, que interceptava o caminho de Santos; a leste, levados adiante da
igreja do Brás, elevada à matriz em
1818, e, a oeste, avançaram até o começo da íngreme subida da estrada de Sorocaba, pouco antes do sítio onde mais tarde seria
construído o
Cemitério Municipal (atual Cemitério da Consolação).
Embora mais precisa que a carta executada pelo capitão Rufino em 1810, a planta de Bresser, de modo geral, pouco acrescenta em relação ao
que aparece na de n.2, atualizada no mesmo ano de 1841. Na verdade, na planta que estamos examinando não foi completado o cadastramento dos
imóveis. Ao que tudo indica, a planta foi deixada inacabada, sendo refeita mais tarde, entre 1844 e 1847, como veremos ao analisarmos a
Planta n.5. (A esse respeito, o Prof. Nestor Goulart Reis Filho levanta outras hipóteses em
São Paulo Vila Cidade Metrópole, 2004,
mas nossa tendência é concordar com o Prof. Irineu Idoeta, em
São Paulo vista do alto, 2004). Nela o que mais chama a atenção são
os erros existentes no letreiro, pelos quais, na maioria dos casos, devem ser responsabilizados os sucessivos copistas.
(No livro
O Museu Paulista da Universidade de São Paulo, editado pelo Banco Safra em 1984, afirma-se que o copista de 1918 tinha por
iniciais as letras H. J., mas não pode ser confirmada essa informação.)
Assim, temos alguns itens que não foram localizados em planta, como, por exemplo: a Rua do Rego (depois Rua de Santa Cruz e
hoje absorvida pela Praça Carlos Gomes), n.14, o
Hospital dos Lázaros, n.16, e o
Rancho Nacional, n.87. Ou itens que o
foram erradamente, como os Becos Comprido e do Mata Fome, n.97 e n.98. Essas vias, situadas nas proximidades do Piques e da
Igreja da Consolação, foram inexplicavelmente transferidas para as baixadas do
Convento de São Bento, na Várzea do
Tamanduateí. Há também nomes errados:
Beco dos Fornos, n.15, por Beco dos Cornos (igualmente não localizado);
Ponte do Irmão, n.19, por Ponte do Ferrão;
Ponte do Cano, n.21, por Ponte do Carmo e
Rua das Freiras, n.31, por
Rua da Freira. Ademais, detectamos uma inversão nas correspondências dos ns. 84 e 85, cuja ordem correta é Chácara do Arouche e
Tanque do Arouche, respectivamente. Aliás, o nome Arouche também aparece grafado erradamente,
Arrouche. Grafia essa que, tal como
Tabatinguerra, nos ns.7 e 9, talvez possa constituir um lapso a ser creditado à nacionalidade do autor (alemã) ou de um dos copistas (inglesa?).
Quanto ao n.92, chácara de Jerônimo Andrade, é a chamada do Bom Retiro, antes pertencente ao governador Franca e Horta, que a vendeu ao brigadeiro João Jacques de Baumann. Morto este último, a propriedade passou para seu genro, o tenente-coronel Jerônimo de Andrade.
Do mesmo modo, a chácara de Silva Machado, n.77, desmembrada em 1784 de uma outra chamada das Palmeiras, pertencera primitivamente a Miguel Carlos Aires de Carvalho, procurador da Coroa entre 1786 e 1788. João da Silva Machado (1782-1875), proveniente do Rio Grande do Sul, iniciara sua vida como modesto tocador de gado, mas transformara-se, já no tempo de Saint-Hilaire, no maior proprietário da região dos Campos Gerais, na futura província do Paraná, tendo recebido mais tarde o título de Barão de Antonina.
A chácara de Luís Machado, n.10, havia sido antes do seu cunhado Francisco de Assis Márcio Lorena e Silveira (1789-1835), filho do capitão-general Bernardo José Maria da Silveira e Lorena (1756-1818). Assis Lorena havia herdado a propriedade de sua mãe, Mariana Angélica de Bustamante Sá Leme, morta em 1811. Falecido Francisco de Assis Lorena, a propriedade passou para as mãos de Luís Pereira Machado, um dos dois genros de D. Bernardo José. Depois, a chácara foi herdada pela filha de Luís, D. Ana de Lorena Machado e, a seguir, pela a filha desta, D. Ana Maria de Almeida Lorena Machado, que mandou loteá-la em fins do século XIX. Nos terrenos mais desfavoráveis da encosta do morro da Tabatinguera foram então erguidos vários conjuntos residenciais para operários. Até hoje sobrevivem centenárias vilas desse tipo, em processo de tombamento municipal, mas hoje muito descaracterizadas e em péssimas condições de habitabilidade, naquela região profundamente deteriorada, hoje parcialmente marginada pela avenida Radial Leste (Travessa Ruggero, Vila Suíça, Vila Carolina Augusta, etc.). No alto da encosta, contudo, na Rua Conde de Sarzedas, foi erguido em fins do oitocentismo o pretensioso “castelinho” de Luís de Lorena Rodrigues Ferreira, também descendente do 5º conde desse título. Hoje a edificação se acha tombada no nível municipal e devidamente restaurada (atual Centro Cultural do Museu do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo).
Vemos também na planta a chácara de Bernardo Gavião, n.101. Pertencente ao brigadeiro Bernardo José Pinto Gavião Peixoto (1791-1859), essa propriedade nada tinha a ver com a chácara do coronel [José Joaquim da Costa] Gavião, depois marechal, correspondente à letra a, vista na carta do capitão Rufino, de 1810. Na planta de n.1 o que vemos é a chácara conhecida mais tarde como do Campo Redondo, de que foi dono o pai do brigadeiro Gavião. Na planta que analisamos agora, vemos a propriedade que o brigadeiro Gavião Peixoto herdou de sua mãe, Maria da Anunciação Pinto de Morais Lara, filha única do rico brigadeiro Joaquim José Pinto de Morais Leme. A esse último haviam pertencido originalmente as terras que se estendiam para o norte a partir do sopé do morro de São Bento, e onde se situava a chácara herdada pelo brigadeiro Gavião, limitada pelas atuais Ruas Mauá, Brigadeiro Tobias, Washington Luís e Avenida Prestes Maia. A chácara de Bernardo Gavião seria depois repartida entre três de seus filhos, que aí manteriam suas residências: Bernardo Avelino, José Maria e Camilo.
A planta de Bresser traz ainda uma informação que não se acha presente em outras cartas: a localização do antigo
açougue, n.34,
localizado à esquerda da subida da Rua de Santo Amaro. Em 1852, esse
matadouro municipal seria substituído por outro, desta vez
erguido nas proximidades da atual Rua Humaitá, à beira do Ribeirão Anhangabaú.
Há mais um curioso detalhe nessa planta: ela mostra a Rua Formosa a atravessar a chácara do futuro Barão de Itapetininga. Embora só tenha sido aberta em 1855, a Câmara, de fato, já cogitava abrir essa via mais de dez anos antes (ela é mencionada, por exemplo, na sessão de 11 de julho de 1844). Mesmo assim, em nossa opinião, não foi Bresser que a incluiu na presente carta, pois na Planta de n.5, feita entre 1844 e 1847, também de sua autoria, ela não vem representada. É mais provável que se trate de uma atualização introduzida por algum copista.